O caso concreto foi o seguinte:

No Estado de Sergipe foram
editadas leis criando, no âmbito do Tribunal de Contas, os cargos em comissão
de “coordenadores”.

Ocorre que foram atribuídos a
esses cargos determinadas funções que se constituem nas atividades finalísticas
de controle externo do Tribunal de Contas, como, por exemplo, as atividades de
“encerrar a instrução processual e aprovar as informações técnicas constantes
nos autos”.

Antes das leis, essas atividades
eram desempenhadas apenas pelos ocupantes de cargos efetivos (Analistas de
Controle Externo I e II). Depois, passaram a poder ser exercidas também pelos
ocupantes dos cargos de coordenadores (cargos em comissão).

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos
Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) ajuizou ADI contra essas leis argumentando
que seriam inconstitucionais porque violariam os requisitos que o STF impôs
para a criação de cargos em comissão, a partir da interpretação do art. 37, V,
da CF/88:

Art. 37 (…)

V – (…) os cargos em comissão (…)
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 

O STF concordou com o pedido
formulado na ADI? As leis impugnadas foram julgadas inconstitucionais?

SIM.

 

Em primeiro lugar, é
importante entender como é a jurisprudência do STF a respeito da
constitucionalidade dos cargos em comissão

A Constituição Federal trata
sobre o regime jurídico aplicável à Administração Pública e impõe, como regra,
o concurso público como forma de resguardar o interesse público, a isonomia e a
eficiência na formação de seus quadros de pessoal. São princípios e regras
derivados do princípio republicano na gestão pública.

Os cargos em comissão, por sua
vez, representam exceção à regra e devem ter suas atribuições adequadas ao
princípio da livre nomeação e investidura, bem como ao vínculo de confiança
entre os seus ocupantes e aqueles que o nomeiam.

O art. 37, V, da CF/88 prevê que
os cargos de comissão devem ser destinados apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento, guardando proporcionalidade em relação aos cargos
efetivos.

A partir dessas premissas, o STF,
ao analisar o Tema 1010, afirmou que a criação de cargos em comissão é exceção
à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou
provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais
para sua instituição. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes teses:

a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o
exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao
desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;

b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança
entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;

c) o número de cargos
comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles
visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente
federativo que os criar; e

d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas,
de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.

STF. Plenário. RE 1041210 RG, Rel. Dias Toffoli, julgado em
27/09/2018 (Repercussão Geral – Tema 1010).

 

O STF teve a oportunidade de reapreciar
o assunto recentemente, fixando as seguintes teses:

I – No julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta para questionar a validade de leis que criam cargos em comissão, ao
fundamento de que não se destinam a funções de direção, chefia e
assessoramento, o Tribunal deve analisar as atribuições previstas para os
cargos.

II – Na fundamentação do julgamento, o Tribunal não está
obrigado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de cada cargo criado,
individualmente.

STF. Plenário. RE 719870/MG, rel. orig. Min. Marco, red. p/ o
ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2020 (Repercussão Geral – Tema
670) (Info 994).

 

No caso concreto, as leis
impugnadas atenderam aos critérios fixados pelo STF?

NÃO. A Lei sergipana não traz a
descrição das atribuições específicas de alguns cargos de coordenador, como é o
caso do coordenador jurídico. Ocorre que essa é uma exigência imposta pelo STF
na letra “d” da tese fixada no Tema 1010: “as atribuições dos cargos em
comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que
os instituir.”

No julgamento da Repercussão Geral, essa exigência foi assim
fundamentada no voto condutor, da lavra do Min. Dias Toffoli:

“Por fim, urge
que as atribuições dos cargos estejam previstas na própria lei que os criou, de
forma clara e objetiva, não havendo a possibilidade de que sejam fixadas
posteriormente.

É certo que do
nome do cargo não exsurge o plexo de atribuições correspondentes, as quais
podem conter atividades típicas de cargo comissionado e outras meramente
técnicas, a depender do que dispuser a lei. Daí ser imprescindível que a lei
que cria o cargo em comissão descreva as atribuições a ele inerentes,
evitando-se termos vagos e imprecisos.

De fato,
somente com a descrição das atribuições dos cargos comissionados na própria lei
que os institui é possível verificar o atendimento do art. 37, inciso V, da
CF/88.”

 

Em
outros casos, a lei estadual conferiu a determinados cargos em comissão (como o
de coordenador de unidade orgânica do Tribunal) atribuições de Estado
exclusivas de cargo de provimento efetivo integrante do quadro próprio do
TCE/SE, em violação aos arts. 37, II e V, e também aos arts. 71, 73 c/c 96, I,
“a”, da CF/88.

 

Em suma:

É
inconstitucional a criação de cargos em comissão sem a devida observância dos
requisitos indispensáveis fixados pelo STF.

STF.
Plenário. ADI 6655/SE, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/5/2022 (Info 1053).

 

Dispositivo

Ante o exposto, o STF julgou
procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade material do art. 9º,
caput, e §3º da LCE 232/2013, na redação dada pelo art. 1º da LCE 256/2015 e
dos arts. 17, §3º, 19, §§ 5º e 6º, 27 e, parcialmente, do art. 34, em relação à
criação de um cargo de coordenador adjunto, símbolo CCE-03, e quatro dos seis
cargos de coordenador, símbolo CCE-02, da LCE 204/2011, do Estado de Sergipe,
com eficácia ex nunc a contar da publicação da ata de julgamento.

 

Modulação dos efeitos

Por
razões de segurança jurídica, a fim de preservar os atos praticados pelos
servidores ocupantes dos cargos comissionados questionados, assim como o
período em que estiveram prestando serviços à Administração, o STF declarou a
inconstitucionalidade com eficácia ex
nunc
(a contar da
publicação da ata de julgamento).

Artigo Original em Dizer o Direito

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