Imagine a seguinte situação hipotética:

João estava pagando muito pela energia elétrica e, olhando
cuidadosamente o medidor, teve uma ideia. Ele resolveu isolar as fases “A” e
“B” do medidor com um material transparente (uma substância gelatinosa, tipo um
“slime”). Isso fez com que o relógio passasse a correr mais devagar do que o normal,
registrando menos energia do que a efetivamente consumida.

A companhia de energia elétrica passou a desconfiar de erro
na medição do relógio a partir da queda brusca ocorrida a partir de determinado
dia. Diante disso, os fiscais da empresa foram até o local e constataram a fraude.

Qual foi o crime praticado por João: FURTO ou ESTELIONATO?

Estelionato.

A
alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado
menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato.

STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).

No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da
vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da posse). O bem é
retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. No estelionato,
por sua vez, a fraude tem por finalidade fazer com que a vítima incida em erro
e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção
da realidade.

No exemplo acima, não se trata da figura do “gato” de energia
elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Estamos a falar em serviço
lícito, prestado de forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição
da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo
– fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se
adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal
(estelionato).

Conforme
ensina Rogério Greco:

“Aquele
que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o
delito de furto. É o que ocorre, normalmente, naquelas hipóteses em que o
agente traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que
popularmente é chamado de “gato”. A fiação é puxada, diretamente, do poste de
energia elétrica para o lugar onde se quer usá-la, sem que passe por qualquer
medidor.

Ao
contrário, se a ação do agente consiste, como adverte Noronha (NORONHA, Edgard
Magalhães. Direito Penal, v. 2, p. 232), ‘em modificar o medidor, para acusar
um resultado menor do que o consumido, há fraude, e o crime é estelionato,
subentendido, naturalmente, o caso em que o agente está autorizado, por via de contrato,
a gastar energia elétrica. Usa ele, então, de artifício que induzirá a vítima a
erro ou engano, com o resultado fictício, do que lhe advém vantagem ilícita’”
(GRECO, Rogério. Código Penal Comentado.
6ª ed., Niterói: Impetus, p. 557).

Tabela
comparativa:

“Gato”

Alteração do sistema de medição

O agente desvia a energia elétrica de
sua fonte natural por meio de ligação clandestina, sem passar pelo medidor.

O agente altera o sistema de medição,
mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo.

Trata-se de FURTO.

Trata-se de ESTELIONATO.

No furto, a fraude tem por objetivo
diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão
da posse).

O bem é retirado sem que a vítima
perceba que está sendo despojada de sua posse.

A concessionária não sabe que está fornecendo
energia elétrica para aquele indivíduo. Ele está desviando (subtraindo) a energia
da rede.

A fraude tem por finalidade fazer com
que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente
criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade.

A concessionária sabe que está fornecendo
energia elétrica para aquele consumidor, mas a fraude faz com que ela não perceba
que ele está pagando menos do que deveria.

Artigo Original em Dizer o Direito

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