Olá, amigos do Dizer o Direito, 

Foi publicada hoje (01/04), a Lei
nº 14.132/2021, que:

·
acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição,
também conhecido como stalking; e

·
revogou o art. 65 da Lei das Contravenções Penais.

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por
qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica,
restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou
perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa.

 

Em que
consiste o crime

Crime de perseguição (art. 147-A do
Código Penal)

O sujeito persegue a vítima…

reiteradamente

(exige habitua-lidade)

por qualquer meio (presencial-mente, pela internet, por
telefone, por carta etc.)

praticando pelo menos uma de três condutas possíveis:

1) ameaçando a integridade física ou psicológica da vítima;

2) restringindo a capacidade de
locomoção da vítima; ou

3) invadindo ou perturbando, de
qualquer forma, a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

 

Pena

Reclusão, de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, e multa.

Trata-se, portanto, de infração
de menor potencial ofensivo.

O autor tem direito, em tese, à:

·
transação penal;

·
suspensão condicional do processo.

 

Stalking

A conduta do art. 147-A do CP é
conhecida como stalking ou assédio por intrusão.

To stalk é um verbo do idioma
inglês, que significa perseguir, vigiar.

O saudoso Professor Damásio de
Jesus, há mais de 13 anos, já tratava sobre o tema:

“Não é raro que alguém, por amor
ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro motivo qualquer, passe a
perseguir uma pessoa com habitualidade incansável. Repetidas cartas
apaixonadas, e-mails, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária eletrônica,
recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um inferno
a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional. A isso dá-se
o nome de stalking.

Stalking é uma forma de
violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima,
repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando
táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial,
mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não
solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas
nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do
trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo
local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre
a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal
grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua
residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai
ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o
controlador geral dos seus movimentos.” (JESUS, Damásio E. de. Stalking.
Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 1 abr. 2021).

 

O delito tem justamente o
objetivo de coibir e punir a conduta de pessoas que praticam esse stalking,
algo, infelizmente, comum, conforme se observa pela seguinte matéria jornalística:

“Em 2016, a modelo e
apresentadora Ana Hickmann preocupou grande parte dos seus fãs com o tiro de
arma de fogo que quase levou. O responsável pelo disparo era um dos mais de 20
milhões de seguidores da empresária nas redes sociais.

Antes do incidente, o suspeito já
tinha atitudes típicas de um stalker: publicava fotos da vítima com grandes
declarações de amor nas redes sociais, cobrava atenção e respostas, e se
atentava a todas as publicações e atividades da modelo, por exemplo.
Recentemente, uma radialista do Mato Grosso do Sul também foi vítima de
perseguições obsessivas de um de seus ouvintes, que costumava mandar presentes
e ligar incessantemente.

(…)

Recentemente, o serviço de
streaming de filmes e seriados de televisão Netflix lançou a segunda temporada
da série norte-americana “Você”, um suspense psicológico sobre a vida
de um perseguidor obsessivo. Na trama, o personagem principal persegue suas
vítimas pessoalmente e pela internet, chegando a saber todos os passos das
mulheres por quem ele desenvolve obsessão. O psicólogo clínico Lucas Velo
Rodrigues atenta que os comportamentos da vida real não fogem muito da ficção. “A
obsessão beira a psicopatia. É uma doença que deixa a pessoa
descontrolada”, alerta.

O perfil de um stalker depende do
incentivo do suspeito para praticar esse ato, atenta Rodrigues. Entre as
motivações, o psicólogo cita a possibilidade da perseguição acontecer após o
fim de um relacionamento ou ainda por causa de um amor platônico, como nos
casos da Ana Hickmann e da radialista, por exemplo. Ele não exclui a chance,
também, de o stalking ser motivado por vingança, maldade ou por interesse de
aplicar um golpe, como fraudes e roubos.

Stalking é uma prática perigosa,
porque, além da invasão de privacidade e da perseguição, pode levar à morte da
vítima. “O stalker faz de tudo com essa obsessão. Pode machucar e até
chegar ao extremo de matar”, defende Rodrigues. Ele assegura, ainda, que
ser perseguido pode ser traumático para muitas pessoas, podendo causar
agorafobia, depressão e ansiedade, por exemplo.”

(GIRADI, Yasmim. O medo à
espreita: falta de legislação específica para stalking. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/jornal_da_lei/2020/01/722395-o-medo-a-espreita.html?fb_comment_id=2502768379849962_3181813005278826)

 

Bem jurídico protegido

A liberdade individual.

 

Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa (crime
comum).

 

Sujeito passivo

É qualquer pessoa que for vítima
da perseguição (homem ou mulher).

Vale ressaltar, contudo, que a
pena é aumentada de metade se a vítima for:

·
criança, adolescente ou idoso;

·
mulher por razões da condição de sexo feminino.

 

Antes da Lei nº
14.132/2021, a conduta acima explicada era fato atípico?

NÃO. Antes da criação do crime do
art. 147-A, a conduta era punida como contravenção penal pelo art. 65 do Decreto-lei
3.688/41, que tinha a seguinte redação:

Art. 65. Molestar alguém ou
perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:

Pena – prisão simples, de quinze dias
a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

 

A Lei nº 14.132/2021 revogou a
contravenção de molestamento (art. 65 do DL 3.688/41), punindo de forma mais
severa essa conduta, que pode trazer graves consequências psicológicas à vítima.

Vamos
comparar as duas infrações:

Crime de perseguição

(art. 147-A do CP)

Contravenção penal de
molestamento

(art. 65 do DL 3.688/41)

Exige uma perseguição reiterada.

Não falava expressamente em
reiteração. Contentava-se com a conduta de molestar alguém ou perturbar-lhe a
tranquilidade.

Exige que o agente tenha:

·
ameaçado à integridade física ou psicológica da vítima;

· restringido à sua capacidade de locomoção; ou

·
invadido/perturbado a sua esfera de liberdade ou privacidade.

Não exigia nenhuma dessas três
condutas.

Bastava molestar alguém ou perturbar-lhe
a tranquilidade.

 

Diante disso, percebe-se que não
existe uma identidade total entre os elementos objetivos das infrações penais
acima. Nem todo indivíduo que cometeu a contravenção penal de molestamento praticou
a conduta descrita como crime de perseguição. Diante disso, podemos supor duas
situações:

1) o indivíduo está respondendo ou
foi condenado por molestamento e, ao se analisar a sua conduta no caso concreto,
percebe-se que ela se adequa à descrição típica do art. 147-A do CP. Nesta
primeira situação, podemos afirmar que não houve abolitio criminis, mas sim continuidade
normativo-típica. O indivíduo continuará respondendo pela contravenção penal do
art. 65.

O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma
norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal
revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo,
ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min.
Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP).

 

2) o indivíduo está respondendo ou
foi condenado por molestamento e, ao se analisar a sua conduta no caso concreto,
percebe-se que ela não se adequa à descrição típica do art. 147-A do CP. É o
caso, por exemplo, de uma pessoa que tenha molestado uma única vez a vítima. Como
não houve habitualidade, a conduta não se amolda ao art. 147-A do CP. Nesta segunda
hipótese, teremos que concluir que houve abolitio criminis, acarretando
a extinção da punibilidade.

Os paparazzi, que perseguem
as celebridades em busca de flagras, podem, em tese, ser acusados desse crime?

A depender do caso concreto, sim.

O trabalho normal dos paparazzi
de registrar celebridades que estejam em locais públicos, ainda que possa vir a
ser inconveniente, não se amolda aos requisitos do tipo penal.

Por outro lado, o crime pode
restar configurado se o paparazzi extrapola o trabalho normal e promove uma perseguição
reiterada sobre determinado artista, ameaçando a sua integridade física
ou psicológica, restringindo a sua capacidade de locomoção ou invadindo/perturbando
a sua esfera de liberdade ou privacidade.

É o entendimento de Rogério Sanches,
em excelente estudo sobre o novo tipo penal:

“Com relação aos fotógrafos que
perseguem celebridades e pessoas públicas para obterem imagens inéditas
(paparazzi), a tendência é não reconhecer o crime quando o “alvo” está em local
público. A figura criminosa, contudo, pode ser cogitada quando a conduta do
paparazzi, reiteradamente, invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou
privacidade da celebridade ou pessoa pública.” (Lei 14.132/21: Insere no Código
Penal o art. 147-A para tipificar o crime de perseguição. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/04/01/lei-14-13221-insere-no-codigo-penal-o-art-147-para-tipificar-o-crime-de-perseguicao/).

 

Cyberstalking

O crime do art. 147-A do CP é de
forma livre, de sorte que pode ser praticado “por qualquer meio”.

Vale ressaltar, no entanto, que atualmente
é extremamente comum a prática de perseguição pelos meios digitais. É o que os
autores chamam de cyberstalking.

“Na internet, formas comuns de cyberstalking
são deixar comentários em excesso por email, nos serviços de mensagens como
WhatsApp e redes sociais da vítima, geralmente com teor obsessivo ou
intimidatório.

Outras formas, segundo a ONG
Safernet, são:

·
Divulgar na web as informações pessoais da pessoa, incluindo nome e endereço
completo;

·
Invadir aparelhos eletrônicos para acessar contas pessoais;

·
Preencher a caixa de entrada dos emails com spam;

·
Enviar vírus ou outros programas nocivos aos computadores de suas vítimas.”

(https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/04/01/curte-stalkear-pratica-agora-e-crime-e-pode-dar-tres-anos-de-prisao.htm)

 

Crime habitual

O tipo do art. 147-A do CP é
crime habitual, ou seja, somente se configura com a prática reiterada de
condutas. O tipo contém uma exigência expressa de habitualidade ao mencionar
que o crime se configura com a conduta de perseguir “reiteradamente” a vítima.

Justamente por se tratar de crime
habitual, não cabe tentativa.

 

Elemento subjetivo

O crime só é punido se o sujeito
agiu com dolo. Não se exige elemento subjetivo especial (finalidade específica).

Não há forma culposa.

 

Causa de aumento de pena

A pena é aumentada de metade se o
crime é cometido:

I – contra criança, adolescente
ou idoso;

II – contra mulher por razões da
condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2
(duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

 

Se há o emprego de arma
branca (ex: faca) haverá a incidência da majorante?

SIM. Deverá incidir a majorante não
apenas no caso de emprego de arma de fogo, mas também na hipótese de arma
branca. Quando o legislador quer restringir a incidência da regra apenas às
hipóteses de arma de fogo, ele o faz expressamente, como no caso do art. 157, §
2º-A, I, do Código Penal.

 

O agente responderá pelo
crime de perseguição e também pelo delito de porte ilegal de arma de fogo (Lei nº
10.826/2003)?

Depende:

·
Situação 1: o agente tem porte de arma de fogo. Neste caso, ele responderá
apenas pelo crime do art. 147-A, § 1º, III (perseguição com a causa de aumento
de pena).

• Situação 2: o crime de porte
não será absorvido se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente
a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois da perseguição e que ele
não se utilizou da arma tão somente para praticar o crime do art. 147-A do CP.
Ex: a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo três meses antes de
conhecer a vítima e, portanto, não a comprou com a exclusiva finalidade de persegui-la.

• Situação 3: se não houver
provas de que o réu já portava a arma antes da perseguição ou se ficar provado
que ele a utilizou somente para perseguir a vítima. Ex: o agente compra a arma
de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima para exercer os atos de
perseguição.

 

Cúmulo material obrigatório

O § 2º do art. 147-A do CP prevê
o seguinte:

Art. 147-A (…)

§ 2º As penas deste artigo são
aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

 

Desse modo, se algum ato de perseguição
for feito com o emprego de violência, o agente responderá pelo delito do art.
147-A em concurso com o crime violento (ex: lesão corporal). Trata-se daquilo
que a doutrina chama de cúmulo material obrigatório, somando-se as penas dos
dois crimes.

 

Ação pública condicionada

O delito do art. 147-A do CP é crime
de ação pública condicionada, de forma que somente se procede mediante
representação.

Segue aqui a mesma lógica do
crime de ameaça (art. 147, parágrafo único, do CP).

A vítima tem o poder de decidir
se ela deseja que se inicie a persecução penal contra o autor do crime. Isso
porque, ao conferir essa representação, ela estará sujeita a todos os inconvenientes
de participar de um processo penal, ainda que na condição de vítima.

 

Vigência

A Lei nº 14.132/2021 entrou em
vigor na data de sua publicação (01/04/2021).

A punição do art. 147-A do CP não
se aplica para fatos ocorridos antes de 01/04/2021. Vale ressaltar, contudo,
que, se o agente iniciou os atos de perseguição antes da Lei nº 14.132/2021 e
continua a praticá-los depois do novo diploma, responderá pelo crime do art. 147-A
do CP.

 

Márcio André Lopes Cavalcante

 

 

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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