O livro “Cem anos de história: Auditorias da Justiça Militar da União” faz um registro documental dos principais marcos históricos e legais do processo de estruturação da primeira instância da Justiça Militar da União. A obra faz parte das comemorações do primeiro centenário das Circunscrições Judiciárias Militares.

A publicação tem como autoras as bibliotecárias Maria Juvani Lima Borges e Luciana Lopes Humig, ambas servidoras do STM. Publicado em formato impresso, o livro tem também uma versão digital que pode ser acessada gratuitamente pelo portal do Superior Tribunal Militar (STM), no repositório institucional Integra – JMU.

“Gostaria de frisar que buscamos com essa publicação valorizar todos os que de uma forma ou de outra contribuíram para a grandeza da Justiça Militar. Procuramos exaurir, dentro de nossas possibilidades, todas as legislações que falam sobre auditorias ou auditores, para que se possa ter o quadro completo da evolução de nossa primeira instância. Esse livro é sobretudo uma homenagem aos servidores e magistrados que nesses 100 anos se dedicaram à Justiça Militar”, afirma Juvani Borges, que também é diretora da Diretoria de Documentação e Gestão do Conhecimento (Didoc) do STM.

O livro traz inicialmente uma visão geral sobre a história da criação da Justiça Militar no Brasil, desde os seus antecedentes históricos e sua organização no Reino de Portugal, até a sua instalação em território brasileiro, com a chegada da família real em 1808. Em seguida, o estudo detalha a organização da Justiça Militar, a partir de 1920, quando foram criados os fundamentos para a estrutura que conhecemos hoje.

Antecedentes históricos da Justiça Militar

O trabalho de pesquisa que resultou na publicação traz uma análise detalhada sobre a estrutura e funcionamento da Justiça Militar da União no período imperial – época de sua instalação no Brasil – e republicano, chegando à organização das Circunscrições Judiciárias Militares (CJM), que dividiram o país em 12 áreas de jurisdição, a partir de 1920.

Para isso, a obra traz uma vasta documentação histórica, em especial na parte legislativa. Os interessados podem, inclusive, consultar a legislação a partir de 1920 por meio de um QR code indicado na publicação.

Segundo as autoras, o trabalho é resultado de dois anos de pesquisa e teve como desafio a reunião de informações provenientes de diversas fontes, como relatórios antigos, fichas financeiras, livros manuscritos, boletins e atas das diversas épocas.

“A maior dificuldade foi reunir toda a informação histórica dos idos de 1600 até os dias atuais, pois ela está dispersa. O ato de pesquisar e escolher os marcos mais importantes e transformá-los em uma narrativa real para enriquecer, de alguma forma, a história da JMU e assim poder oferecer uma contribuição cultural de valor inestimável à história do Brasil e do Judiciário”, conta Luciana Humig, que é responsável pela Coordenadoria de Gestão do Conhecimento (Coges), do STM.

Um exemplo da envergadura do projeto foi a digitalização e atualização do Português de toda a legislação histórica, que exigiu muitas horas de trabalho a fim de deixar a documentação antiga acessível ao usuário moderno.

“Agora temos num único documento tudo o que se pode localizar sobre as Auditorias Militares e seus servidores e magistrados. Esperamos que a partir desse começo outras informações possam surgir e nos ajudar a preencher os claros que restaram”, comemora Juvani Borges.

Luciana Humig ressalta a sutileza que muitas vezes passa despercebida quando se estuda as origens da Justiça Militar. Segundo a pesquisadora, é importante destacar que, embora esteja correto afirmar que o Alvará de 1º de abril de 1808, assinado pelo príncipe regente Dom João, tenha criado o Conselho Supremo Militar e de Justiça, este era composto por três conselhos independentes: o Conselho Supremo Militar, o Conselho de Justiça e o Conselho de Justiça Supremo Militar.

“Ao primeiro dos conselhos, denominado Conselho Supremo Militar, cabia tratar de todas as matérias que pertenciam ao Conselho de Guerra, ao do Almirantado e ao do Ultramar, em Portugal: na parte militar, além de manter a disciplina militar e o regulamento das forças armadas, tratava de matérias administrativas. Ao segundo conselho, chamado de Conselho de Justiça, competia o conhecimento e a decisão sobre os processos criminais relativos aos réus que gozavam do foro militar e dele ainda não havia apelação. Ao terceiro conselho, denominado Conselho de Justiça Supremo Militar, cabia julgar, em última instância, a validade das ‘presas’ – capturas, em tempos de guerra, de navios ou gêneros pertencentes ao inimigo, por exemplo – feitas por embarcações de guerra da Armada Real”, explica.

Criação das Circunscrições Judiciárias Militares

Com o Decreto 14.450, de 1920, a JMU passou a ser constituída, em sua última instância, pelo então Supremo Tribunal Militar e, na primeira instância, por Auditores e Conselhos de Justiça, distribuídos pelas doze Circunscrições Judiciárias Militares (CJM).

Na publicação, as autoras explicam a configuração específica da JMU.

“As Circunscrições Judiciárias Militares (CJM) são divisões territoriais para fins de jurisdição penal militar. Em cada uma das circunscrições foram estabelecidas uma ou mais Auditorias, que são os locais físicos onde os trabalhos dos Auditores podem ser desenvolvidos. O nome Auditoria tem sua origem no fato de o titular ser um Juiz de Direito togado denominado Auditor.”

As autoras lembram também que o ano de 1920, marco comemorado no Centenário, foi uma data bastante significativa para a JMU.

“A história das Auditorias Militares no Brasil não começou em 1920. Mas foi no ano de 1920 que novas legislações modificaram significativamente o antigo sistema usado para julgar os crimes militares, deixando a estrutura jurídica mais parecida com a atual, por isso a data é tão significativa para a Justiça Militar da União.”

Um exemplo importante dessa mudança foi a extinção dos Conselhos de Investigação e de Guerra, criando-se, em seu lugar, os Conselhos de Justiça Militar – que permanecem até hoje –, compostos por um Auditor e quatro Juízes Militares, de patente igual ou superior à do réu, sorteados, à época, respectivamente, dentre oficiais do Exército e da Armada – atual Marinha.

Com isso, foi criada a carreira de Juiz-Auditor – chamado à época apenas de Auditor –, que eram cidadãos civis, com a garantia legal da vitaliciedade e inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, permuta ou remoção a pedido. Além disso, os Auditores tinham que acompanhar as Forças ou parte delas sempre que saíssem, a serviço, da sede da Circunscrição ou de seu território.

Em 1926, outra importante mudança foi a instituição do Código da Justiça Militar, de acordo com o qual cada auditoria se comporia de um Auditor, um Promotor, um Advogado, um Escrivão e um Oficial de Justiça.

A legislação criou, entre outras, a figura do Advogado de Ofício – que futuramente se tornaria o Defensor Público – um feito inovador para a época, ao permitir que nenhum réu fosse apresentado diante de um juiz sem a presença de um advogado.

Como destacam as autoras, os novos “profissionais faziam parte da estrutura da Justiça Militar e tinham seu regime de trabalho e pagamento ligados à Secretaria do Supremo Tribunal Militar”.

Auditorias de Guerra

Outra pesquisa relevante trazida na publicação é a organização da Justiça Militar da União durante a Segunda Guerra Mundial, quando duas Auditorias foram criadas para acompanhar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) que se dirigiu à Itália em 1944. Por meio do Decreto-Lei nº 6.227, de 24 de janeiro de 1944, foram contemplados os crimes de guerra, fato que não estava previsto no Código Penal da Armada de 1891 até então vigente.

A 1ª Auditoria e o Conselho Supremo de Justiça Militar saíram do Brasil rumo à Itália em julho de 1944, e a 2ª Auditoria partiu com o 2º escalão em setembro do mesmo ano. Durante o ano em que permaneceram na Itália, as Auditorias mudaram-se constantemente, seguindo o movimento das tropas brasileiras. Funcionaram nas cidades de Pisa, Pistoia, Pavana, Vignola, Alessandria, Francolise, Bagnoli, Tarquinia e Vada, segundo os relatórios dos Auditores.

O estudo também traz os relatórios das atividades desempenhadas pelas duas Auditorias durante a guerra, fornecendo informações como número e natureza dos processos, número de condenações e absolvições, além das precárias condições enfrentadas pelas equipes responsáveis pelo processamento e julgamento dos crimes.

Um dado curioso é o fato de que todos os réus processados (oficiais, praças e civis) pela Justiça Militar na Itália foram indultados por decreto presidencial datado de 3 de dezembro de 1945.

A exceção ficaria para dois casos de homicídio doloso – os dois réus tiveram a pena reduzida pela metade – e para dois militares que haviam sido condenados à pena de morte. A pena desses dois últimos havia sido comutada para 30 anos por Getúlio Vargas, em fevereiro de 1945, e, mais tarde, reduzida para 6 anos de reclusão.

Segundo Luciana Humig, informações como essas são importantes para revelar que a atuação da Justiça Militar tem uma história de comprometimento com a ordem democrática brasileira.

“A Justiça Militar da União tem atuado ao longo da história brasileira como um exemplo de comprometimento concreto de democracia e há um século seus magistrados e servidores, nomeados segundo os estatutos legais, acatam os princípios, valores e fundamentos constitucionais. É nesse sentido que a 1ª instância da Justiça Militar da União se consolida e deixa às futuras gerações o sentido de grandeza, honra e prestação jurisdicional”, afirma Luciana Humig.

Por fim, enfatizou que “ao longo da pesquisa e leitura para a confecção dessa obra, descobrimos que o lugar do juiz togado desde o princípio, ainda nos antigos Conselhos de Guerra, foi uma necessidade primordial para se respeitar os direitos humanos dos jurisdicionados”.

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