Imagine a seguinte situação
hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro,
tendo o pedido sido julgado improcedente.

O autor interpôs apelação, mas o
Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial contra o acórdão do TJ.

Como se sabe,
o recurso especial é interposto no Tribunal de origem, ou seja, no juízo a
quo
(recorrido) e não diretamente no juízo ad quem (STJ). Isso está
previsto no art. 1.029 do CPC:

Art. 1.029.  O recurso extraordinário e o recurso
especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos
perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições
distintas que conterão:

(…)

A parte recorrida (em nosso
exemplo, Pedro) será intimada para apresentar suas contrarrazões.

Após, o
Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal (isso vai depender do regimento
interno), em decisão monocrática, irá fazer um juízo de admissibilidade do
recurso especial:

Se o juízo de admissibilidade for POSITIVO

Se o juízo de admissibilidade for NEGATIVO

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal
entendeu que os pressupostos do REsp estavam preenchidos e, então, remeterá o
recurso para o STJ.

Significa
que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que algum pressuposto do REsp
não estava presente e, então, não admitirá o recurso.

Contra
esta decisão, não cabe recurso, considerando que o STJ ainda irá examinar
novamente esta admissibilidade.

Contra
esta decisão, a parte prejudicada poderá interpor recurso.

Voltando ao nosso caso
concreto:

O prazo para interpor recurso
especial é de 15 dias úteis.

João interpôs o recurso especial
no último dia do prazo.

Na conferência para verificar se
João interpôs o recurso dentro do prazo, pode-se cair em uma armadilha e achar
que ele perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação do acórdão e a
interposição do recurso, um dos dias foi feriado estadual (ou seja, dia não
útil). Assim, se a pessoa que está conferindo a tempestividade não
desconsiderar esse dia, achará que João perdeu o prazo e que interpôs o REsp no
16º dia útil. No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado local
(feriado estadual) e, dessa forma, esse dia tem que ser excluído da contagem do
prazo.

Repetindo: tirando sábados e
domingos, João interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que um desses dias foi
feriado estadual. Logo, esse dia tem que ser excluído da contagem (porque não é
dia útil). Isso significa que João interpôs o recurso no 15º dia útil e,
portanto, o REsp é tempestivo.

João, ao
apresentar o REsp, tem o ônus de explicar e comprovar que, na instância de
origem, era feriado local ou dia sem expediente forense? Em outras palavras,
João tem o ônus de comprovar que houve um feriado local e, portanto, o recurso
é tempestivo?

SIM.

O CPC/2015 trouxe
expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá
ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso. Veja:

Art. 1.003 (…)

§ 6º O recorrente comprovará a
ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

Nos termos do art. 1.003, § 6º, do
CPC/2015, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita no ato da
interposição do recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo
previsto na lei processual civil.

STJ.
3ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1539007/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 09/03/2020.

++ (Promotor MP/PI 2019 CEBRASPE)
A comprovação da tempestividade de recurso especial, no caso de prorrogação de
prazo em razão de feriado local, pode ocorrer posteriormente ao ato de
interposição desse recurso. (ERRADO)

++ (DPE/RS 2018 FCC) 55. Sobre os
recursos no Código de Processo Civil, o recorrente comprovará a ocorrência de
feriado local, se intimado pelo relator para tanto. (ERRADO)

Voltando mais uma vez ao
exemplo dado:

No recurso especial interposto
por João, ele mencionou que havia um feriado local, mas não juntou qualquer
documento comprovando. Ele fez apenas a seguinte referência:

“Conforme o art. XX do Código de
Organização Judiciária do Estado e o art. YY do Regimento Interno do Tribunal
de Justiça, não houve expediente forense no Poder Judiciário estadual no dia 08/12
em função de feriado local.”

A dúvida que surge é a
seguinte: ao adotar essa prática, João comprovou validamente a existência do feriado
local? A mera referência (menção) às normas estaduais é suficiente para
comprovar a ocorrência de feriado local?

NÃO.

A comprovação da existência de
feriado local que dilate o prazo para interposição de recursos dirigidos ao STJ
deverá ser realizada por meio de documentação idônea, não sendo suficiente a
simples menção ou referência nas razões recursais. Nesse sentido:

A ocorrência de feriado local, recesso, paralisação ou
interrupção do expediente forense deve ser demonstrada, no ato da interposição
do recurso que pretende seja conhecido por este Tribunal, por documento oficial
ou certidão expedida pelo Tribunal de origem, não bastando a mera menção ao
feriado local nas razões recursais, tampouco a apresentação de documento não
dotado de fé pública.

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1813192/AL, Rel. Min. Francisco
Falcão, julgado em 03/03/2020.

A ocorrência de feriado local, recesso, paralisação ou
interrupção do expediente forense deve ser demonstrada por documento oficial ou
certidão expedida pelo Tribunal de origem, não bastando a mera menção nas
razões recursais.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1444176/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 23/09/2019.

O fato de o feriado local estar
previsto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça ou no Código de
Organização Judiciária do Estado não altera o entendimento acima explicado.

É irrelevante que o feriado
local, o ponto facultativo ou a suspensão da atividade forense tenha sido
instituída, no âmbito de um Estado ou Região, por intermédio de “provimento”,
“informativo”, “portaria”, “ato normativo”, “regimento interno” ou “código de
organização judiciária”. Todos esses atos são normas locais (estaduais ou regionais)
cuja existência obrigatoriamente precisa ser documentalmente comprovada no ato
de interposição do recurso (art. 1.003, §6º, do CPC).

Para tentar “salvar” esse
recurso, João poderia argumentar que o direito municipal ou estadual só tem que
ser provado quando o juiz determinar, invocando o art. 376 do CPC/2015?

NÃO.

O art. 376 do
CPC/2015 prevê que:

Art. 376.  A parte que alegar direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se
assim o juiz determinar.

Esse
dispositivo está situado topologicamente no capítulo da teoria geral das
provas, sendo uma regra especificamente destinada ao juiz de 1º grau ou, quando
muito, aos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais, mas sempre para o
exercício de atividade instrutória da causa e não para a admissibilidade dos
recursos.

Em palavras mais simples: esse
art. 376 vale para a produção de provas, e não para o juízo de admissibilidade
de recursos.

Em suma:

A simples referência à existência de feriado local previsto
em Regimento Interno e em Código de Organização Judiciária Estadual não é
suficiente para a comprovação de tempestividade do recurso especial nos moldes
do art. 1.003, §6º, do CPC/2015.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.763.167-GO, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel.
Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020 (Info 665).

Aprofundando:

Cópia de calendário do
Tribunal de origem é documento idôneo para comprovar feriado local?

STJ: NÃO

A jurisprudência do STJ
entende que cópia de calendário editado pelo Tribunal de origem não é hábil a
ensejar a comprovação da existência de feriado local, pois é necessária a
juntada de cópia de lei ou de ato administrativo exarado pela Corte a quo,
comprovando a ausência de expediente forense na data em questão.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1829351/RJ, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 30/03/2020.

STF: possui um julgado afirmando
que sim.

O calendário disponível no sítio do
Tribunal de Justiça que mostra os feriados na localidade é documento idôneo
para comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso,
nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015.

STF. 1ª Turma. RMS 36114/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em
22/10/2019 (Info 957).

Artigo Original em Dizer o Direito

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