Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no último dia 06/10, a Lei nº 13.489/2017
editada com o objetivo de regularizar a situação dos titulares de serventias
extrajudiciais (“cartórios”) que fizeram remoções mesmo sem concurso de
remoção.

Art. 236 da CF/88

A Constituição Federal dedicou
um artigo para tratar especificamente a respeito das serventias extrajudiciais:

Art. 236. Os serviços notariais e de
registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Concurso público

O § 3º do art. 236 exigiu
concurso público para o ingresso na atividade notarial e registral:

Art. 236. (…)

§ 3º O ingresso na atividade notarial
e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se
permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de
provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Lei nº 8.935/94

A fim de regulamentar o art. 236 da CF/88, o legislador
editou a Lei nº 8.935/94, que dispõe sobre serviços notariais e de registro. É a
chamada “Lei dos cartórios”.

Remoções

É permitido que haja remoção nas serventias extrajudiciais
localizadas dentro de um mesmo Estado. Assim, por exemplo, um registrador do Registro
de Pessoas Naturais do Município X (Estado Y) pode, em tese, ser removido e se
tornar titular de algum Registro de Imóveis localizado no Estado Y.

A Lei nº 8.935/94 tratou a
respeito das remoções em seu art. 16 que tem, atualmente, a seguinte redação:

Art. 16. As vagas serão preenchidas
alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e
uma terça parte por meio de remoção, mediante
concurso de títulos
, não se permitindo que qualquer serventia notarial
ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de
remoção, por mais de seis meses. (Redação dada pela Lei nº 10.506/2002)

Redação do art. 16 antes da Lei nº
10.506/2002:

Art. 16. As vagas serão preenchidas
alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e
uma terça parte por concurso de remoção, de provas e títulos, não se permitindo
que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de
concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Percebe-se, portanto, que o objetivo da Lei nº 10.506/2002,
ao alterar a redação do art. 16, foi o de tentar fazer com que a remoção fosse
apenas por meio de “concurso de títulos”.

Apesar da alteração no art. 16, a posição majoritária é que,
mesmo em caso de remoção, deve-se observar a regra do concurso de provas e
títulos. Em outras palavras, o titular de uma serventia somente poderia ser
removido para outra se aprovado em um concurso de provas e títulos no qual poderiam
participar os demais titulares de outras serventias do mesmo Estado. Essa
interpretação é baseada no § 3º do art. 236 da CF/88, que fala em “concurso
público de provas e títulos”. Segundo a doutrina majoritária, mesmo o § 3º mencionando
“ingresso”, isso abrangeria também a remoção porque como os titulares de
serventias não compõe uma carreira única, cada serventia que passa a ser
ocupada é uma nova investidura, ou seja, um novo ingresso.

Justamente por isso o CNJ, por meio do PCA 456, entendeu que
o concurso de remoção deve se dar por meio de provas e títulos e não apenas de
títulos. Essa conclusão foi adotada também pela Resolução nº 81-CNJ (art. 3º).

Existe também um conhecido parecer do então advogado e
atualmente Ministro Roberto Barroso defendendo que, em caso de remoção,
exige-se também concurso público de provas e títulos.

Período entre a promulgação da CF/88 e a edição da Lei nº 8.935/94

A Constituição Federal foi promulgada em 05/10/1988 e a Lei nº
8.934 entrou em vigor no dia 21/11/1994. Neste meio tempo não havia lei federal
regulando o regime jurídico dos notários e registradores, muito menos o
processo de remoção.

Em virtude disso, muitas remoções ocorreram neste período e,
como não havia lei federal, elas seguiram as regras previstas em leis estaduais
ou, então, em resoluções dos Tribunais de Justiça.

Muitas dessas remoções foram questionadas no CNJ sob o
argumento de que não teriam obedecido as regras do concurso público de provas e
títulos.

Os titulares que fizeram tais remoções defendem-se afirmando
que as leis estaduais não exigiam concurso público para as remoções e que isso
somente foi exigido com o art. 16 da Lei nº 8.935/94. Argumentam que não se
pode aplicar a Lei nº 8.935/94 de forma retroativa e que, como as remoções
seguiram as leis estaduais, elas devem ser mantidas em nome da segurança
jurídica.

O CNJ, por sua vez, argumenta que, mesmo antes da Lei nº
8.935/94 já se exigia concurso público para as remoções. Isso com base no § 3º do
art. 236 da CF/88. Logo, as leis estaduais que dispensavam concurso para a
remoção seriam ilegítimas porque contrárias ao texto constitucional.

Os titulares que fizeram a remoção não concordam com o CNJ e
reafirmam a tese de que o § 3º do art. 236 da CF/88 somente exige concurso
público para o ingresso e que ingresso é diferente de remoção.

Enfim, existem uma série de argumentos para os dois lados.

Qual é o novo capítulo desse enredo?

Foi editada a Lei nº 13.489/2017 “convalidando” as remoções
ocorridas antes da Lei nº 8.935/94 desde que:

• o titular que tenha sido removido tenha ingressado na sua
antiga serventia por meio de concurso público. Ex: em 1990, João passou em um
concurso público e foi investido no RCPN; em 1993 ele foi removido, sem
concurso público, para o RI.

• esta remoção tenha observado a legislação estadual vigente
naquele Estado-membro.

Veja o texto da Lei nº 13.489/2017:

Art. 1º Esta Lei resguarda as remoções
que obedeceram aos critérios estabelecidos na legislação estadual e na do
Distrito Federal até 18 de novembro de 1994.

Aqui temos uma falha da Lei nº 13.489/2017. Isso porque a
Lei nº 8.935 foi promulgada em 18 de novembro de 1994, mas somente entrou em
vigor em 21 de novembro de 1994. Logo, para cumprir seus pretendidos objetivos,
a Lei nº 13.489/2017 deveria ter resguardado as remoções ocorridas até
21/11/1994.

Art. 2º O art. 18 da Lei nº 8.935,
de 18 de novembro de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo
único:

Art. 18. (…)

Parágrafo único. Aos que ingressaram
por concurso, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, ficam preservadas
todas as remoções reguladas por lei estadual ou do Distrito Federal,
homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça, que ocorreram no período anterior
à publicação desta Lei.

Discussão sobre a constitucionalidade

Existe uma grande chance de a Lei nº 13.489/2017 ser
declarada inconstitucional. Isso porque o STF possui diversos julgados entendendo
que CF/88, desde o momento em que foi promulgada (05/10/1988), sempre exigiu
concurso público para a realização de remoções, sendo o § 3º do art. 231 uma
norma autoaplicável (norma de eficácia plena, que não depende de lei para
produzir todos os seus efeitos). Logo, todas as remoções realizadas após
05/10/1988 sem concurso público seriam inconstitucionais. Sendo inconstitucionais,
uma Lei federal não poderia, em tese, convalidar tais atos.

(…) Com o advento da Constituição de
1988, o concurso público é inafastável tanto para o ingresso nas serventias
extrajudiciais quanto para a remoção e para a permuta (dupla remoção
simultânea). Precedentes. 2. Reconhecida a ilegitimidade do ato, não é lícito
que o agravante permaneça como titular da serventia para a qual se removeu por
permuta. (…)

STF. 1ª Turma. MS 32123 AgR, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 24/02/2017.

(…) A Jurisprudência da Corte se
consolidou no sentido da autoaplicabilidade do art. 236, § 3º, da CF/88, e,
portanto, de que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é
inconstitucional o acesso a serviços notarial e de registro, inclusive por
remoção ou permuta, sem prévia aprovação em concurso público.

3. O Plenário do STF, em reiterados
julgamentos, assentou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 (cinco)
anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos
de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988,
sem o atendimento das exigências prescritas em seu art. 236.

4. Aplica-se a quem detém
interinamente a serventia extrajudicial a limitação do teto prevista no art.
37, XI, da Constituição. Precedentes. (…)

STF. 2ª Turma. MS 29083 ED-ED-AgR, Rel.
Min. Teori Zavascki, Relator(a) p/ Acórdão: 
Min. Dias Toffoli, julgado em 16/05/2017.

(…) O concurso público é providência
necessária tanto para o ingresso nas serventias extrajudiciais quanto para a
remoção e para a permuta (art. 236, § 3º, do CRFB/88). (…)

STF. Plenário. AR 2537 AgR, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 09/11/2016.

Uma última pergunta: existem algumas pessoas que fizeram remoção no
período entre a CF/88 e a Lei nº 8.935/94 e que, posteriormente, tiveram essa remoção
anulada por força de procedimento de controle administrativo do CNJ. Tais
titulares poderão se beneficiar com a Lei nº 13.489/2017?

Não. Isso porque a Lei nº
13.489/2017 previa expressamente que aqueles que enquadrassem nessa situação
poderiam retornar para a serventia para a qual foram removidos e posteriormente
destituídos. Ex: em 1994, titular do RCPN foi removido para o RI; em 2009, o
CNJ determinou que ele retornasse ao RCPN porque a remoção teria sido
irregular. A Lei nº 13.489/2017 tinha como intenção fazer com que esse
indivíduo voltasse novamente par ao RI com a convalidação da remoção. Isso estava
previsto no art. 3º da Lei nº 13.489/2017:

Art. 3º O disposto no parágrafo único
do art. 18 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, tem eficácia inclusive
para aqueles que, concursados e removidos até a edição daquela Lei, nos termos
da legislação estadual ou do Distrito Federal, foram ou forem, até a aprovação
desta Lei, destituídos da referida função.

Ocorre que esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da
República que apontou as seguintes razões:

“O dispositivo, se aplicado, implicaria a criação de um
cenário de instabilidade administrativa, afastando o mandamento constitucional
que abriga o princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado
de Direito e, assim, retirando a efetividade assegurada pela Constituição.”

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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