Um tenente médico da Aeronáutica foi condenado no Superior Tribunal Militar (STM) a três meses de detenção. O oficial foi acusado de abandono de posto, crime militar previsto no artigo 195 de Código Penal Militar (CPM). O caso ocorreu no Hospital de Aeronáutica dos Afonsos, localizado na cidade do Rio de Janeiro.

A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) informou que durante o serviço de emergência do dia 28 para o dia 29 de junho de 2019, o acusado abandonou o serviço por volta das 05h30, sem ter solicitado autorização à chefe do serviço.

O fato também foi presenciado pela própria diretora do Hospital, a coronel médica Marcia Déa Soares de Carvalho, quando fazia a abertura de ficha para atendimento na emergência.

Para a promotoria, o primeiro-tenente abandonou o serviço de médico de dia, antes do término do seu turno e não comunicou a sua saída ao responsável pelo serviço. Por isso, praticou o crime de abandono de posto, já que o militar deveria ter permanecido em seu serviço e posto até às 08h do dia 29.

No julgamento de primeiro grau, feito na 1ª Auditoria do Rio de Janeiro, a diretora do hospital informou que ela mesmo viu o acusado saindo naquele dia. A diretora foi logo cedo à emergência do Hospital de Aeronáutica dos Afonsos, em virtude de uma cólica renal, e flagrou a saída do oficial antes da hora prevista.

Em juízo, o tenente médico disse que durante o dia do serviço teve um problema pessoal que não havia comentado com ninguém e que sua esposa estava se sentindo mal, com dores decorrentes de uma cirurgia. Também informou que tinha outros pacientes mais tarde, naquele mesmo dia, e que queria ver a esposa antes. “Perguntei à colega mais antiga se teria problema, o serviço estando tranquilo, se ausentar um pouco mais cedo. Ela disse que não teria problema, mas não perguntei à médica de dia, pois entendi que por ser um segundo auxiliar perguntando para a primeira, não teria problema”, disse.

Em 14 de maio de 2020, o Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria do Rio de Janeiro julgou procedente a denúncia e condenou o acusado a pena de três meses de detenção, com o benefício do “sursis”, o direito de apelar em liberdade e o regime prisional inicialmente aberto.

A defesa dele, no entanto, decidiu por recorrer ao STM. Em suas razões, pediu a absolvição do acusado, argumentando que a ação do médico não foi caracterizada por crime militar. “O abandono do serviço praticado pelo meu cliente não corresponde ao fato típico, ilícito e culpável, ou seja, não teve a gravidade suficiente para atingir o patamar de um crime militar, mas tão só, de eventual transgressão disciplinar. A conduta atribuída e assumida pelo apelante pode ter violado o dever militar, sem contudo colocar em perigo a segurança ou administração da unidade, estando, portanto, dentro da esfera das transgressões disciplinares previstas no Decreto supracitado, e não a tipificação como o crime militar insculpido no art. 195, do CPM, que exigiria maior gravidade”, ponderou o advogado.

O advogado também argumentou que o médico praticou a conduta imputada na denúncia do MPM para prestar socorro à sua esposa, não sendo possível a sua incriminação penal, haja vista que já teria ocorrido punição administrativa. “Após cumprir suas tarefas, saiu poucos momentos antes do término do plantão, porque sua esposa precisava de ajuda médica e ainda comunicou esta saída ao seu superior imediato, que não se opôs. E mais, já foi punido administrativamente por tal conduta”.

Relator

Ao apreciar o recurso de apelação, o ministro Carlos Vuyk de Aquino disse que não assistia razão à defesa e manteve a condenação do tenente médico da Aeronáutica. O relator fundamentou que quanto à autoria, o réu confessou a prática delituosa e, quanto à culpabilidade, informou se tratar de juízo de valor (de reprovação) que recai sobre o agente do crime que podia se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso.

“É inegável a reprovabilidade da conduta de quem abandona o serviço ou o posto de Auxiliar do Médico de Dia para o qual foi designado, pois a rígida disciplina da corporação exige respeito às ordens recebidas, motivo pelo qual não se concebe que possa o militar sair de sua atividade por qualquer razão que não seja outra ordem superior”, argumentou.

O ministro também informou que tratando-se de delito de mera conduta, não há elemento subjetivo específico para o tipo penal descrito no art. 195 do CPM.

“Assim, considerando o depoimento do réu prestado em Juízo dando conta de que, tão somente, “(…) perguntou à colega mais antiga se teria problema, o serviço estando tranquilo, se ausentar um pouco mais cedo (…)”, e que “(…) por ela não teria problema, mas que não perguntou à médica de dia (…)”, notadamente aquela a quem poderia recorrer solicitando a autorização para ausência, evidencia-se o dolo na conduta do réu consistente na vontade livre e consciente de abandonar o posto de serviço para o qual foi escalado”.

Sobre as alegações defensivas de que a conduta do réu não colocou em perigo a segurança ou administração da unidade, o magistrado informou que ainda assim é importante salientar que o delito encartado no art. 195 do Código Penal Militar é de perigo abstrato, nos quais não se exige resultado naturalístico para a sua consumação, bastando, para tanto, a simples desobediência à lei.

“Conforme admitido pelo próprio acusado, a simples ausência do serviço para o qual foi escalado antes do seu término e sem a devida autorização, no mínimo, da médica-de-dia, é suficiente para a sua incriminação, sendo desnecessária a efetiva comprovação da existência de lesão ou de ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal”.

Quanto ao socorro prestado à sua mulher, o ministro disse que os argumentos da defesa não mereciam acolhida.

Para o relator, constitui ônus da defesa comprovar a excludente de culpabilidade referente ao estado de necessidade exculpante, previsto no art. 39 do Código Penal Militar, utilizando-se de provas idôneas e contundentes, aptas a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa do acusado.

“Embora em seu depoimento colhido em Juízo o Réu tenha declarado que “(…) a esposa estava se sentindo mal, com dores decorrentes de uma cirurgia (…)”, ao longo da instrução processual tais declarações não foram comprovadas. Mais do que simples alegações de ordem pessoal, o reconhecimento da citada excludente, no caso concreto, não prescinde, por exemplo, da juntada de documentos aptos a comprovar que no dia dos fatos a esposa do acusado necessitava de socorro imediato”.

Em seu voto, o relator disse que não merece reparo o decreto condenatório imposto pelo Colegiado Julgador de primeiro grau e negou provimento ao apelo defensivo, mantendo na íntegra a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos. Os demais ministros da Corte acompanharam o voto do relator.

Processo: APELAÇÃO Nº 7000491-94.2020.7.00.0000

 

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