Conceito

Audiência de custódia consiste…

– no direito que a pessoa presa
possui

– de ser conduzida (levada),

– sem demora (CNJ adotou o máximo
de 24h),

– à presença de uma autoridade
judicial (magistrado)

– que irá analisar se os direitos
fundamentais dessa pessoa foram respeitados (ex.: se não houve tortura)

– se a prisão em flagrante foi
legal ou se deve ser relaxada (art. 310, I, do CPP)

– e se a prisão cautelar (antes
do trânsito em julgado) deve ser decretada (art. 310, II) ou se o preso poderá
receber a liberdade provisória (art. 310, III) ou medida cautelar diversa da prisão
(art. 319).

Previsão

A audiência de custódia é
prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida
como “Pacto de San Jose da Costa Rica”, promulgada no Brasil pelo
Decreto 678/92.

Veja o que diz o artigo 7º, item
5, da Convenção:

Artigo 7º Direito à liberdade pessoal

(…)

5. Toda pessoa presa, detida ou retida
deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada por lei a exercer funções judiciais (…)

Segundo entende o STF, os
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil foi signatário
incorporam-se em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal (RE 349.703/RS, DJe de
5/6/2009).

Desse modo, na visão do STF, a
Convenção Americana de Direitos Humanos é norma jurídica no Brasil,
hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou complementar, só estando
abaixo, portanto, das normas constitucionais.

Obs.: na época em que a CADH foi
aprovada no Brasil, ainda não havia a previsão do § 3º do art. 5º da CF/88.

Nomenclatura

O termo “audiência de
custódia”, apesar de ter sido consagrado no Brasil, não é utilizado
expressamente pela CADH, sendo essa nomenclatura uma criação doutrinária.

Durante os debates no STF a
respeito da ADI 5240/SP, o Min. Luiz Fux defendeu que essa audiência passe a se
chamar “audiência de apresentação”. Desse modo, deve-se tomar cuidado com essa
expressão caso seja cobrada em uma prova. Na prática, contudo, todo mundo
utiliza o nome “audiência de custódia”.

Regulamentação

Apesar de existir um projeto de
lei tramitando no Congresso Nacional (PLS nº 554/2011), o certo é que a
audiência de custódia ainda não foi regulamentada por lei no Brasil. Isso
significa que não existe uma lei estabelecendo o procedimento a ser adotado
para a realização dessa audiência.

Diante desse cenário, e a fim de
dar concretude à previsão da CADH, o CNJ, no fim de 2015, aprovou a Resolução
213/2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade
judicial no prazo de 24 horas.

Qual é a amplitude da expressão “sem
demora” prevista na CADH? Em até quanto tempo a pessoa presa deverá ser levada
para a audiência de custódia?

Não existe uma previsão
específica de tempo na CADH. A doutrina majoritária defende, contudo, que esse
prazo deve ser de 24 horas, aplicando-se, subsidiariamente, a regra do § 1º do
art. 306 do CPP. Esse foi o prazo adotado pelo CNJ na Resolução 213/2015.

Assim, de acordo com a Resolução 213/2015
do CNJ, toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação
ou natureza do ato, será obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da
comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as
circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão
.

Comunicação apenas por escrito
não é suficiente

O fato de a prisão em flagrante
ter sido comunicada à autoridade judicial não supre a necessidade de
apresentação pessoal para a audiência de custódia.

Se for preso com foro privativo

No caso de prisão em flagrante
delito da competência originária de Tribunal, a apresentação do preso poderá
ser feita a um juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse
fim.

Se o preso estiver internado ou
impossibilitado de comparecer

Estando a pessoa presa acometida
de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que
a impossibilite de ser apresentada ao juiz no prazo do caput, deverá ser
assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos
casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a
condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua
condição de saúde ou de apresentação.

De quem é a responsabilidade pelo
deslocamento

O deslocamento da pessoa presa em
flagrante delito ao local da audiência e desse, eventualmente, para alguma
unidade prisional específica, no caso de aplicação da prisão preventiva, será
de responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária ou da
Secretaria de Segurança Pública.

Se não houver juiz na comarca

Se, por qualquer motivo, não
houver juiz na comarca, a pessoa presa será levada imediatamente ao substituto
legal.

Quem participa da audiência

A audiência de custódia será
realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a
pessoa detida não possua defensor constituído.

É vedada a presença dos agentes
policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de
custódia.

Se a pessoa presa em flagrante
delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em
flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns,
tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça
à audiência de custódia.

Direito à conversa reservada
antes de começar a audiência

Antes da apresentação da pessoa
presa ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado
por ela constituído ou defensor público, sem a presença de agentes policiais.
Deve ser reservado local apropriado para garantir a confidencialidade do
atendimento prévio com advogado ou defensor público.

O que o juiz deverá perguntar e
fazer durante a audiência:

Na audiência de custódia, a
autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:

1) esclarecer o que é a audiência
de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade
judicial;

2) assegurar que a pessoa presa
não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga
ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade
ser justificada por escrito;

3) dar ciência sobre seu direito
de permanecer em silêncio;

4) questionar se lhe foi dada ciência
e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à
sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou
defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus
familiares;

5) indagar sobre as
circunstâncias de sua prisão ou apreensão;

6) perguntar sobre o tratamento
recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência,
questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as
providências cabíveis;

7) verificar se houve a
realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos
em que:

a) não tiver sido realizado;

b) os registros se mostrarem
insuficientes;

c) a alegação de tortura e maus
tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado;

d) o exame tiver sido realizado
na presença de agente policial;

8) abster-se de formular
perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal
relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;

9) adotar as providências a seu
cargo para sanar possíveis irregularidades;

10) averiguar, por perguntas e
visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob
cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave,
incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o
cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade
provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.

Perguntas do MP e depois da
defesa

Após o juiz ouvir a pessoa presa,
deverá conceder a palavra ao Ministério Público e depois à defesa técnica, para
que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo
indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir
eventual imputação.

Requerimentos do MP e da defesa

Depois das perguntas, o MP e a
defesa poderão requerer:

I — o relaxamento da prisão em
flagrante;

II — a concessão da liberdade
provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão;

III — a decretação de prisão
preventiva;

IV — a adoção de outras medidas
necessárias à preservação de direitos da pessoa presa.

Registro em mídia

A oitiva da pessoa presa será
registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a formalização de termo
de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes, e
ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia.

A ata da audiência conterá,
apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à
legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com
a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido
de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de
indícios de tortura e maus tratos.

Concluída a audiência de custódia,
cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor
e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de
prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre
distribuição.

Se o juiz entender que não é
devida ou necessária a prisão

Proferida a decisão que resultar
no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem
ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando
determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante
delito será prontamente colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará
de soltura, e será informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por
outro motivo tenha que continuar presa.

Monitoração eletrônica é
excepcional

A aplicação da medida cautelar
diversa da prisão prevista no art. 319, inciso IX, do CPP (monitoração
eletrônica), será excepcional e determinada apenas quando demonstrada a
impossibilidade de concessão da liberdade provisória sem cautelar ou de
aplicação de outra medida cautelar menos gravosa, sujeitando-se à reavaliação
periódica quanto à necessidade e adequação de sua manutenção, sendo destinada
exclusivamente a:

• pessoas presas em flagrante
delito por crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima
superior a 4 anos;

• pessoas condenadas por outro
crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
inciso I do caput do art. 64 do Código Penal

• pessoas em cumprimento de
medidas protetivas de urgência acusadas por crimes que envolvam violência doméstica
e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, quando não couber outra medida menos gravosa.

Por abranger dados que pressupõem
sigilo, a utilização de informações coletadas durante a monitoração eletrônica
de pessoas dependerá de autorização judicial, em atenção ao art. 5°, XII, da
CF/88.

Se o preso declarar que foi
torturado

Havendo declaração da pessoa
presa em flagrante delito de que foi vítima de tortura e maus tratos ou
entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura,
será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis
para a investigação da denúncia e preservação da segurança física e psicológica
da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial
especializado.

Termo de audiência será apensado
ao IP ou processo penal

O termo da audiência de custódia
será apensado ao inquérito ou à ação penal.

Pessoas presas decorrentes de
cumprimento de mandado também deverão ser submetidas à audiência de custódia

A apresentação à autoridade
judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em
decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva,
aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos na Resolução.

Todos os mandados de prisão
deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu
cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial
que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem
cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial
competente, conforme lei de organização judiciária local.

Imagine que o juiz não realizou a
audiência de custódia nem decretou a prisão preventiva do flagranteado. Em
outras palavras, a pessoa foi presa em flagrante e assim permaneceu sem
qualquer outra decisão posterior. Essa prisão é válida?

NÃO. A custódia será considerada
ilegal.

Imagine agora que o juiz não realizou
a audiência de custódia, no entanto, converteu a prisão em flagrante em prisão
preventiva por meio de decisão. Neste caso, o Tribunal deverá revogar a prisão
preventiva decretada? Para o STJ, a falta da audiência de custódia enseja, por
si só, a nulidade da prisão preventiva?

Para o STJ, NÃO.

A falta da audiência de custódia não
enseja nulidade da prisão preventiva, superada que foi a prisão em flagrante,
devendo ser este novo título de prisão aquele a merecer o exame da legalidade e
necessidade.

STJ. 6ª Turma. RHC 99.091/AL, Rel. Min.
Nefi Cordeiro, julgado em 04/09/2018.

A alegação de nulidade da prisão em
flagrante em razão da não realização de audiência de custódia no prazo legal
fica superada com a conversão do flagrante em prisão preventiva, tendo em vista
que constitui novo título a justificar a privação da liberdade.

STJ. 5ª Turma. HC 444.252/MG, Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik, julgado em 23/08/2018.

O raciocínio do STJ é o seguinte:
realmente, a falta da realização da audiência de custódia é um vício. No entanto,
isso fica superado se o juiz profere uma decisão decretando a prisão
preventiva. Neste caso, o indivíduo não mais estará preso pelo flagrante, mas
sim pela decisão que decretou a preventiva.

E para o STF?

Não há, ainda, uma posição
consolidada do STF. No entanto, encontra-se um julgado em sentido oposto ao do
STJ afirmando que o vício deve sim ser declarado mesmo já tendo sido decretada
a prisão preventiva:

Por força do Pacto dos Direitos Civis
e Políticos, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e como decorrência
da cláusula do devido processo legal, a realização de audiência de apresentação
(“audiência de custódia”) é de observância obrigatória.

Esta audiência não pode ser dispensada
sob a justificativa de que o juiz já se convenceu de que a prisão preventiva é
necessária.

A audiência de apresentação constitui
direito subjetivo do preso e, nessa medida, sua realização não se submete ao
livre convencimento do Juiz, sob pena de cerceamento inconvencional.

A conversão da prisão em flagrante em
preventiva não traduz, por si, a superação da flagrante irregularidade, na
medida em que se trata de vício que alcança a formação e legitimação do ato
constritivo.

Desse modo, caso o juiz não tenha
decretado a prisão preventiva, o Tribunal deverá reconhecer que houve ilegalidade
e determinar que o magistrado realize a audiência de custódia.

STF. 1ª Turma. HC 133992, Rel. Min. Edson
Fachin, julgado em 11/10/2016.

Artigo Original em Dizer o Direito

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