Obs: este post foi atualizado com base em uma decisão mais recente do STJ. Confira aqui.


Olá amigos do Dizer o Direito,
Hoje vamos tratar sobre um tema muito
interessante e que tem grandes repercussões práticas.
Imagine
a seguinte situação adaptada:
Em um processo cível, o juízo da
comarca “A” expediu uma carta precatória para que o juízo da comarca “B”
(pertencente a outro Estado da Federação) ouvisse uma testemunha que lá reside.
O juízo deprecado (juízo da comarca
“B”) ouviu a testemunha por meio de gravação audiovisual e devolveu a carta
precatória acompanhada de DVD contendo o depoimento.
O juízo deprecante (juízo da comarca
“A”), ao receber a carta, proferiu despacho determinando que esta retornasse ao
juízo deprecado com o objetivo de que lá (na comarca “B”) fosse feita a
degravação do depoimento prestado pela testemunha e, somente após isso, a carta
retornasse.
Em outras palavras, o juízo deprecante
afirmou que era uma obrigação do juízo deprecado transcrever, para o meio
físico (papel), o depoimento colhido por meio audiovisual.
O juízo deprecado não concordou.
Diante
desse impasse quanto ao cumprimento da carta precatória, o que poderá fazer o
juízo deprecado?
Suscitar conflito negativo de
competência. Isso porque a obrigação de ter que degravar ou não os depoimentos
colhidos é uma discussão relativa à amplitude da competência do juízo deprecado
no cumprimento de cartas precatórias. Logo, trata-se do debate de quem seria
competente para tal ato.
Quem
irá julgar esse conflito?
O Superior Tribunal de Justiça,
considerando que são juízes vinculados a tribunais diferentes (art. 105, I,
“d”, CF/88).
De quem é a responsabilidade pela degravação dos
depoimentos?
Do juízo
DEPRECANTE. Foi o que decidiu a 1ª Seção do STJ no julgamento do CC 126.770-RS,
Rel. Min. Sérgio Kukina, em 8/5/2013.
Em verdade, não existe regra específica
na legislação processual civil determinando de quem seja a responsabilidade
pela degravação de depoimento colhido através de carta precatória.
Diante dessa lacuna, para decidir o
conflito, o Min. Relator valeu-se da Resolução 105/2010 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), que disciplinou, no âmbito do processo penal, sobre a “documentação
dos depoimentos por meio de sistema audiovisual e realização de interrogatório
e inquirição de testemunha por videoconferência”.
Apesar de se tratar de uma
regulamentação específica para o processo penal, o Ministro entendeu que
poderia ser também aplicada, por analogia, ao processo civil.
Segundo a Resolução 105/2010-CNJ, “caracteriza
ofensa à independência funcional do juiz de primeiro grau a determinação, por
magistrado integrante do Tribunal, da transcrição de depoimentos tomadas pelo
sistema audiovisual
”.
Em outros termos, o CNJ afirmou que o
Tribunal não poderá determinar que o juízo de 1º grau faça a transcrição dos
depoimentos prestados pelo sistema audiovisual.
Veja uma decisão do CNJ que espelha
esse entendimento:
(…) Caracteriza ofensa à
independência funcional do juiz de primeiro grau a determinação, por magistrado
de segundo grau, da transcrição de depoimentos tomados pelo sistema
audiovisual, seja em processos em grau de recurso, seja em processos de
competência originária do Tribunal.
2. A transcrição da gravação da
audiência configura faculdade, e não dever do magistrado. Se o desembargador
defere o pedido de transcrição requerido pelo MP, deve disponibilizar sua
própria equipe técnica para o desempenho da tarefa, e não obrigar o magistrado
de 1º grau a fazê-lo. (…)
(CNJ – PP – Pedido de Providências –
Conselheiro – 0001602-36.2012.2.00.0000 – Rel. NEY JOSÉ DE FREITAS – 149ª
Sessão – j. 19/6/2012)
Ora, se nem mesmo o Tribunal tem o
poder de obrigar que o juiz faça a transcrição dos depoimentos colhidos por
meio audiovisual, com maior razão não poderá um juiz de igual estatura
hierárquica (juízo deprecante) ordenar que o juízo deprecado proceda à
degravação.
Em regra, “os depoimentos documentados por meio audiovisual não precisam de
transcrição”
(art. 2º da Resolução 105/2010). Isso porque exigir que haja
sempre a degravação provocará o fim das vantagens do sistema audiovisual, tendo
em conta que, segundo estudos realizados pelo CNJ, “para cada minuto de gravação leva-se, no mínimo, 10 (dez) minutos para
a sua degravação
” (texto da Resolução).
Se o juiz não se acostuma ou não gosta
de analisar os depoimentos em meio audiovisual, ele tem o direito de fazer a
degravação, no entanto, isso tem que ocorrer por conta própria, não podendo
obrigar o juízo deprecado a fazê-lo. Essa é a ideia constante do parágrafo
único do art. 2º da Resolução 105/2010 do CNJ:
Parágrafo único. O magistrado, quando
for de sua preferência pessoal, poderá determinar que os servidores que estão
afetos a seu gabinete ou secretaria procedam à degravação, observando, nesse
caso, as recomendações médicas quanto à prestação desse serviço.
Finaliza o Min. Sérgio Kukina
afirmando:
“Mais não
é preciso dizer, restando claro que, se o juízo deprecante assim o desejar,
deverá ele mesmo tomar a iniciativa de, em seu próprio reduto de trabalho,
implementar as providências necessárias à indigitada degravação, sem que se
onere o juízo deprecado com essa adicional e desgastante tarefa.”
Apenas para complementar a informação,
vale ressaltar que, no âmbito do processo penal, existe uma previsão específica
no § 2º do art. 405 do CPP dispensando expressamente a transcrição caso o
depoimento tenha sido colhido meio audiovisual. Confira:
§ 1º Sempre que possível, o registro
dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito
pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica
similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das
informações. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008).
§ 2º No
caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do
registro original, sem necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008).
Assim, com maior razão, no caso
do processo penal, se o juízo deprecado tiver colhido o depoimento por meio
audiovisual, ele não tem o dever de degravar o conteúdo, podendo simplesmente
devolver a carta acompanhada do CD ou DVD com a filmagem.
De igual modo, as partes (MP ou
defesa) não podem exigir do juízo que faça a transcrição considerando que o
registro audiovisual é plenamente válido por si só, dispensada a degravação.

Artigo Original em Dizer o Direito

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