Lei 13.650/2018: acrescenta nova hipótese de improbidade administrativa


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (12/04) mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.650/2018, que acrescenta um inciso ao
art. 11 da Lei nº 8.429/92, prevendo nova hipótese de ato de improbidade que
atenta contra os princípios da administração pública.

Antes de verificarmos a redação do novo inciso, importante
fazermos algumas considerações preliminares.

SUS

O art. 196 da CF/88 prevê que a saúde é um direito de todos
e um dever do Estado.

Para efetivar esse direito, foi criado o Sistema Único de
Saúde (SUS).

Segundo o art. 4º da Lei nº 8.080/90, o SUS consiste no “conjunto
de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público”.

A iniciativa privada poderá participar do SUS, em caráter
complementar (art. 4º, § 2º).

Princípios do SUS

O SUS é baseado nos seguintes princípios:

a) universalidade: o sistema garante prestação dos
serviços de saúde a toda e qualquer pessoa;

b) equidade: os serviços de saúde são prestados em
todos os níveis que sejam necessários, de acordo com a complexidade que o caso
venha a exigir, de forma isonômica, nas situações similares;

c) integralidade: deve ser reconhecido que cada
indivíduo é considerado como um todo indivisível e integrante de uma
comunidade, o que exige do Poder Público que as ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde formem também um todo indivisível, atendendo os casos e
observando os diversos graus de complexidade de forma integral pelas unidades
prestadoras de serviços de saúde.

Obs: existem inúmeros outros princípios do SUS listados no
art. 7º da Lei nº 8.080/90.

Quem executa os serviços do SUS? Quem presta os serviços gratuitos de
saúde?

É o Poder Público, ou seja, os órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e
das fundações mantidas pelo Poder Público.

Os hospitais particulares e demais instituições privadas de saúde
também podem prestar serviços do SUS?

SIM, mas apenas em caráter complementar.
Neste caso. Isso está previsto no art. 199, § 1º da CF/88:

Art. 199 (…)

§ 1º As instituições privadas poderão
participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes
deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Por que existe essa participação complementar das instituições privadas
no SUS?

Porque o Estado brasileiro não possui condições de cumprir a
determinação da universalidade da saúde, ou seja, não têm estrutura de
hospitais, clínicas, laboratórios etc. para atender toda a população.

Desse modo, o legislador constituinte, já sabendo disso,
permitiu que o Estado fizesse parcerias com instituições privadas de saúde para
atender os casos em que a rede pública não conseguisse.

Nesses casos, o Poder Público transfere recursos (“paga”)
para que os hospitais particulares atendam gratuitamente pacientes do SUS.

Disponibilidades da rede pública devem ser insuficientes

Vale ressaltar, mais uma vez,
que a participação da iniciativa privada no SUS é complementar e somente ocorrerá
quando a disponibilidade da rede pública não for suficiente para atender a
demanda. Nesse sentido, veja o que diz a Lei nº 8.080/90:

Art. 24. Quando as suas
disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá
recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Instrumentalização por meio de contrato ou convênio

Outro ponto importante a ser
ressaltado é que essa participação da iniciativa privada, até porque envolve
transferência de recursos (“pagamentos”), somente ocorrerá após a celebração de
contrato ou convênio entre o Poder Público e a instituição privada. É o que
preconiza o parágrafo único do art. 24:

Art. 24 (…)

Parágrafo único. A participação
complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou
convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

A participação complementar das instituições privadas de
assistência à saúde no SUS deverá observar as regras da Lei nº 8.666/93 e da
Lei nº 8.080/90.

Quando se celebra contrato e quando ocorre o convênio?

De acordo com a Portaria de consolidação nº 1, de 28 de
setembro de 2017, do Ministério da Saúde:

• convênio: é assinado entre o ente público e uma
instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse comum em
firmar uma parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde;

• contrato: é assinado entre o ente público e uma
instituição privada, com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato
for a compra de serviços de saúde.

Descumprimento do art. 24, parágrafo único

Infelizmente, contudo, mesmo com essa expressa previsão
legal, o que se observava na prática era uma grande quantidade de situações nas
quais o Poder Público autorizava que hospitais privados fizessem tratamentos em
pacientes do SUS e, após isso, mesmo sem prévio contrato ou convênio, fossem
efetuados os pagamentos.

Visando a coibir de forma mais dura essa prática, foi
editada a Lei nº 13.650/2018.

Nova hipótese de improbidade administrativa

A Lei nº 13.650/2018 inseriu um inciso no art. 11 da Lei nº 8.429/92
afirmando que a prática de transferir recursos para instituições privadas de
saúde sem prévio contrato ou convênio é ato de improbidade administrativa.
Confira:

Art. 11. Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

(…)

X – transferir recurso a entidade
privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia
celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do
parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. (inciso
X inserido pela Lei nº 13.650/2018)

Previsão reforça a tipicidade

A conduta acima tipificada, mesmo antes da Lei nº
13.650/2018, já poderia ser considerada ato de improbidade administrativa. Isso
porque os incisos dos arts. 9º, 10 e 11 trazem rol exemplificativo. Assim, mesmo
sem previsão expressa, essa transferência em desacordo com a lei representava
violação ao princípio da legalidade (caput do art. 11).

Salvo se a conduta configurar hipótese do art. 10, XI, desta Lei

Essa conduta de “transferir recurso a entidade privada, em
razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de
contrato, convênio ou instrumento congênere” pode, muitas vezes, ser considerada
como um ato de improbidade mais grave.
Isso porque essa transferência de recurso sem contrato ou convênio em alguns
casos não se limita a uma falha formal. Essa prática pode gerar um real prejuízo ao erário, hipótese na qual pode se enquadrar no art. 10, XI, que tem a seguinte redação:

Art. 10. Constitui ato de improbidade
administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:

XI – liberar verba pública sem a
estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a
sua aplicação irregular;

De qualquer modo, a alteração legislativa pode representar um risco de ter apenas “abrandado” a punição de uma conduta que já era prevista implicitamente como ato de improbidade.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Juiz Federal.

Artigo Original em Dizer o Direito

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