O Seminário sobre Hermenêutica Constitucional e Direito Social, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), reuniu na sexta-feira (25) especialistas que apresentaram pontos de vista diversos sobre a matéria. No encerramento, o diretor da Enamat, ministro Vieira de Mello Filho, ressaltou que o evento serviu para promover reflexões sobre o trabalho do juiz. “O seminário procurou não chegar com aquela matéria-prima pronta para ser aplicada”, observou. “Temos de saber como aplicar, qual é o nosso papel e quais são os valores que devem sustentar nossa função jurisdicional. Todos os palestrantes disseram isso de forma bastante severa”.
Juiz “boca da lei” e juiz hermeneuta
O primeiro conferencista do dia foi o professor uruguaio Mario Garmendia Arigón. Ele explicou que o personagem do “juiz boca de lei”, criado pelo filósofo francês Montesquieu em sua obra “O Estado de Direito”, parte do princípio de que toda autoridade deve estar imprescindivelmente submetida às regras da lei. Segundo Arigón, a expressão diz respeito à necessidade de um “juiz inanimado, braço da lei”, para fazer frente às ideias jurídicas da época do Iluminismo. O juiz hermeneuta, por outro lado, é aquele que tem a capacidade de interpretar as leis, aplicando a lógica de que uma sentença é a criação de uma inteligência e da vontade.
Para o jurista, negar a atuação do juiz hermeneuta é querer ver a lei como uma obra perfeita, fechada e completa, que a atuação humana somente poderá piorar. O que se espera é que esse juiz aplique a lei sempre que ela se encontrar em harmonia com o resto do sistema jurídico, “de forma ativa, com lucidez e, sobretudo com entusiasmo e confiança no direito, afastando-se do desassossego, da desesperança, do tédio e da monotonia”.
Democracia frágil
“A importância do Judiciário na tutela dos direitos sociais numa democracia frágil” foi o tema abordado pelo professor Georges Abboud, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de Brasília. O professor procurou demonstrar que, numa democracia frágil como a brasileira, o Judiciário é um importante instrumento garantidor de direitos fundamentais e da dignidade humana. “Nessa democracia, as rupturas institucionais podem ocorrer o tempo todo, enquanto na democracia forte há alternância de poderes”, definiu.
Abboud ressaltou que, no pacto de 1988, a sociedade brasileira estabeleceu direitos sociais trabalhistas como direitos fundamentais, e optou por consolidar um ramo especializado para tratar esses direitos. “A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário cuja função precípua é a proteção e a manutenção dessa conquista civilizatória que são os direitos fundamentais trabalhistas”, afirmou. Para o professor, a Justiça do Trabalho deve agir contramajoritariamente em relação à Reforma Trabalhista, ainda que o STF não declare em abstrato a inconstitucionalidade de alguns de seus pontos.
Sistema de precedentes
Convidado para tratar do tema Tutela constitucional do processo e direitos sociais, o pós-doutor Daniel Mitidiero, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, focou sua palestra no sistema de precedentes. “O que se faz em juízo tem valor normativo diferente da lei, porque é feito a partir do caso concreto, e diferente do processo legislativo, porque depende de justificação”, assinalou.
Ao analisar o papel do sistema de precedentes no Judiciário brasileiro, Mitidiero ressaltou que não se trata de um problema da Justiça do Trabalho, como faz crer a Reforma Trabalhista. “É um problema do sistema jurídico brasileiro”, afirmou. Para o jurista, trata-se de uma maneira racional de organizar o problema da administração judiciária. “A garantia de coerência é a garantia de igualdade para que tenhamos condições de manejar de maneira apropriada os instrumentos que vão viabilizar que o TST, por exemplo, consiga de fato implementar um juízo de transcendência, ao escolher casos com valor paradigmático, para julgar a partir deles”, concluiu.
Paradoxo
Ao abrir, no período da tarde, o Seminário sobre Hermenêutica Constitucional no TST, o presidente da mesa, ministro Alberto Bresciani, falou do momento de crise vivido no Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho. “Enfrentamos um paradoxo, que contrapõe, de um lado, as regras recentes que alteram o eixo axiológico do Direito do Trabalho e, de outro, a nossa população majoritariamente carente, nossos trabalhadores carentes, desassistidos e deseducados”.
Desigualdades
A professora Aldacy Rachid Coutinho, doutora e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez a conferência de encerramento do seminário, com o tema “Hermenêutica Constitucional, Direitos Sociais e a visão do Supremo Tribunal Federal (STF)”. Ela afirmou que o mero registro dos direitos sociais como direitos fundamentais na Constituição não é suficiente para superar o problema da desigualdade, cuja solução passaria também pela responsabilidade do juiz ao interpretar as normas. Aldacy entende que a hermenêutica precisa ser aplicada para proibir o retrocesso social, diante de interesses políticos e econômicos.
Ao encerrar sua apresentação, a professora fez críticas a diversas decisões do STF no âmbito do Direito do Trabalho. “O Supremo deve interpretar as normas e os fatos em julgamento conforme os parâmetros constitucionais que se colocam como pacto social, como expressão do povo brasileiro, que, por meio dessa ordem jurídica, apostou em justiça social e erradicação da pobreza”, concluiu.
(DA, MC, LT, GS/CF)
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