Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje mais uma emenda constitucional.
Trata-se da EC 91/2016, que estabelece a possibilidade,
excepcional e em período determinado, de desfiliação partidária, sem prejuízo
do mandato.
Antes de explicar o que previu a emenda, importante fazer
uma breve retrospectiva.
Filiação partidária

No Brasil, a pessoa só pode concorrer a um cargo eletivo se
ela estiver filiada a um partido político. Essa exigência está prevista no art.
14, § 3º, V, da CF/88.
Infidelidade partidária

Mesmo não havendo uma norma expressa na lei ou na CF/88
dizendo isso, o TSE e o STF, em 2007, decidiram que a infidelidade partidária
era causa de perda do mandato eletivo. Em outras palavras, o TSE e o STF
firmaram a tese de que, se o titular do mandato eletivo, sem justa causa, sair
do partido político no qual foi eleito, ele perderá o cargo que ocupa.
Vale lembrar que a perda do mandato em razão de mudança de
partido somente se aplica para os cargos eletivos proporcionais (Vereadores e Deputados). Essa sanção não vale para candidatos eleitos pelo
sistema majoritário (Prefeito, Governador, Senador e Presidente). Para maiores
informações, vide STF. Plenário. ADI 5081/DF, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 27/5/2015 (Info 787).
Resolução 22.610/2007-TSE

Como não havia lei disciplinando o tema, o TSE editou a
Resolução nº 22.610/2007 regulamentando as hipóteses e a forma como ocorre a
perda do mandato eletivo em caso de infidelidade partidária.
O art. 1º da Resolução reafirma a tese da infidelidade e
prevê que o partido político pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a
decretação da perda do cargo eletivo caso o ocupante do mandato, sem possuir
uma justa causa, desfilie-se do partido pelo qual foi eleito.
Lei nº 13.165/2015

Em 2015, o Congresso Nacional editou a Lei nº 13.165/2015,
que alterou a Lei nº 9.096/95 passando a tratar expressamente sobre o tema
“infidelidade partidária”. Veja o artigo que foi acrescentado:
Art. 22-A. Perderá o
mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do
partido pelo qual foi eleito.
Parágrafo único.
Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes
hipóteses:
I – mudança substancial ou
desvio reiterado do programa partidário;
II – grave discriminação
política pessoal; e
III – mudança de partido
efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação
exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao
término do mandato vigente.
Resumindo:

REGRA: o detentor de cargo
eletivo que, sem justo motivo, se desfiliar do partido político, perderá o
mandato.
JUSTA CAUSA
Hipóteses de justa causa
em que o político poderá sair do partido sem perder o cargo:
1) se o partido mudar
substancialmente ou se desviar reiteradamente do seu programa partidário;
2) caso o ocupante do
cargo sofra grave discriminação política pessoal; e
3) se a mudança de partido
for efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação
exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao
término do mandato vigente.
“Janela” para troca de partidos prevista na Lei n. 13.165/2015

Nesta terceira hipótese acima elencada, a Lei nº 13.165/2015
previu uma “janela” para a troca de partidos.
Se a pessoa quer concorrer a determinado cargo eletivo pelo
partido “X”, ela precisa estar filiada a esse partido no mínimo 6
meses antes das eleições. Ex: João, professor, quer se candidatar ao cargo de
Vereador nas eleições de 02/10/2016. Para tanto, ele precisará se filiar ao
partido político até, no máximo, 02/04/2016.
A Lei autorizou que a pessoa já titular do mandato eletivo
que quiser concorrer nas eleições que serão realizadas naquele ano poderá
deixar o partido e se filiar a outro sem que perca o mandato, bastando que faça
isso no período de 30 dias antes de terminar o prazo final para filiação
exigida em lei. Ex: Pedro, que já é Vereador (eleito pelo partido
“X”), deseja concorrer à reeleição nas eleições municipais de
02/10/2016. Ocorre que ele deseja sair do partido “X” e concorrer
pelo partido “Y”. A Lei nº 13.165/2015 acrescentou a possibilidade de
que ele saia do partido sem perder seu mandato de Vereador. Basta que faça a
troca um mês antes do término do prazo para filiação partidária, ou seja, no
período entre 7 e 6 meses antes das eleições. Em nosso exemplo, ele teria do
dia 02/03/2016 até 02/04/2016 para mudar de partido sem que isso implique a
perda do mandato.
O que fez a EC 91/2016?

Criou mais uma “janela” para que os políticos possam trocar
de partido sem perder o cargo que ocupam. Veja o que diz a emenda:
Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do
partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta
Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação
considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de
acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação.

Prazo até 19/03/2016

A EC 91/2016 foi promulgada ontem (18/02/2016). Isso
significa que os titulares de cargo eletivo proporcional terão até o dia
19/03/2016 para se desfiliarem do seu atual partido sem que percam o mandato.
Prazo é para desfiliação e não para nova filiação

Algo muito importante de ser ressaltado é que a EC
estabelece um prazo máximo para que o detentor de mandato eletivo se desfilie
do partido, mas não exige que haja uma nova filiação dentro deste mesmo prazo.
Ex: Deputado Federal “X” foi eleito pelo Partido
“A”. Com a “janela” da EC 91/2016, ele fica autorizado a se
desfiliar do Partido “A” até o dia 19/03/2016 sem que perca o mandato
eletivo. Não há necessidade de, neste prazo de 30 dias, ele já escolha outro
partido para se filiar. Poderá aguardar e se filiar somente depois de um tempo.
O prazo de 30 dias previsto na emenda é apenas para que ocorra a desfiliação.
Vale ressaltar, no entanto, que, se o político quiser concorrer
este ano nas eleições deverá se filiar a outro partido no prazo de até 6 meses
antes do pleito.
Essa desfiliação não será considerada para fins de distribuição dos
recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e TV

Em regra, o número de Deputados Federais que o partido
possui interfere no valor que será recebido a título de fundo partidário e no
tempo gratuito que cada agremiação terá no rádio e na TV. Em outras palavras,
quanto mais Deputados Federais o partido possuir, maior o dinheiro que ele terá
em seu fundo partidário e maior o tempo disponível para propaganda no rádio e
TV.
A EC 91/2016 autorizou que os políticos mudem de partido,
mas proibiu que eles “levem” para a outra agremiação os recursos do fundo partidário
e o tempo de rádio e TV.
Dessa forma, se, dentro da janela da EC 91/2016, o partido
“A” perdeu 10 Deputados Federais para o partido “B”, essa mudança não irá
interferir no cálculo do fundo partidário e do tempo de rádio e TV. O partido
“A” não irá perder nem o partido “B” irá ganhar mais recursos ou tempo de rádio
e TV.
Diferença entre as duas “janelas”

Alguns de vocês podem estar se perguntando por que a EC
91/2016 criou esta outra “janela” para troca de partido se já existia
aquela prevista pelo art. 22-A, parágrafo único, III, da Lei nº 9.096/95, acrescentada
pela Lei nº 13.165/2015. São situações diferentes que abrangem hipóteses
diversas. Vejamos:
Janela do
art. 22-A, p. ún, III da Lei 9.096/95

Janela da
EC 91/2016

Prevê
que o político poderá mudar de partido sem perder o cargo se fizer isso no último
ano de seu mandato e dentro do período de 30 dias que antecede o prazo de
filiação exigido em lei para concorrer à eleição.

Prevê
que, no período que vai de 19/02/2016 até 19/03/2016, o político detentor de
mandato eletivo poderá sair do partido pelo qual foi eleito sem perder o
mandato por infidelidade partidária.

Ex:
o prazo de filiação exigido em lei é de 6 meses antes das eleições. Isso
significa que 1 mês antes de terminar este prazo, o Deputado Federal poderá trocar
de partido para concorrer ao pleito em uma nova agremiação.

Ex:
João, Deputado Federal, foi eleito pelo partido “A”. Em 22/02/2016
ele pede a desfiliação deste partido. Se não fosse a EC 91/2016, ele perderia
o mandato, salvo se provasse uma justa causa para a saída. Com a EC 91/2016,
ele tem autorização para sair sem provar justa causa.

Vale
ressaltar que os Deputados não poderiam, em 2016, se valer da
janela do art. 22-A porque não é o último ano de seus mandatos.

Possui
natureza jurídica de “justa causa” para troca de partido.

Possui
natureza jurídica de autorização constitucional e temporária para a
desfiliação do partido pelo qual o político foi eleito.

Esta
regra é permanente e vale para todas as eleições que vierem no futuro.

Esta
regra é temporária e só vale até 19 de março de 2016. Depois, a EC 91/2016 terá
exaurida a sua eficácia.

Curiosidade

Como bem observado pelo amigo Nayron Toledo, a EC 91/2016
não altera nenhum dispositivo da Constituição Federal de 1988. É uma emenda constitucional
avulsa, algo inédito e, permita-me, esdrúxulo.
Talvez, o melhor, tecnicamente, teria sido a inclusão de um
artigo no ADCT da CF/88.
Assim, a EC 91/2016 é uma norma constitucional não prevista
no texto da Constituição Federal de 1988. Integra, contudo, o bloco de
constitucionalidade. De forma bem simplificada, bloco de constitucionalidade
significa que a Constituição pode ser formada não apenas pelos dispositivos que
estão ali expressamente escritos, mas também por outras normas não presentes no
texto, como, por exemplo, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949/2009).
Márcio André Lopes Cavalcante

Professor.
Juiz Federal.
Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do
Estado.

Artigo Original em Dizer o Direito

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