Olá amigos do Dizer o Direito,

Após alguns dias de férias, estamos de
volta.

Muito obrigado por todas as mensagens
de carinho e incentivo!

Nesse período de Natal, os concurseiros
podem (e devem) se dar ao luxo de reduzir um pouco o ritmo, sem, contudo, abandonar
completamente os estudos.

Pensando nisso, vamos treinar hoje um
importantíssimo tema que poderá ser cobrado em sua prova discursiva ou prática do
MP, Defensoria Pública.

Imagine
a seguinte situação adaptada:

A entrada de determinada escola pública
estadual é repleta de escadas e não há nenhuma rampa de acesso para
cadeirantes.

Diante disso, o Promotor de Justiça propôs
uma ação civil pública pedindo que o Estado seja condenado a promover reformas
no imóvel a fim de garantir a acessibilidade dos portadores de necessidades
especiais.

Em contestação, a Procuradoria Geral do
Estado apresentou quatro argumentos principais, quais sejam:

a) o pedido do MP para que o Estado
realize obras no imóvel viola o princípio da separação dos poderes, uma vez que
se trata de ato discricionário;

b) o MP não pode fazer essa exigência
porque não haveria disponibilidade orçamentária, ou seja, previsão no orçamento
do ente estatal;

c) as necessidades são infinitas e os
recursos escassos, de forma que se deve respeitar a reserva do possível;

d) não havia nenhum portador de necessidades
especiais matriculado nessa escola.

O
juiz poderá julgar procedente o pedido do MP? É possível o controle
jurisdicional de políticas públicas?

SIM.

Segundo entende a 1ª Turma do STF, é
possível o controle jurisdicional de políticas públicas, desde que presentes
três requisitos:

a) a natureza constitucional da
política pública reclamada;

b) a existência de correlação entre ela
e os direitos fundamentais; e

c) a prova de que há omissão ou
prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo justificativa
razoável para tal comportamento.

Preenchidos os requisitos acima, não há
que se falar em negativa do Poder Público de atender a determinação
constitucional sob o argumento da “reserva do possível”. Esta alegação,
inclusive, tem sido levada às últimas consequências, sendo utilizada como uma “cláusula
polivalente” (nas palavras do Min. Marco Aurélio) ou como “o Bombril do sistema
constitucional” (na alegoria feita pelo Min. Luiz Fux), o que não pode ser
tolerado.

No caso concreto, todos os pressupostos
encontram-se presentes, conforme decidiu o STF no julgamento do RE 440028/SP,
rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/10/2013.

Natureza
constitucional do direito à acessibilidade

A CF/88 determina que, nos edifícios de
uso público, deve ser garantido o acesso adequado às pessoas portadoras de
necessidades especiais. Veja:

Art. 227 (…)

§ 2º A lei disporá sobre normas de
construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de
veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência.

Art. 244. A lei disporá sobre a
adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de
transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às
pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

Os
dispositivos acima falam em “lei”. Como ainda não existe essa lei, tais
preceitos ficam sem eficácia?

NÃO. Ao remeter à lei a disciplina da
matéria, a CF/88 não obstaculiza a atuação do Judiciário. Esse direito deve ser
garantido pelo Poder Judiciário em atenção à dignidade da pessoa humana e à
busca de uma sociedade justa e solidária (arts. 1º, III, e 3º, I).

Além disso, as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata e não excluem outros
direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos
tratados internacionais de que o Brasil seja parte (art. 5º, §§ 1º e 2º).

Ademais, o acesso ao Judiciário para
reclamar contra lesão ou ameaça de lesão a direito é uma cláusula pétrea.

Acessibilidade
como direito fundamental previsto na Convenção de Nova York

Além desses dispositivos
constitucionais originários, o direito à acessibilidade também é previsto na Convenção
Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção
de Nova York), assinada 30/03/2007, aprovada no Congresso Nacional pelo Decreto
Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto 6.949/2009.

O art. 9º da Convenção prevê o
seguinte:

(…)

1. A fim de possibilitar às pessoas com
deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos
da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às
pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive
aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros
serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona
urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação
de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:

a) Edifícios, rodovias, meios de
transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas,
residências, instalações médicas e local de trabalho;

Vale ressaltar que os
dispositivos da Convenção possuem status de emenda constitucional em nosso país,
considerando que se trata de convenção internacional sobre direitos humanos que
foi aprovada, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, conforme previsto no § 3º do art. 5º
da CF/88.

Direito
à educação

Deve-se lembrar, ainda, que a
CF/88 assegura a “igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola
” (art. 206, I).

As barreiras arquitetônicas que
impeçam a locomoção de pessoas acarretam inobservância dessa regra
constitucional, uma vez que colocam os portadores de necessidades especiais em
desvantagem com relação às demais pessoas.

Inexistência de justificativa razoável para tal omissão estatal

O Estado não apresentou
justificativa razoável para a mora administrativa.

Em momento algum, foi apontada
alguma política pública alternativa que pudesse satisfazer o encargo
constitucional.

A simples ausência de portadores
de necessidades especiais matriculados na escola estadual não consubstancia
desculpa cabível. Essa ausência pode decorrer até mesmo pelo fato do colégio
não ter acessibilidade.

Desse modo, em um caso semelhante
a esse, o STF decidiu que o pedido do MP na ACP deveria ser julgado procedente
(RE 440028/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/10/2013).

Artigo Original em Dizer o Direito

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