Imagine a seguinte situação hipotética:
João celebra contrato de promessa de compra
e venda de um apartamento com determinada construtora.

Uma das cláusulas do contrato, intitulada
“Distrato” possuía a seguinte redação:

“7.1. Nas hipóteses de rescisão,
resolução ou distrato da presente promessa de compra e venda o promitente
vendedor poderá reter até 80% do valor pago pelo promitente comprador, a título
de indenização, sendo restituído o restante.”

Essa cláusula é válida?

NÃO. É abusiva a
cláusula de distrato, fixada no contrato de promessa de compra e venda
imobiliária, que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover
a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo
consumidor distratante.

STJ. 4ª Turma.
REsp 1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.

Explico melhor.

O art. 53 do CDC veda a retenção
integral das parcelas pagas:

Art. 53. Nos contratos de compra e
venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas
alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as
cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor
que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada
do produto alienado.

Desse modo, o art. 53 do CDC afirma que
é nula de pleno direito a cláusula de decaimento.

O que é cláusula de decaimento?

Cláusula de decaimento é aquela que
estabelece que o adquirente irá perder todas as prestações pagas durante o
contrato caso se mostre inadimplemente ou requeira o distrato.

Devolução de uma parte ínfima das
prestações pagas

Como o CDC foi expresso ao proibir a
retenção integral do valor pago pelo adquirente, as construtoras passaram a tentar
burlar essa vedação legal e começaram a prever que, em caso de distrato, seria
feita a devolução das parcelas pagas, fazendo-se, contudo, a retenção de
determinados valores a título de indenização pelas despesas experimentadas pela
construtora.

Ocorre que diversos contratos previram
que essa devolução seria de valores ínfimos, ou seja, muito pequenos, ficando a
construtora com a maior parte da quantia já paga pelo adquirente.

Essa prática também foi rechaçada pela
jurisprudência.

Assim, a devolução de uma parte ínfima
das prestações também é vedada pelo CDC por colocar o consumidor em uma
situação de desvantagem exagerada:

Art. 51. São nulas de pleno direito,
entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:

IV – estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Mas a construtora poderá reter, em caso
de distrato, uma parte do valor que já foi pago pelo adquirente?

SIM. O STJ entende que é justo e
razoável que o vendedor retenha parte das prestações pagas pelo consumidor como
forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas
administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e
corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e
a eventual utilização do bem pelo comprador.

A jurisprudência normalmente considera
razoável a retenção, pelo promitente vendedor, de um percentual que varia de
10% a 20% dos valores já pagos, devendo o restante ser devolvido ao promitente
comprador.

(…) É entendimento pacífico nesta
Corte Superior que o comprador inadimplente tem o direito de rescindir o
contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e, consequentemente, obter
a devolução das parcelas pagas, mostrando-se razoável a retenção de 20% dos
valores pagos a título de despesas administrativas (…)

(RCDESP no AREsp 208.018/SP, Rel. Min.
Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 16/10/2012)

Artigo Original em Dizer o Direito

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