SITUAÇÃO 1: ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR ABERTA

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João é dentista autônomo e
decidiu que não queria ficar dependendo apenas da aposentadoria do INSS.
Diante disso, ele procurou a
empresa “Porto Seguro Vida e Previdência S/A.” (entidade aberta
de previdência complementar) e com ela celebrou contrato de previdência privada.
Anos mais tarde, no momento de
obter o benefício da aposentadoria, João discordou da interpretação feita pela
entidade a determinada cláusula contratual. No entendimento de João, a redação
do contrato não estava muito clara e, por isso, a cláusula deveria ser
interpretada de forma mais favorável a ele (consumidor), nos termos do art. 47
do CDC.
A relação jurídica entre João (participante do plano de benefício)
e a entidade de previdência complementar é uma relação de consumo?

SIM. Súmula 321-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável
à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus
participantes.

SITUAÇÃO 2: ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA

Imagine agora outra situação
ligeiramente diferente:

A Fundação Vale do Rio Doce de
Seguridade Social (Valia) é uma entidade fechada de previdência
complementar privada (EFPC) criada com o objetivo de administrar o plano de
previdência complementar dos empregados da mineradora Vale.
Pedro, funcionário aposentado da Vale, ajuizou ação contra a Valia
afirmando que a entidade não cumpriu uma das cláusulas do regulamento do plano
de previdência.

Segundo argumentou Pedro, a entidade descumpriu o regulamento e,
por não haver nenhuma regra específica sobre o tema na LC 109/2001 (lei especial
que trata sobre o Regime de Previdência Complementar), a questão deveria ser
resolvida mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A relação jurídica entre Pedro (participante
do plano de benefício) e a Valia (entidade de previdência complementar fechada)
é uma relação de consumo? Pode ser aplicado o CDC no caso?

NÃO. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica
entre participantes ou assistidos de plano de benefício e entidade de
previdência complementar fechada, mesmo em situações que não sejam regulamentadas
pela legislação especial.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.536.786-MG, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/8/2015 (Info 571).

As entidades fechadas de previdência privada não comercializam os
seus benefícios ao público em geral ou os distribuem no mercado de consumo, não
podendo, por isso mesmo, ser enquadradas no conceito legal de fornecedor.

Além disso, não há remuneração pela contraprestação dos serviços
prestados e, consequentemente, a finalidade não é lucrativa, já que o
patrimônio da entidade e respectivos rendimentos, auferidos pela capitalização
de investimentos, revertem-se integralmente na concessão e manutenção do
pagamento de benefícios aos seus participantes e assistidos.

Assim, o que predomina nas relações entre a EFPC e seus
participantes é o associativismo ou o mutualismo com fins previdenciários, ou
seja, uma gestão participativa com objetivos sociais comuns de um grupo
específico, que se traduzem na rentabilidade dos recursos vertidos pelos
patrocinadores (empregadores) e participantes (empregados) ao fundo, visando à
garantia do pagamento futuro de benefício de prestação programada e continuada.

Logo, a relação jurídica existente entre os fundos de pensão e
seus participantes é de caráter estatutário, sendo regida por leis específicas
(LC 108 e 109/2001), bem como pelos planos de custeio e de benefícios, de modo
que, apenas em caráter subsidiário, aplicam-se a legislação  previdenciária e a civil, não podendo incidir
normas peculiares de outros microssistemas legais, tais como o CDC e a CLT.

STJ. 3ª Turma. REsp 1421951/SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 25/11/2014.

Mas e a Súmula 321?

A súmula 321 do STJ só vale para
entidades ABERTAS de previdência privada.

Para entidades fechadas não se aplica o
CDC.

Entidades abertas X entidades fechadas

Para o STJ, existem distinções marcantes entre as entidades de
previdência privada abertas e fechadas. Tais diferenças fazem com que o CDC
seja aplicado nas relações jurídicas envolvendo entidades abertas, mas não nas
fechadas. Vejamos:

ABERTAS
(EAPC)

FECHADAS
(EFPC)

As entidades abertas são empresas
privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de
previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou
jurídica. Normalmente, fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou
seguradora.

Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A.,
Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência
S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

As entidades fechadas são pessoas
jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas
por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de
previdência privada aos seus funcionários.

Essas entidades são conhecidas como
“fundos de pensão”.

O planos não podem ser
comercializados para quem não é funcionário daquela empresa.

Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro.

Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos
diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes
dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

Nas relações entre o usuário e a
entidade aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, desde que o tema não
seja regido por legislação específica (ex: se for um tema tratado pela LC
109/2001, esta lei é que deverá ser aplicada).

Aqui vale a Súmula 321-STJ: O Código
de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de
previdência privada e seus participantes.

O Código de Defesa do Consumidor não
é aplicável à relação jurídica entre participantes ou assistidos de plano de
benefício e entidade de previdência complementar fechada, mesmo em situações
que não sejam regulamentadas pela legislação especial.

Não se aplica a Súmula 321 do STJ,
que fica restrita aos casos que envolvam entidades abertas de previdência.

Artigo Original em Dizer o Direito

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