Celilda devia dinheiro para Carlos, seu ex-genro, que devia dinheiro para um banco. Carlos nunca pagou o banco, e a sogra diz que pagou o genro, mas não tem como provar. Para resolver, a Justiça decidiu que Celilda deverá assumir a dívida de Carlos e pagar diretamente para o banco.
A decisão foi do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que condenou a sogra a assumir uma dívida quase milionária do ex-genro. A Justiça levou em consideração um empréstimo de R$ 900 mil que ela havia tomado do genro, e sobre o qual não comprovou quitação, apesar de alegar ter pago tudo.
Agora, em vez de devolver a quantia para o ex-genro, Celilda deverá pagar diretamente o fundo financeiro que comprou a dívida do banco. O valor hoje passa de R$ 1 milhão.
Genro declarou empréstimo para sogra
O caso começou quando Carlos Janikian, o ex-genro, pegou um empréstimo de R$ 370 mil para sua empresa, a Kian Têxtil, em um banco. O contrato foi assinado em nome da companhia, com ele como avalista.
Como o empréstimo não foi quitado, o banco entrou na Justiça, mas não foi encontrado nenhum bem ou imóvel nos nomes da Kian ou dele nas execuções de cobrança. A Justiça determinou, então, que fossem analisadas suas últimas declarações de Imposto de Renda.
É aí que a ex-sogra, Celilda Kotrozini, entra no processo. Nas declarações de IR, foram identificados quatro empréstimos de Janikian para ela no valor total de R$ 900 mil. Os acordos foram feitos de forma verbal entre 2012 e 2015, quando o processo contra a Kian já rolava e ele ainda era casado com a filha de Celilda.
Sogra confirma suposto empréstimo
Celilda foi chamada à Justiça e confirmou que havia feito o suposto empréstimo por meio de acordos verbais, mas disse que já havia pago o ex-genro. O problema, disse ela, é que não tinha nenhum comprovante desse pagamento.
O fundo que comprou a dívida do banco pediu que os R$ 900 mil que a sogra devia fossem pagos diretamente ao fundo e não mais ao ex-genro.
Na primeira instância, a 7ª Vara Cível de São Paulo entendeu que o acordo verbal, sem contrato assinado, não serviria como prova e, dessa forma, o empréstimo não poderia ser comprovado.
O fundo recorreu em segunda instância, e a 11ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP decidiu que o acordo verbal e a confissão da sogra serviriam como prova do empréstimo. Agora, em vez de dever para o ex-genro, Celilda deverá pagar sua dívida ao financeiro. Ainda cabe recurso contra a decisão.
É normal haver fraudes em casos de dívidas
Em casos como este, quando se descobre que o devedor fez transações financeiras enquanto evita pagar uma dívida, o mais comum é acusar que a transação foi uma fraude para evitar o pagamento (a pessoa passa os bens para um conhecido, de modo a não ser penhorado).
No caso da transferência de um imóvel, por exemplo, a transação seria desfeita e a casa seria penhorada para quitar a dívida, como se nunca tivesse sido vendida. \”Só que existe um problema neste caso: com dinheiro não dá [para reaver], ele já foi\”, disse a advogada Maria Tereza Tedde, que assessorou o fundo.
Por isso, em vez de acusar fraude, ela decidiu pedir a penhora da quantia que a sogra devia a Janikian. \”Se de fato existia este empréstimo, como existe, e ela ainda não havia devolvido o dinheiro, a lei permite que crédito seja penhorado\”, disse Maria Tereza.
Não há provas do empréstimo para a sogra
O problema é que não havia nenhum documento que comprovasse que Janikian havia emprestado o dinheiro para a então sogra. Por isso Maria Tereza elogia a decisão.
\”O legal é que entenderam que, se o contrato físico não existe, a prova se dá por indícios, como o IR e a confirmação dada pela própria sogra\”, afirmou a advogada. \”No passado, contratos de um valor tão alto assim não podiam ser verbais, tinham de ser escritos. Mas a lei hoje não exige mais.\”
Este é um caso raro. A advogada diz que não achou casos semelhantes a este quando fez a pesquisa para preparar a defesa. \”O caso, como um todo, é bastante peculiar, complexo mesmo para advogados, embora a penhora de créditos esteja prevista no Código de Processo Civil\”, afirmou.
Lucas Borges Teixeira
Colaboração para o UOL
Fonte: economia.uol.com.br