Imagine
a seguinte situação hipotética:

João
ajuizou ação de cobrança contra Pedro.

Na
contestação Pedro alegou que a pretensão estaria prescrita, pedindo, portanto,
a extinção do processo com resolução do mérito. Subsidiariamente, o réu pediu a
produção de prova pericial para demonstrar que não devia nada ao autor.

O
juiz proferiu decisão interlocutória na qual:

a)
rejeitou a ocorrência de prescrição;

b)
deferiu a produção da prova pericial.

Agravo
de instrumento

O
réu interpôs agravo de instrumento contra esta decisão insistindo na tese de
que teria ocorrido a prescrição.

O Tribunal de Justiça não conheceu do
recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão
elencadas exaustivamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não há
previsão de agravo contra decisão interlocutória que afasta a alegação de
prescrição:

Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção
de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da
personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da
justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou
coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação
do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de
intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação
do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova
nos termos do art. 373, § 1º;

XII – (VETADO);

XIII – outros casos expressamente
referidos em lei.

Parágrafo único.  Também caberá agravo de instrumento contra
decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de
cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Agiu
corretamente o Tribunal?

NÃO.

Natureza
da decisão interlocutória que reconhece a existência da prescrição ou
decadência

A
doutrina diverge sobre a natureza da decisão interlocutória que reconhece a existência
de prescrição ou decadência.

Podemos
apontar três exemplos de enquadramento:


Cássio Scarpinella Bueno: afirma que se trata de uma “falsa” decisão de mérito;


Teresa Arruda Alvim: sustenta que consiste em uma “atípica” decisão de mérito;


Fredie Didier Jr.: ensina que é uma “preliminar” ou “prejudicial” de mérito.

Independentemente
da nomenclatura utilizada, o fato indiscutível é que a decisão que pronuncia a prescrição
ou a decadência é uma decisão de mérito.

Em
outras palavras, a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da
decadência é um pronunciamento jurisdicional de mérito.

E a decisão que REJEITA a ocorrência de
prescrição ou decadência? Também se pode dizer que é uma decisão de mérito?

Decisão interlocutória que REJEITA a
ocorrência de

prescrição ou decadência é uma
decisão de mérito?

CPC/1973:
NÃO

CPC/2015:
SIM

Havia o
entendimento de que não se tratava de uma decisão de mérito. Isso por causa da
redação do art. 269, IV, que falava apenas em pronunciar:

Art.
269. Haverá resolução de mérito:

IV –
quando o juiz pronunciar (reconhecer) a decadência ou a
prescrição;

Não há
mais dúvidas de que também se trata de uma decisão de mérito. Isso por causa da
redação expressa que foi dada ao art. 487, II, do CPC/2015:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre
a ocorrência de decadência ou prescrição;

O
conceito de “decidir sobre a ocorrência” é claramente mais amplo do que apenas
“pronunciar”, motivo pelo qual é correto afirmar que o art. 487, II, do
CPC/2015, passou a abranger, indiscutivelmente, o acolhimento e também a
rejeição da alegação de prescrição ou decadência, com aptidão inclusive para,
em ambas as hipóteses, formar coisa julgada material sobre essas questões.

Mas
a prescrição ou decadência não tem que ser decididas apenas ao final, na
sentença?

NÃO.
Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser
apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente
examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias
.

A
praxe forense, aliás, revela que as hipóteses de rejeição da alegação de
prescrição ou de decadência ou de reconhecimento de sua ocorrência sobre parte
ou sobre algum dos pedidos, na verdade, normalmente ocorrem antes da sentença,
mais precisamente na decisão saneadora, ocasião em que usualmente são decotadas
as questões de fato e de direito relevantes da controvérsia para a subsequente
fase instrutória.

Agravo
de instrumento com base no inciso II do art. 1.015

Desse modo, a decisão interlocutória
que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito,
que enseja a interposição de agravo de instrumento com base no inciso II do
art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:

(…)

II – mérito do processo;

Assim,
tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição
ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível
com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na
forma da lei, questões de mérito.

Se
o juiz, por meio de decisão interlocutória, rejeitar a ocorrência de prescrição
e decadência, e a parte prejudicada não interpuser agravo de instrumento, ela
poderá impugnar novamente isso no momento da apelação?

NÃO.
Se o juiz rejeitar a alegação de prescrição ou decadência por meio de decisão
interlocutória e a parte prejudicada não recorrer de imediato mediante agravo
de instrumento haverá coisa julgada e esse tema não poderá ser novamente
debatido na apelação.

Veja a lição da doutrina:

“No curso do procedimento, é possível
haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de
prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões
assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC.

O disposto no art. 1.015, II, do CPC,
confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro,
decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de
instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência
de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade.

Se o agravo de instrumento não for
interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão
interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta
da sentença que ainda será proferida.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo
Carneiro da. Curso de Direito Processual
Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais
.
15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253).

“4.1. Outrossim, as decisões que
rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do
agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação
de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do
agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no
particular.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução
e recursos: comentários ao CPC de 2015
. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072)

Em
suma:

A
decisão interlocutória que afasta (rejeita) a alegação de prescrição é
recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento com fundamento no
art. 1.015, II, do CPC/2015. Isso porque se trata de decisão de mérito.

Embora
a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas
somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por
intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento
com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada
material sobre a questão.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.756-MG, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).

Artigo Original em Dizer o Direito

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