A história de vida de Álvaro Pastor do Nascimento é um dos exemplos mais marcantes de superação de uma condição de pobreza extrema. Servidor da Justiça Eleitoral há 15 anos e hoje chefe do cartório da 48ª Zona Eleitoral, em Altinho (PE), Álvaro é um dos oito filhos de Joaquim Pastor do Nascimento e Alaíde Maria da Conceição, já falecidos, e enfrentou com seus familiares a fome e a mendicância sem jamais perder a fé em um futuro sem tantas provações e humilhação.

Veja o depoimento de Álvaro Pastor do Nascimento.

Nascido em Ibura, na periferia de Recife, desde a infância Álvaro e seus irmãos, juntamente com os pais, honestos e humildes, percorriam as ruas recolhendo material reciclável para ganhar algum dinheiro para matar a fome, que sempre teimava em se fazer presente. Pediam também esmolas ou comida nas residências da capital.

Álvaro lembra que a miséria humilha o cidadão, mas também é fonte de coragem, ponto de partida para buscar um futuro melhor. Ele nunca deixou de acreditar que uma mudança pudesse ocorrer, para remediar um pouco os sofrimentos dos pais, dele e dos irmãos. E Álvaro sabia muito bem o caminho para que essa transformação ocorresse: pela educação.

Por isso, ao catar papéis, plásticos, latinhas e vasilhames junto com a família numa carroça, o menino recolhia sempre os livros e cadernos que encontrava para a sua coleção particular. O pai, Joaquim, não gostava muito. Achava aquilo um desperdício e que aquele “ajuntamento” de coisas poderia muito bem virar dinheiro para os alimentos tão necessários. Mas Álvaro conseguiu salvar a ‘biblioteca’.

Já dona Alaíde via o menino de forma diferente. Não que não amasse todos os filhos de uma maneira igual. Mas notava a inteligência e o apego dele pelas revistas e livros que conseguia nas ruas, e o incentivava a estudar. Por estar mais adiantado que os colegas, Álvaro concluiria o ensino básico mais rápido. Porém, dona Alaíde era rigorosa, não admitia “erros” dos filhos.

Dificuldades

A pobreza familiar era tamanha que Fátima, uma professora de Álvaro, escondeu, certa vez, na bolsa do garoto um pacote de biscoito, proveniente da merenda escolar da escola, para que levasse para casa. Quando a mãe viu, pegou o menino pela orelha e foi até a escola devolver o “roubo”. “Minha família é pobre, mas não tem ladrão”, disse ela à diretora. Foi então que a professora apareceu para explicar tudo. Ela sabia a condição de miséria daquela família, porque já os havia ajudado algumas vezes, quando eventualmente batiam em sua porta.

“Essa professora foi um dos anjos na vida da minha família. Olha o gesto dela. Arriscou o seu cargo para colocar na bolsa de um menino um pacote de biscoito para matar a sua fome”, ressalta Álvaro, que hoje tem 42 anos, é casado e tem dois filhos.

Dona Alaíde amava tanto o filho que o “deu” três vezes para famílias que podiam lhe dar estudo e, principalmente, alimentá-lo. O motivo era a esperança em uma vida melhor para o menino. Não adiantou. Álvaro sempre fugia e encontrava a família. E ele sempre falava quando voltava: “Se é para morrer de fome, então a gente morre todo mundo junto”. Não houve quarta doação, e dona Alaíde se conformou.

 

“Ela fez isso por amor. Quando eu era pequeno, eu não entendia. Pensava que ela não gostava de mim. Não era isso. Era o contrário: é que minha mãe me amava demais e, mesmo com o coração partido, me entregava às famílias”, esclarece o técnico judiciário.

A primeira grande oportunidade

Um pouco mais à frente de sua vida, Álvaro encontraria o benfeitor que mudaria a história dele e de sua família. Quando, ao meio-dia, pediam um prato de comida numa casa em Boa Viagem, no Recife, houve um atrito com um policial, que saíra de um carro que acompanhava outro, do qual desceu um homem, o próprio dono da casa. Era o desembargador Luíz Belém de Alencar, falecido em março de 2019, e que foi presidente do Tribunal de Justiça do estado e presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.

Ao invés de afastar “os mendigos”, como pretendia o policial, o desembargador os convidou para entrar, tomar banho, receber alimentos e almoçar com a sua família. Ali na mesa mesmo. Todo mundo junto. A partir daí, os laços do magistrado com a família se estreitaram. O desembargador empregou Joaquim na reforma de sua casa, com a condição de que mantivesse os filhos na escola. Álvaro logo se afeiçoou ao desembargador.

“Ele foi o maior exemplo de generosidade e humildade que eu conheci. O homem, no posto que ele exercia, botar para almoçar na casa dele, na mesma mesa que seus filhos, uma família inteira que estava pedindo esmola. Você não encontra isso sempre”, destaca Álvaro.

Além de auxiliar a família de Álvaro, o desembargador o abasteceu com livros e revistas, bem conservados, e até enciclopédias, e mais que isso, com esperança. O universo do menino se expandia e os estudos também. Ao completar 18 anos, Álvaro tirou a carteira de motorista e pôde, enfim, aceitar a proposta feita pelo desembargador, na ocasião presidente do TRE pernambucano, na função de manobrista.

Trajetória no TRE

Ao tomar contato com o trabalho dos servidores da Corte Regional, Álvaro sonhou ser servidor público federal. Assim, o jovem decidiu se dedicar ainda mais aos estudos. Com os ensinos fundamental e médio feitos em escola pública, Álvaro começou a prestar concursos.

E a vitória veio logo. Ele passou para quatro órgãos, e acabou optando pelo TRE de Pernambuco, por questões afetivas. Com o primeiro salário, ele pensava em realizar um sonho antigo: comer sozinho uma caixa de biscoito, sem precisar dividir com os irmãos. 

Sua posse ocorreu em 25 de abril de 2006. Hoje, além de exercer suas funções em Altinho, no agreste pernambucano, Álvaro Pastor do Nascimento, o único de seus irmãos a ter um curso superior, em Direito, realiza palestras sobre o Projeto Eleitor do Futuro, da Justiça Eleitoral, nas comunidades, despertando na juventude a necessidade do voto consciente, refletido, para mudar a realidade de sua região.

Entre as homenagens que já recebeu pelos serviços prestados à JE, Álvaro obteve o Diploma de Honra ao Mérito Eleitoral (2004) e a Medalha Frei Caneca (2016), a maior comenda do TRE pernambucano. No final de 2019, ele recebeu o título de Cidadão de Ibirajuba (PE), devido ao Projeto Eleitor do Futuro, no qual participou ativamente na localidade.

Ao recordar sua trajetória de vida, Álvaro faz questão de lembrar os pais, particularmente sua mãe, dona Alaíde: “Minha mãe teve um impacto enorme em minha vida. Nos deu grandes lições de vida. Sempre nos educou no caminho certo. Apesar de a gente ter vivido em um ambiente dominado pelo tráfico de drogas, nunca tomamos o caminho ruim. Pobreza não pode ser sinônimo para fazer coisa errada. Essa lição eu devo aos meus pais”.

Este texto faz parte da série “Nós somos a Justiça Eleitoral”, que vai mostrar a todos os brasileiros quem são as pessoas que trabalham diariamente para oferecer o melhor serviço ao eleitor. A série será publicada durante todos os dias de fevereiro, mês em que se comemora o aniversário de 89 anos de criação da Justiça Eleitoral.

EM/CM, DM

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