Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote
Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto de prisão
em flagrante, poderia, de ofício, converter a prisão em flagrante
em prisão preventiva. A conclusão era baseada na redação do art. 310, II, do
CPP:

Art.
310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

(…)

II
– converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos
constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes
as medidas cautelares diversas da prisão; ou

 

Nesse
sentido:

Jurisprudência
em Teses (Ed. 120)

Tese
10) Não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia
provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312
do Código de Processo Penal – CPP.

 

Ocorre que a Lei nº
13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação
da prisão preventiva ex officio. Veja:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art.
282. (…)

§
2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou,
quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade
policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Art.
282. (…)

§
2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes
ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade
policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Conclusões:

Antes da Lei nº 13.964/2019, o
juiz podia conceder medidas cautelares de ofício?

Com base na redação anterior
do art. 282, § 2º do CPP, a posição majoritária era a seguinte:

• Na fase do inquérito policial:
NÃO. Aqui era necessário pedido ou requerimento. Exceção: conversão do
flagrante em prisão preventiva.

• Na fase judicial: SIM. O § 2º
do art. 282 afirmava isso expressamente.

 

Após a Lei nº 13.964/2019, o
juiz pode conceder medidas cautelares de ofício?

NÃO. A Lei alterou a redação do
§ 2º do art. 282 do CPP e acabou com a possibilidade.

 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art.
311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a
prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial.

Art.
311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a
prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público,
do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Conclusão: foi excluída
expressamente a possibilidade que existia antes de que o juiz decretasse a
prisão preventiva de ofício (sem requerimento).

 

E
o art. 310 do CPP, foi alterado pelo Pacote Anticrime?

Apenas
o caput, para deixar clara a indispensabilidade da realização da audiência de
custódia. Confira:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art.
310.  Ao receber o auto de prisão em
flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

(…)

 

Art.
310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24
(vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com
a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública
e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá,
fundamentadamente
:

(…)

II
– converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

II
– converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Conclusão: o caput do art. 310
foi alterado para incluir, no texto do CPP, a obrigatoriedade da audiência de
custódia. O inciso II não foi modificado.

 

A
audiência de custódia constitui direito público subjetivo, de caráter
fundamental

Toda pessoa que sofra prisão em flagrante —
qualquer que tenha sido a motivação ou a natureza do ato criminoso, mesmo que
se trate de delito hediondo — deve ser obrigatoriamente conduzida, “sem
demora”, à presença da autoridade judiciária competente, para que esta, ouvido
o custodiado “sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão” e
examinados os aspectos de legalidade formal e material do auto de prisão em
flagrante, possa:

(i) relaxar a prisão, se constatar a
ilegalidade do flagrante,

(ii) conceder liberdade provisória, se
estiverem ausentes as situações referidas no art. 312 do CPP ou se incidirem,
na espécie, quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do CP,
ou, ainda,

(iii) converter o flagrante em prisão
preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do CPP.

A audiência de
custódia (ou de apresentação) constitui direito público subjetivo, de caráter
fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que
o Estado brasileiro aderiu, já incorporadas ao direito positivo interno
(Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos). Traduz prerrogativa não suprimível assegurada a qualquer
pessoa. Sua imprescindibilidade tem o beneplácito do magistério jurisprudencial
(ADPF 347 MC) e do ordenamento positivo doméstico (Lei nº 13.964/2019 e
Resolução 213/2015 do CNJ).

STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello,
julgado em 6/10/2020 (Info 994).

 

O
que acontece se, injustificadamente, não for realizada a audiência de custódia?

A ausência da
realização da audiência de custódia qualifica-se como causa geradora da
ilegalidade da própria prisão em flagrante, com o consequente relaxamento da
privação cautelar da liberdade.

Se o magistrado
deixar de realizar a audiência de custódia e não apresentar uma motivação
idônea para essa conduta, ele estará sujeito à tríplice responsabilidade, nos
termos do art. 310, § 3º do CPP.

STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello,
julgado em 6/10/2020 (Info 994).

 

Confira o
dispositivo legal:

Art.
310 (…)

§
3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da
audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa,
civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)

 

Depois
das alterações promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece
a possibilidade de o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão
preventiva?

A
maioria da doutrina que comentou o Pacote respondeu que não.

Para a doutrina majoritária, esse
entendimento estaria superado com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que
teria proibido qualquer prisão decretada de ofício pelo magistrado. Veja:

“De acordo com a nova redação do art. 310,
II, do CPP, verificada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz poderá
fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando
presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, hipótese
em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para tanto, é indispensável
que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob
pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com
redação dada pela Lei n. 13.964/19.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de
Processo Penal. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1052).

 

E
a jurisprudência?

Também seguiu no mesmo caminho:

Não é possível a decretação “ex
officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de
investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que
haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP,
prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da
autoridade policial.

A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir
a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do
CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio
requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com
base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo
processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II,
do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando
que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a
conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva,
sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação
do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do
querelante ou do assistente do MP.

STJ. 5ª Turma. HC 590039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
20/10/2020.

STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso
de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994). 

Artigo Original em Dizer o Direito

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