No
caso de apuração de ato infracional, aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC?

Depende.
Aplica-se:

• o CPP para o processo de conhecimento (representação,
produção de provas, memoriais, sentença);

• o CPC para as regras do sistema recursal (art. 198 do
ECA).

Resumindo:

1ª opção: normas
do ECA.

Na falta
de normas específicas:

• CPP: para
regular o processo de conhecimento.

• CPC: para
regular o sistema recursal.

Imagine
agora a seguinte situação hipotética:

João,
adolescente, praticou ato infracional equiparado a roubo majorado (art. 157, §
2º, I e II, do CP).

O
magistrado proferiu sentença aplicando-lhe medida socioeducativa de internação.

A
defesa quer interpôs recurso contra essa sentença.

Qual
é o recurso cabível?

Apelação.

Qual
é o prazo dessa apelação?

10 dias, nos termos do art. 198, II, do
ECA:

Art. 198.  Nos procedimentos afetos à Justiça da
Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas
socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações:

(…)

II – em todos os recursos, salvo nos
embargos de declaração, o prazo para o Ministério Público e para a defesa será
sempre de 10 (dez) dias;

Esse
prazo é contado em dias úteis ou corridos?

Dias
corridos (contínuos). Não são dias úteis.

Mas
o art. 198 do ECA afirma que os recursos afetos à Justiça da Infância e da
Juventude são regidos pelas normas do CPC… Por que não aplicar os dias úteis
do art. 219 do CPC/2015?

Porque há uma
previsão expressa e específica no ECA dizendo que os prazos são contados em
dias corridos:

Art. 152. Aos procedimentos regulados
nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação
processual pertinente.

(…)

§ 2º Os prazos estabelecidos nesta Lei
e aplicáveis aos seus procedimentos são contados em dias corridos, excluído o
dia do começo e incluído o dia do vencimento, vedado o prazo em dobro para a
Fazenda Pública e o Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 13.509/2017)

Os
procedimentos regulados pela Lei nº 8.069/90 estão previstos no Capítulo III.
Dentre eles está o da apuração de ato infracional atribuído a adolescente
(Seção V, arts. 171 a 190).

Assim,
para análise da tempestividade da apelação, são aplicáveis os arts. 198, II e 152,
§ 2º, ambos do ECA.

Como
existe norma sobre a contagem do prazo em dias corridos na lei especial, não há
lacuna a atrair a aplicação subsidiária ou supletiva da regra do CPC.

Eventual
conflito na interpretação das leis deve ser solucionado por meio de critérios
hierárquico, cronológico ou da especialidade.

O
Código de Processo Civil não é norma jurídica superior à Lei nº 8.069/1990. O
art. 198 do ECA (redação dada pela Lei nº 12.594/2012), por sua vez, não
prevalece sobre o art. 152, § 2º (incluído pela Lei nº 13.509/2017),
dispositivo posterior que regulou inteiramente a contagem dos prazos.
Prepondera, assim, a especialidade, de modo que a regra específica do Estatuto
da Criança e do Adolescente impede a incidência do art. 219 do CPC.

Em
suma:

Segundo
o texto expresso do ECA, em todos os recursos, salvo os embargos de declaração,
o prazo será decenal (art. 198, II) e a sua contagem ocorrerá de forma corrida,
excluído o dia do começo e incluído o do vencimento, vedado o prazo em dobro
para o Ministério Público (art. 152, § 2º).

Desse
modo, por força do critério da especialidade, os prazos dos procedimentos
regulados pelo ECA são contados em dias corridos, não havendo que se falar em
aplicação subsidiária do art. 219 do CPC/2015, que prevê o cálculo em dias
úteis.

STJ. 6ª Turma. HC 475.610/DF, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/03/2019 (Info 647).

Artigo Original em Dizer o Direito

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