Dois que se tornam um: entenda o que acontece quando partidos decidem se fundir ou incorporar outra legenda

Atualmente, existem 33 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 97/2017, que introduziu a cláusula de desempenho (ou de barreira), esse número tende a diminuir. As legendas que não alcançarem o desempenho mínimo nas urnas poderão se fundir a outras agremiações com linha ideológica semelhante ou poderão ser incorporadas por outros partidos.

A cláusula de barreira passou a ser aplicada a partir das Eleições Gerais de 2018. Ela normatizou o acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Para aquele ano, foi exigido o mínimo de 1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas, ou, então, a eleição de pelo menos nove deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados. Esse parâmetro não é fixo: ele será reajustado de forma escalonada até atingir o ápice nas Eleições de 2030.

Sobrevivência e fortalecimento

A fusão e a incorporação de partidos estão previstas na Lei nº 9.096/1995, a chamada Lei dos Partidos Políticos. No artigo 29, a norma determina que os diretórios nacionais das legendas são livres para deliberar a fusão a uma ou mais siglas ou, ainda, a incorporação à outra, desde que visando respeitar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Para se fundirem ou incorporarem outros partidos, as agremiações políticas precisam estar regularmente registradas no TSE há, pelo menos, cinco anos.

Os votos para a Câmara dos Deputados dos partidos que se fundirem ou incorporarem, obtidos na última eleição geral, são somados para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial para Financiamento de Campanhas (FEFC), bem como do acesso gratuito ao rádio e à televisão. E, no que diz respeito aos direitos e deveres – inclusive em relação à prestação de contas – dos partidos fundidos ou incorporados, eles passam para a legenda que surgir a partir da fusão ou para a legenda incorporadora.

Os eleitos em cargos proporcionais que desejarem trocar de partido para se filiarem à nova agremiação política criada a partir de uma fusão, ou ao partido que incorporou outro, deverão fazê-lo durante a chamada “janela partidária”. Prevista no artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos, ela estabelece o prazo de 30 dias, nos seis meses que antecedem uma eleição geral – no caso de deputados federais, estaduais e distritais – ou uma eleição municipal – no caso de vereadores – para que os parlamentares troquem de legenda sem correr o risco de perder os respectivos mandatos.

“A criação de um novo partido deixou de ser considerada como justa causa para a migração de legendas, e os eleitos por outros partidos somente podem deixar as siglas pelas quais concorreram dentro da janela partidária”, explica o advogado eleitoralista e ex-ministro do TSE Henrique Neves.

Para o cientista político João Beato, são três as principais motivações que levam partidos políticos a buscarem uma fusão ou incorporação: a sobrevivência, em face da cláusula de barreira; a busca pelo fortalecimento de uma agenda política comum; e a coincidência de linhas programáticas e ideológicas que tornem redundante a existência de dois partidos distintos.

Recentemente, o TSE aprovou a incorporação do Partido Republicano Progressista (PRP) ao Patriota, do Partido Pátria Livre (PPL) ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) ao Podemos (Pode). Contudo, fusões de legendas são mais raras. Houve algumas nos anos 1980 e 1990, mas, nos últimos 20 anos, foi feita apenas a fusão entre o Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona) e o Partido Liberal (PL), que inicialmente gerou o Partido da República (PR), porém mais tarde a nova legenda voltou a adotar o nome Partido Liberal (PL).

Fusão de partidos políticos

Uma fusão de partidos se inicia quando os respectivos órgãos de direção elaboram projetos comuns de estatuto e programa. Depois disso, os órgãos nacionais de deliberação das legendas envolvidas se reúnem para eleger, por maioria absoluta, o diretório nacional conjunto, que promoverá o registro simultâneo do estatuto da nova agremiação no Cartório de Registro Civil e no TSE.

Para se fundirem, os partidos originários precisam ser extintos, e uma nova legenda é criada, cadastrando-se novo nome, nova sigla e novo número. Quando é deferido o registro da agremiação, são cancelados, de ofício, os registros dos órgãos de direção estaduais e municipais dos partidos políticos que se fundiram. Com a extinção dos partidos originários, as respectivas dívidas ou compromissos financeiros são liquidados pelos diretórios nacional, estaduais e municipais, nos termos das normas de extinção de legendas.

Incorporação

Um partido que deseje ser incorporado deve deliberar pela adoção do estatuto e do programa de outra agremiação. Essa decisão deve ser tomada pela maioria absoluta de votos do órgão de direção nacional. Uma vez que o partido a ser incorporado adota o estatuto e o programa da legenda incorporadora, os respectivos órgãos nacionais se reúnem em conjunto para eleger novo diretório nacional. A incorporação não pressupõe a mudança do nome, da sigla ou do número do partido incorporador.

A incorporação se concretiza quando o instrumento de incorporação é averbado no Cartório de Ofício de Registro Civil e no TSE. Assim, o registro do partido incorporado é cancelado, e ele deixa de existir.

Negociação e resistências

João Beato afirma que a fusão e a incorporação de partidos políticos passam por um longo processo de negociação, em que se manifestam não só os respectivos diretórios nacionais, mas também as esferas estaduais e municipais das siglas. Esse processo envolve concessões e acomodações de interesses da parte de todas as instituições interessadas, a partir das esferas municipais até chegar aos órgãos de direção nacionais. E a voz da militância tem um grande peso nesse processo – já houve processos de aproximação de legendas que foram interrompidos porque militantes não estavam de acordo.

Na opinião do cientista político, o instituto das federações partidárias – incluído no projeto do novo Código Eleitoral que tramita no Congresso Nacional – poderá servir como um “balão de ensaio” para futuras fusões ou incorporações. “O processo de federação já impõe que as legendas envolvidas atuem como um partido único, tanto na eleição quanto ao longo de toda a legislatura. Isso pode ser como um namoro que pode culminar num casamento”, avalia.

RG/LC, DM

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