Multiplicidade de recursos
extraordinários tratando sobre o mesmo tema

O legislador percebeu que havia no STF
e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos.

Diante disso, a fim de otimizar a
análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e
543-C ao CPC/1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos
recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com
fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.

No CPC/2015 o tema é agora tratado nos
arts. 1.036 a 1.041:

Art. 1.036. Sempre que houver
multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em
idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as
disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

Procedimento de julgamento dos recursos
extraordinário e especial repetitivos

1)
Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem
(TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem
sobre o mesmo assunto.

Exemplo: reunir os recursos especiais
nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda
Pública é de três ou cinco anos.

2)
Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que
representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF
(conforme seja Resp ou RE).

Serão escolhidos os que contiverem
maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso
especial.

Art. 1.036 (…) § 1º O presidente ou o
vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal
selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que
serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de
Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na
região, conforme o caso.

3)
Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma
matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no
tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central.

Vale ressaltar que não cabe nenhum
recurso contra a decisão proferida no Tribunal de origem que tenha determinado
o sobrestamento do RE ou do Resp com fundamento no art. 1.036 do CPC
2015.

Interessante novidade introduzida pelo
CPC 2015. Se o recurso sobrestado tiver sido interposto fora do prazo, não há
motivo para ele ficar suspenso aguardando a decisão do STJ/STF. Logo, a outra
parte poderá alegar a intempestividade e pedir que ele não seja conhecido:

Art. 1.036 (…) § 2º O interessado
pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de
sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que
tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco)
dias para manifestar-se sobre esse requerimento.

4) Selecionados os recursos, o Ministro
Relator do Tribunal Superior, constatando que realmente existe multiplicidade
de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de
direito, proferirá decisão de afetação, na qual:

I – identificará com precisão a questão
a ser submetida a julgamento;

II – determinará a suspensão do
processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que
versem sobre a questão e tramitem no território nacional;

III – poderá requisitar aos presidentes
ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais
federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia.

A providência tratada no item II
acima (suspensão do processamento de todos os processos pendentes) está
prevista no art. 1.037 e também no § 5º do art. 1.035 do CPC/2015:

Art. 1.037. Selecionados os recursos,
o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput
do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:

(…)

II – determinará a suspensão do
processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que
versem sobre a questão e tramitem no território nacional;

Art. 1.035 (…)

§ 5º Reconhecida a repercussão geral,
o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento
de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a
questão e tramitem no território nacional.

Esse sobrestamento é obrigatório,
ou seja, reconhecida a repercussão geral, automaticamente todos os processos
pendentes ficarão suspensos?

NÃO. O Relator do recurso
extraordinário tem a faculdade de determinar ou não o sobrestamento dos
processos.

A
suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste
em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral
realizada com fulcro no “caput” do mesmo dispositivo, sendo da
discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la
ou modulá-la.

STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (Info 868).

Assim, o § 5º do art. 1.035 deverá
ser lido: reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal
Federal poderá determinar.

O art. 1.035, § 5º do CPC
aplica-se indiscutivelmente aos processos cíveis. E quanto aos criminais? Se um
recurso extraordinário versando sobre matéria penal for admitido no STF sob a
sistemática da repercussão geral, o relator também poderá determinar a
suspensão dos demais processos criminais que estejam tramitando no país e que
envolvam essa matéria? Ex: o STF reconhece a repercussão geral no seguinte
tema: “discussão se desacato ainda é crime”. O relator desse recurso extraordinário
poderá determinar que os processos criminais que tratem sobre esse mesmo
assunto ficarão suspensos?

SIM.

A
possibilidade de sobrestamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC/2015 aplica-se
não apenas aos processos cíveis, mas também aos processos de natureza penal.

STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (Info 868).

Provas urgentes

Em qualquer caso de sobrestamento
de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, o juízo
de piso poderá, a partir de aplicação analógica do disposto no art. 92, caput,
do CPP, autorizar, no curso da suspensão, a produção de provas de natureza
urgente.

E a prescrição, como fica em tais
casos? Os processos criminais ficarão suspensos, mas a prescrição também ficará
paralisada?

SIM.

Em
sendo determinado o sobrestamento de processos de natureza penal, opera-se,
automaticamente, a suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos
crimes que forem objeto das ações penais sobrestadas.

STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (Info 868).

A suspensão da prescrição nesses
casos está prevista na lei? Existe algum dispositivo do CP tratando sobre essa
questão?

Não de forma expressa. Diante
desta lacuna, o STF entendeu que deveria ser aplicado, por analogia, o art. 116,
I, do Código Penal:

Art. 116. Antes de passar em julgado a
sentença final, a prescrição não corre:

I – enquanto não resolvida, em outro
processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

O STF afirmou que deveria ser
feita uma interpretação conforme a Constituição do art. 116, I, do CP para
afirmar que ele se aplica também nos casos em que o tema discutido no processo
está afetado para ser resolvido pelo STF em julgamento de recurso extraordinário
submetido à repercussão geral.

Assim, a suspensão do prazo
prescricional para a resolução de questão externa prejudicial ao reconhecimento
do crime (art. 116, I, do CP) abrange a hipótese de suspensão do prazo
prescricional nos processos criminais com repercussão geral reconhecida.

A interpretação conforme a
Constituição Federal do art. 116, I, do CP se funda nos postulados da unidade e
da concordância prática das normas constitucionais. O legislador, ao impor a
suspensão dos processos sem instituir, simultaneamente, a suspensão dos prazos
prescricionais, cria o risco de erigir sistema processual que vulnera a
eficácia normativa e a aplicabilidade imediata de princípios constitucionais.

Além disso, o sobrestamento de
processo criminal, sem previsão legal de suspensão do prazo prescricional,
impede o exercício da pretensão punitiva pelo Ministério Público e gera
desequilíbrio entre as partes. Desse modo, fere a prerrogativa institucional do
Parquet e o postulado da paridade de armas, violando os princípios do
contraditório e do devido processo legal.

O princípio da proporcionalidade
opera tanto na esfera de proteção contra excessos estatais quanto na proibição
de proteção deficiente. No caso, flagrantemente violado pelo obstáculo
intransponível à proteção de direitos fundamentais da sociedade de impor sua
ordem penal.

A suspensão do § 5º do art. 1.035
do CPC/2015 aplica-se também para a fase pré-processual? Em outras palavras, os
inquéritos policiais e investigações criminais conduzidas pelo MP, se
envolverem o tema que está sendo discutido no RE, também ficarão suspensos?

NÃO.

Em
nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento
no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos
investigatórios conduzidos pelo Ministério Público.

STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (repercussão geral) (Info 868).

Assim, o sobrestamento de
processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão
geral não abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios
conduzidos pelo Ministério Público. O § 5º do art. 1.035 do CPC prevê apenas a
possibilidade de suspensão dos processos pendentes que versarem sobre a
questão debatida e tramitarem no território nacional. O inquérito policial e a
investigação conduzida pelo MP não possuem a natureza jurídica de “processo”,
sendo meros “procedimentos”.

A suspensão do § 5º do art. 1.035
do CPC/2015 aplica-se a todos os processos criminais que tratem sobre a
questão debatida na repercussão geral?

NÃO.

O
sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática
da repercussão geral não abrangerá ações penais em que haja réu preso
provisoriamente.

STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (repercussão geral) (Info 868).

Não se mostra admissível, sob
pena de ampliação injustificada do período de restrição do direito de liberdade
do acusado, que a prisão processual perdure enquanto estiver suspenso o curso
da marcha processual e do prazo prescricional concernente às infrações penais
cogitadas.

Artigo Original em Dizer o Direito

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