Livro e documentário sobre servidores e magistrados negros do TRT da 4ª Região (RS) são lançados – CSJT2

O vídeo com os depoimentos pode ser visto do YouTube

24/09/2021 – “Num mundo onde querem nos matar, contar e registrar as nossas vidas é revolucionário!” A constatação da servidora Roberta Liana Vieira permite vislumbrar o significado do “Projeto Percursos, Vivências e Memórias de servidores e magistrados negros e negras do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS)”, cujos primeiros frutos foram apresentados no dia 17 de setembro, durante o 16º Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.

A emocionante fala de Roberta foi precedida pela exibição de trecho do documentário “O Futuro do Mundo é Preto”, um dos resultados do projeto, já disponível no YouTube. Nele, 26 servidores e servidoras e um magistrado autodeclarados pretos e pardos compartilham suas experiências de vida pessoal e profissional. Ainda durante a manifestação dela, as centenas de magistrados e servidores participantes desta atividade do Encontro puderam conhecer também o livro “Negras Memórias”, outra mídia pela qual esses testemunhos passam, agora, para a história da Justiça do Trabalho.

Co-diretora do documentário, Roberta informou que o projeto é iniciativa do Comitê de Equidade, em parceria com o Memorial e a Escola Judicial, tendo contado com apoio incondicional da Administração do Tribunal. A servidora sublinhou não haver melhor forma de registrar tais falas do que em entrevistas, “porque a nossa intenção era ouvir as pessoas e valorizar a memória oral”. Para tanto, foram 120 de horas de entrevistas conduzidas por ela, pelo servidor Márcio Meireles Martins e pela juíza Gabriela Lenz de Lacerda, ao longo de um ano e meio.

Roberta referiu que entre os participantes há pessoas com deficiência, da comunidade LGBTQIA+, cotistas, não cotistas, aposentados, ativos e, principalmente, de diversos tons de preto. E toda a trilha sonora foi composta e executada pelos servidores negros Vladimir Rodrigues, Jorge Cidade (aposentado) e Márcio Bandeira, explicou. 

“O trabalho no Brasil historicamente tem ligação embrionária com a população negra, em razão dos quase 400 anos de trabalho escravo legalizado no país. Não há como contar a história da classe trabalhadora brasileira, sem mencionar que ela é negra-africana desde sua origem”, afirmou a servidora, definindo a obra como “não só o resgate da história do trabalho nesse país, mas também da própria Justiça do Trabalho em si”. Ao mesmo tempo, “fica evidente a potência desse povo de pele preta, os saberes dessa gente e a riqueza de patrimônio intelectual, cultural e afetivo acumulada por séculos e passada de geração em geração”.

Alexandre Modesto Farias, servidor que participou do projeto e atuou como mestre de cerimônias durante o Encontro, falou a seguir, exemplificando com sua própria história o intencional apagamento imposto ao povo preto. Nesse sentido, saudou a possibilidade trazida pelo projeto de que “quem vier depois, além de ouvir sobre nós, vai ler e saber quem somos e qual nossa trajetória”. Avalia ser um pequeno passo, mas com significado enorme, pois o ingresso no serviço público foi transformador para todos os envolvidos no Projeto, em termos financeiros, sociais e até emocionais.

“Lutar contra as estatísticas e entrar aqui no Tribunal não foi fácil”, frisou Alexandre. “Mas estamos aqui, e nosso trabalho contribui muito”, orgulha-se. E concluiu, emocionado: “obrigado por me ouvirem, por me acolherem e por me ajudarem a perceber quão bonita é a minha história”. 

A presidente, desembargadora Carmen Gonzalez, apontou para o ineditismo do projeto no Judiciário, acrescentando ser necessário que as instituições públicas assegurem um espaço de escuta das pessoas que integram minorias políticas. Ao defender as ações afirmativas, como as cotas raciais, a magistrada ponderou que elas têm potencial para reparar as barreiras que historicamente impediram a entrada de pessoas pretas e pardas em espaços de emprego e ensino. 

Carmen vê neste projeto o cumprimento de um dever pelo TRT-4, “fazendo uma verdadeira aliança na busca sincera da promoção da equidade de raça”. Ela lamentou o fato de que a Justiça do Trabalho gaúcha tem apenas 6% de servidores e 2% de magistrados autodeclarados negros e negras. Segunda a presidente, deve-se avançar ainda mais nessa inclusão, para o que propõe um foco em duas vias: a ampliação do acesso à educação e a postos de trabalho, para termos cada vez mais pessoas negras em lugares de privilégio e poder; e a melhoria das condições oferecidas aos já ingressados, por meio de políticas de permanência para estudantes e de espaços de diálogo e reflexão, tais como o Comitê de Equidade. 

Assista ao documentário:

Fonte: TRT da 4ª Região (RS)

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