LC 157/2016 cria nova hipótese de improbidade administrativa. Entenda


Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje, dia 30 de
dezembro, último dia útil do ano, mais uma importante novidade. Trata-se da Lei
Complementar 157/2016, que:
• altera a Lei do ISSQN (LC
116/2003); e
• altera a Lei nº 8.429/92,
prevendo uma nova hipótese de ato de improbidade administrativa.
Em outro post tratei
especificamente sobre as novidades trazidas por esta Lei no âmbito tributário. Aqui
irei comentar rapidamente a mudança operada na Lei de Improbidade Administrativa.
Lei nº 8.429/92

A Lei nº 8.429/92 regulamenta os
casos de improbidade administrativa.
Estrutura da Lei

A Lei nº 8.429/92 é dividida em seis eixos principais:

• sujeito passivo do ato de improbidade (art. 1º);

• sujeito ativo do ato de improbidade (arts. 2º e 3º);

• tipos de ato de improbidade administrativa (arts. 9º a 11);

• sanções aplicáveis (art. 12);

• normas de procedimento administrativo e do processo judicial
(arts. 14 a 18);

• disposições penais (arts. 19 a 22).

Atos de improbidade
administrativa

A Lei nº 8.429/92 elenca quais
são os atos de improbidade administrativa.
Segundo a redação original da
Lei, os atos de improbidade administrativa eram agrupados em três espécies:
1) Atos de improbidade que
importam enriquecimento ilícito do agente público (art. 9º);

2) Atos de improbidade que causam
prejuízo ao erário              (art. 10);

3) Atos de improbidade que
atentam contra princípios da administração pública (art. 11).

Nova espécie de ato de
improbidade administrativa

A LC 157/2016 alterou a Lei nº
8.429/92 e criou uma quarta espécie de ato de improbidade administrativa. Veja
o novo artigo que foi inserido na Lei de Improbidade:
Seção II-A

Dos Atos de Improbidade Administrativa
Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou
Tributário

Art. 10-A. Constitui ato de improbidade
administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter
benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do
art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.  (Incluído pela LC 157/2016)

Uma lei complementar (LC
157/2016) poderia ter alterado uma lei ordinária (Lei nº 8.429/92)?

As leis complementares são
editadas para regulamentar determinados assuntos nos quais a própria
Constituição Federal exigiu que fossem tratados por meio de lei complementar. O
objetivo do constituinte foi o de que tais temas pudessem ser melhor discutidos
pelo Congresso Nacional e, por essa razão, condicionou-se a aprovação a um quórum
maior (maioria absoluta) do que aquele necessário para as leis ordinárias
(maioria simples).
Se a Constituição Federal não
exige expressamente lei complementar para regulamentar o tema, isso significa
que a lei ordinária poderá tratar sobre esse assunto.
Vejamos dois exemplos:
O art. 156, III e § 3º da CF/88
exige que lei complementar trate sobre o ISS. Veja:
Art. 156. Compete aos
Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer
natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei
complementar
.
(…)
§ 3º Em relação ao imposto
previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:

I – fixar as suas
alíquotas máximas e mínimas;

(…)

III – regular a forma e as
condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados.
Isso significa que os temas relacionados
com o ISS deverão ser previstos em lei complementar.
Por outro lado, a CF/88, ao falar
sobre improbidade administrativa, diz que este tema deverá ser regulado por
meio de lei (sem exigir lei complementar). Logo, o tema “improbidade
administrativa” não é reservado para lei complementar. Confira:
Art. 37 (…) § 4º – Os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,
sem prejuízo da ação penal cabível.
A LC 157/2016 trata sobre dois
assuntos:
1) regulamenta aspectos
relacionados com o ISS;
2) institui nova hipótese de
improbidade administrativa.
Se o legislador tratasse sobre
esses dois assuntos em uma única lei ordinária, haveria inconstitucionalidade
formal quanto ao primeiro tema. Isso porque, como vimos, o ISS deverá ser
disciplinado por meio de lei complementar. Por outro lado, não há qualquer
vício no fato de o legislador ter tratado sobre improbidade administrativa no
bojo de uma lei complementar, já ele poderia ter feito isso de forma até mais
simples, ou seja, por meio de lei ordinária.
Vale ressaltar, no entanto, que a
LC 157/2016, na parte que trata sobre improbidade administrativa, é formalmente
uma lei complementar, mas, sob o ponto de vista substancial (material), é, na
verdade, uma lei ordinária. Isso significa que, se no futuro o legislador
quiser revogar o art. 10-A da Lei nº 8.429/92, acrescentado pela LC 157/2016,
ele poderá fazer isso por meio de uma simples lei ordinária.
Em suma, o art. 4º da LC 157/2016
é materialmente uma lei ordinária porque trata de assunto (improbidade
administrativa) para o qual a CF/88 não exige lei complementar.
Vamos agora entender os
principais aspectos desta nova espécie de improbidade.
O que dispõem o caput e o § 1º do
art. 8º-A da LC 116/2003

A LC 116/2003 é a Lei que dispõe
sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), tributo de competência
dos Municípios e do Distrito Federal.
O fato gerador do ISS é a
prestação dos serviços listados no anexo da LC 116/2003.
Em outras palavras, se a pessoa
praticar algum dos serviços previstos na LC 116/2003, deverá pagar ao
Município/DF o imposto chamado ISS.
Exemplos: quando o médico atende
o paciente em uma consulta, ele presta um serviço, sendo isso fato gerador do
ISS; quando o cabeleireiro faz uma escova progressiva na cliente, ele também
presta um serviço e deverá pagar ISS.
Cada Município (e o DF) deverá
editar sua lei local tratando sobre o ISS. Esta lei local, contudo, não pode
contrariar a LC 116/2003. Assim, a LC 116/2003 estabelece normas gerais
obrigatórias que deverão ser observadas pelo ente tributante do ISS.
O art. 8ºA da LC 116/2003 prevê a
alíquota MÍNIMA do ISS que os Municípios (DF) poderão cobrar:
Art. 8º-A. A alíquota mínima do
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento).

Desse modo, nenhum Município
poderá instituir alíquota de ISSQN inferior a 2%.
Mas qual é o objetivo do
legislador de estabelecer uma alíquota mínima?
A finalidade foi a de evitar a “guerra
fiscal” que estava sendo travada entre muitos Municípios limítrofes, que reduziam
as alíquotas do imposto para atraírem novas empresas prestadoras de serviços.
O legislador imaginou que os
Municípios poderiam tentar burlar esta proibição do caput por meio da concessão
de isenções aos prestadores de serviços. Assim, por exemplo, a alíquota do ISS
no Município “X” é de 2%. No entanto, é editada uma lei local
concedendo isenção do imposto para as empresas que se instalem naquela
localidade e gerem até 10 empregos diretos. Com isso, o Município teria
encontrado uma forma de, indiretamente, superar a proibição do caput, já que,
na prática, a alíquota será inferior a 2%. Com o objetivo de evitar esta burla,
o legislador trouxe a seguinte regra no § 1º do art. 8º-A:
§ 1º O imposto não será objeto de
concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros,
inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado,
ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga
tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida
no caput, exceto
para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa
a esta Lei Complementar
.
Regra: não se pode conceder
isenção, incentivo ou benefício relacionado com ISS se isso resultar em uma
alíquota inferior a 2%.
Exceção: será permitida a
concessão de isenção, incentivo ou benefício de ISS para os seguintes serviços:
• 7.02 – Execução, por
administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil,
hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem,
perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem,
pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e
equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de
serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

• 7.05 – Reparação, conservação e
reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o
fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do
local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

• 16.01 – Serviços de transporte
coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de
passageiros.
Ato de improbidade

O legislador resolveu ser extremamente
rigoroso em relação à medida imposta e determinou que constitui ato de
improbidade administrativa conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou
tributário em contrariedade ao art. 8ºA, caput ou § 1º da LC 116/2003.
Ação ou omissão

Vale ressaltar que o art. 10-A afirma
que configura ato de improbidade administrativa a ação ou omissão. Imagine o
seguinte exemplo: determinado Município está concedendo isenção fiscal de ISS
em contrariedade ao art. 8ºA da LC 116/2003. São realizadas novas eleições
municipais e assume um novo Prefeito. Caso este não tome providências para
fazer cessar esta isenção, responderá por ato de improbidade administrativa por
conta de sua omissão.
Elemento subjetivo

Para que o agente público
responda pelo ato de improbidade administrativa do art. 10-A, exige-se dolo. Assim,
se o dirigente municipal agiu apenas com culpa, não poderá ser condenado pelo
art. 10-A.
Segundo a jurisprudência do STJ, o
ato de improbidade administrativa só pode ser punido a título de mera culpa se isso
estiver expressamente previsto na lei. É o caso do art. 10 da Lei nº 8.429/92
(“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa…”). Se o tipo não
fala em culpa, entende-se que ele só pune a conduta se praticada dolosamente.
Sanções

O administrador que praticar o
ato de improbidade do art. 10-A está sujeito às seguintes penalidades:
• perda da função pública;

• suspensão dos direitos
políticos de 5 a 8 anos e

• multa civil de até 3 vezes o
valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
Município interessado na ação de
improbidade

A ação de improbidade pedindo a
condenação do agente público pelo art. 10-A poderá ser proposta:
• pelo Ministério Público;

• pela pessoa jurídica
interessada.
O que chamo atenção, no entanto, está
no fato de que a “pessoa jurídica interessada” não é apenas o
Município no qual o ato de improbidade está sendo praticado. O Município que
está sendo prejudicado pela concessão de isenção em desacordo com o art. 8º-A
da LC 116/2003 também deve ser considerado como “pessoa jurídica
interessada” e poderá propor a ação de improbidade ou intervir no processo
como interessado.
Prazo de adaptação

A LC 157/2016 determinou que os
Municípios/DF terão o prazo de 1 ano para revogar os dispositivos que
contrariem o disposto no caput e no §
1º do art. 8º-A acima transcritos.
Assim, o caput e o § 1º do art.
8ºA da LC 116/2003, apesar de já estarem em vigor, ainda não estão produzindo
efeitos. Somente produzirão efeitos a partir de 31/12/2017.
Nova hipótese de improbidade está
em vigor, mas ainda não produz efeitos

De igual modo, a nova hipótese de
ato de improbidade inserida no art. 10-A da Lei nº 8.429/92 e que acabamos de
estudar já está em vigor, mas somente produzirá efeitos a partir de 31/12/2017.
É o que prevê o § 1º do art. 7º da LC 157/2016:
Art. 7º Esta Lei
Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

§ 1º O disposto no caput e
nos §§ 1º e 2º do art. 8º-A da Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003,
e no art. 10-A, no inciso IV do art. 12 e no § 13 do art. 17, todos da Lei nº 8.429,
de 2 de junho de 1992, somente produzirão efeitos após o decurso do prazo
referido no art. 6º desta Lei Complementar.
Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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