É possível que o juiz realize a emendatio libelli no momento do recebimento da denúncia ou queixa?



Olá amigos do Dizer o Direito,
Sabemos que estão ansiosos pela
publicação dos novos Informativos, mas enquanto isso não ocorre, vamos tratar
hoje sobre mais um interessante tema de Direito Processual Penal.
A questão é a seguinte:
Se
o magistrado entender que a classificação do crime feita na denúncia ou queixa
foi incorreta, ele poderá receber a peça, alterando, contudo, a capitulação
jurídica dos fatos?
Vamos por partes:
Oferecimento
da denúncia ou queixa (art. 41 do CPP):
O Ministério Público ou o querelante, ao
oferecer a denúncia ou a queixa, deverá:
a) Fazer a qualificação do acusado (nome, nacionalidade, estado civil, profissão,
endereço)
;
b) Expor o fato criminoso, com todas as
suas circunstâncias (ex: no dia 10/10/2010, às 10h, na rua 10, do
Bairro Parque 10, na cidade de Manaus/AM, o acusado subtraiu para si um
relógio, marca X…, de propriedade da vítima X…, agindo com destreza, uma
vez que…);
c) Classificar qual foi o crime narrado
(ex: diante disso, o denunciado praticou
o crime de furto qualificado mediante destreza, delito previsto no art. 155, §
4º, II, do Código Penal);
d) Arrolar testemunhas (se necessário).
Posturas
do juiz diante da denúncia ou queixa:
a) REJEITAR a denúncia ou queixa, nos
casos do art. 395 do CPP:
Art.
395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I
– for manifestamente inepta;
II
– faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III
– faltar justa causa para o exercício da ação penal.
b) RECEBER a denúncia ou queixa caso
não se verifique nenhuma das hipóteses do art. 395.
Juiz
discorda da classificação do crime
Se
o magistrado entender que a classificação do crime feita na denúncia ou queixa foi
incorreta, ele poderá receber a peça, alterando, contudo, a capitulação
jurídica dos fatos?
(ex:
juiz considera que, pela narrativa dos fatos, não houve furto, mas sim roubo).
Regra geral: NÃO,
considerando que o momento adequado para isso é na prolação da sentença.
STJ: “havendo erro na correta tipificação
dos fatos descritos pelo órgão ministerial, ou dúvida quanto ao exato enquadramento
jurídico a eles dado, cumpre ao togado receber a denúncia tal como proposta, para
que, no momento que for prolatar a sentença, proceda às correções necessárias.”
(RHC 27.628-GO).
STF: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento
da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição
jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no
momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal
assim o
indicar.” (HC 87.324-SP)
Exceção: a
doutrina e a jurisprudência têm admitido em determinados casos a correção do
enquadramento típico logo no ato de recebimento da denúncia ou queixa, mas
somente para beneficiar o réu ou para permitir a correta fixação da competência
ou do procedimento a ser adotado.
Ex: MP denuncia o réu por furto
qualificado (art. 155, § 4º, II, do CP). O juiz, analisando a denúncia, percebe
que, pelos fatos narrados, aquela conduta se amolda ao tipo do estelionato (art.
171, caput, do CP). Nesse caso, o magistrado poderia, ao receber a denúncia, desde
já fazer a desclassificação para estelionato, ao invés de aguardar pela sentença,
porque isso possibilitará que o acusado tenha direito à suspensão condicional
do processo, cabível no caso de estelionato (cuja pena mínima é igual a 1 ano),
mas impossível na hipótese de furto qualificado (pena mínima de 2 anos).
Resumindo:
É possível que o juiz, no ato de recebimento da denúncia
ou queixa,
altere a classificação jurídica do crime?
Regra
geral:
NÃO
O
momento adequado para a emendatio
libelli
é a sentença.
Exceção: será permitida a correção do
enquadramento típico logo no ato de recebimento, se for para:
·        
para beneficiar o réu; ou
·        
para permitir a correta fixação da competência ou do
procedimento a ser adotado.
Se for para prejudicar o réu (ex:
receber por crime mais grave, com a finalidade de evitar que fosse
reconhecida a ocorrência da prescrição do crime pelo qual o MP denunciou o
acusado): NÃO é possível porque haveria violação ao princípio dispositivo,
desrespeito à titularidade da ação penal e antecipação do julgamento do
mérito do processo.
A 5ª Turma do STJ decidiu dessa forma
recentemente:
RHC 27.628-GO, Rel. Min. Jorge Mussi,
julgado em 13/11/2012.
Emendatio e mutatio libelli
Desse modo, em
regra, caso o juiz não concorde com a classificação jurídica feita na denúncia
ou queixa, ele deverá aguardar a realização de toda a instrução processual e,
ao final, na sentença, fazer a desclassificação do crime. A isso dá-se o nome
de emendatio libelli. Vamos relembrar
as principais características desse instituto e suas diferenças em relação à
mutatio libelli:
EMENDATIO LIBELLI
MUTATIO LIBELLI
Quando ocorre
Ocorre quando o juiz, ao condenar ou
pronunciar o réu, altera a definição jurídica (a capitulação do tipo penal) do
fato narrado na peça acusatória, sem, no entanto, acrescentar qualquer circunstância
ou elementar que já não estivesse descrita na denúncia ou queixa.
Quando ocorre
Ocorre quando, no curso da instrução
processual, surge prova de alguma elementar ou circunstância que não havia
sido narrada expressamente na denúncia ou queixa.
Requisitos
1)     
Não é acrescentada nenhuma circunstância ou elementar ao
fato que já estava descrito na peça acusatória.
2)     
É modificada a tipificação penal.
Requisitos
1)     
É acrescentada alguma circunstância ou elementar que não estava
descrita originalmente na peça acusatória e cuja prova surgiu durante a instrução.
2)     
É modificada a tipificação penal.
Exemplo
O MP narrou, na denúncia, que o réu,
valendo-se de fraude eletrônica no sistema da internet banking, retirou dinheiro da conta bancária da vítima, imputando-lhe
o crime de estelionato (art. 171 do CP). O juiz, na sentença, afirma que, após
a instrução, ficou provado que os fatos ocorreram realmente na forma como
narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configura furto mediante
fraude (art. 155, § 4º, II, do CP).
Exemplo
O MP narrou, na denúncia, que o réu praticou
furto simples (art. 155, caput, do CP). Durante a instrução, os depoimentos
revelaram que o acusado utilizou-se de uma chave falsa para entrar na furtada.
Com base nessa nova elementar, que surgiu em consequência de prova trazida durante
a instrução, verifica-se que é cabível uma nova definição jurídica do fato, mudando
o crime de furto simples para furto qualificado (art. 155, § 4º, III, do CP).
Previsão legal
Prevista nos arts. 383, caput, e 418 do
CPP:
Art.
383.  O juiz, sem modificar a descrição do
fato
contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição
jurídica diversa
(leia-se: mudar a capitulação penal), ainda que, em consequência, tenha de
aplicar pena mais grave.
Previsão legal
Prevista no art. 384 do CPP:
Art.
384.  Encerrada a instrução probatória,
se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de
prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não
contida na acusação
, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou
queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido
instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o
aditamento, quando feito oralmente.
Procedimento
Se o juiz, na sentença, entender que é
o caso de realizar a emendatio libelli,
ele poderá decidir diretamente, não sendo necessário que ele abra vista às
partes para se manifestar previamente sobre isso.
Tal se justifica porque no processo
penal o acusado se defende dos fatos e como os fatos não mudaram, não há
qualquer prejuízo ao réu nem violação ao princípio da correlação entre acusação
e sentença.
Procedimento
1)     
Se o MP entender ser o caso de mutatio libelli, ele deverá aditar a
denúncia ou queixa no prazo máximo de 5 dias após o encerramento da instrução;
2)     
Esse aditamento pode ser apresentado oralmente na audiência
ou por escrito;
3)     
No aditamento, o MP poderá arrolar até 3 testemunhas;
4)     
Será ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 dias.
Nessa resposta, além de refutar o aditamento, a defesa poderá arrolar até 3
testemunhas;
5)     
O juiz decidirá se recebe ou rejeita o aditamento;
6)     
Se o aditamento for aceito pelo juiz, será designado dia e
hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo
interrogatório do acusado e realização de debates e julgamento.
Obs: se o órgão do MP, mesmo surgindo
essa elementar ou circunstância, entender que não é caso de aditamento, e o
juiz não concordar com essa postura, aplica-se o art. 28 do CPP.
Espécies de ação penal em que é cabível:
• Ação
penal pública incondicionada;
• Ação
penal pública condicionada;
• Ação
penal privada.
Espécies de ação penal em que é cabível:
• Ação penal
pública incondicionada;
• Ação penal
privada subsidiária da pública.
Obs: somente o
MP pode oferecer mutatio.
Emendatio libelli em grau de recurso:
É possível que o tribunal, no
julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli, desde que não ocorra reformatio in pejus (STJ HC 87984 / SC).
Mutatio libelli em grau de recurso:
Não é possível, porque se o Tribunal,
em grau de recurso, apreciasse um fato não valorado pelo juiz, haveria
supressão de instância.
Nesse sentido é a Súmula 453-STF.
Para maiores informações:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de
Processo Penal. Vol. II. Niterói : Impetus, 2012.

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