Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um tema muito relevante e extremamente polêmico.

Trata-se de um homicídio ocorrido em São Paulo e que causou grande comoção nacional. 

A vítima foi uma jovem estudante e o autor do ato infracional um adolescente.

Quando terminou o prazo de internação da medida socioeducativa (3 anos), discutiu-se se seria possível, de algum modo, mantê-lo segregado considerando que, segundo os laudos psiquiátricos, ele apresentaria uma doença mental e uma agressividade acentuada e, na visão dos peritos, poderia vir a praticar novos crimes.

Vejam abaixo o caso com maiores detalhes e o que foi decidido:
Imagine a seguinte situação adaptada:

João, com 17 anos de idade, praticou
estupro e homicídio, tendo recebido, como medida socioeducativa, internação por
prazo indeterminado.

Após cumprir a internação por três anos
ininterruptos, o juiz decidiu extinguir a internação, conforme determina o art.
121, §§ 3º e 4º do ECA:

Art. 121 (…)

§ 3º Em nenhuma hipótese o período
máximo de internação excederá a três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no
parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de
semi-liberdade ou de liberdade assistida.

Diante desse cenário e a fim de evitar
que João fosse solto, o Ministério Público ajuizou ação civil de interdição em face de João, cumulada com pedido
de internação
psiquiátrica compulsória
.

O juiz concedeu a tutela antecipada e
João foi internado em um hospital psiquiátrico.

Atuando em favor de João, a Defensoria
Pública impetrou habeas corpus contra
essa decisão alegando, dentre outros argumentos, que não há em nosso Direito,
nenhum dispositivo legal que autorize a prisão de doente ou deficiente mental
em processo civil de interdição.

A questão chegou até o STJ. Vejamos os
principais pontos decididos:

É possível a impetração de habeas
corpus para questionar internação decretada em ação civil de interdição?

SIM. É cabível a impetração de habeas
corpus para reparar suposto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção
decorrente de decisão proferida por juízo cível que tenha determinado, no
âmbito de ação de interdição, internação compulsória.

A hipótese de determinação de
internação compulsória, embora em decisão proferida por juízo cível,
apresenta-se capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento ilegal à
liberdade de locomoção, justificando, assim, o cabimento do remédio
constitucional, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF/88.

O STJ manteve a decisão do juiz que
decretou a internação de João?

SIM. Segundo decidiu o STJ, é possível
determinar, no âmbito de ação de interdição, a internação compulsória de quem
tenha acabado de cumprir medida socioeducativa de internação, desde que
comprovado o preenchimento dos requisitos para a aplicação da medida mediante
laudo médico circunstanciado, diante da efetiva demonstração da insuficiência
dos recursos extra-hospitalares.

Qual o fundamento legal utilizado pelo
STJ?

O art. 6º da Lei n.° 10.216/2001, que dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Veja o
que diz o dispositivo:

Art. 6º A internação psiquiátrica
somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os
seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os
seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que
se dá com o consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela
que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

No caso concreto, João foi avaliado por
médicos e psicólogos que emitiram laudo indicando que ele deveria ser submetido
a tratamento psiquiátrico e psicológico em medida de contenção, por tratar-se
de pessoa extremamente perigosa.

A internação psiquiátrica de que trata
o art. 6º pode ser decretada em uma ação de interdição?

SIM. A internação do art. 6º da Lei n.° 10.216/2001 tem aplicação no processo
civil ou penal, indistintamente, podendo ser decretada em processo de
interdição.

A Defensoria Pública argumentava que, ao
se admitir que João fosse internado compulsoriamente sem ter cometido crime
algum estar-se-ia ressuscitado o sistema do  duplo binário, que, no Direito Penal já foi
extirpado pela Reforma de 1984 da Parte Geral do Código Penal. O STJ concordou
com a tese?

NÃO. Para o STJ, a decretação da
internação compulsória não representa, por vias indiretas e ilícitas, o
restabelecimento do sistema do duplo binário, já extinto no Direito Penal. Isso
porque o paciente não está sendo internado por força de uma medida de segurança
(sanção penal). Em outras palavras, ele não cumpriu pena nem agora está internado
por força de medida de segurança. Trata-se simplesmente de uma ordem de
internação expedida com fundamento em razões de natureza psiquiátrica, conforme
permitido pelo art. 6º, parágrafo único, III, da Lei n.° 10.216/2001.

O que era o sistema do duplo binário?

No sistema do duplo binário, o réu, após
cumprir a pena pela prática de um crime, era submetido a uma perícia e, se ainda
fosse considerado perigoso, deveria cumprir medida de segurança de internação.
Por isso era chamado de “duplo trilho” ou “dupla via” considerando que o réu
semi-imputável perigoso cumpria pena e mais a medida de segurança.

O sistema do duplo binário foi extinto
com a Lei n.° 7.209/84,
que alterou a Parte Geral do Código Penal, dando lugar ao sistema vicariante
(ou unitário). Por meio deste sistema, o juiz, ao constatar que o réu é semi-imputável
perigoso irá decidir se aplica pena (com causa de diminuição) ou se determina
que ele cumpra medida de segurança. Trata-se de uma opção: ou uma ou outra. É o
que está previsto no art. 98 do CP.

A internação é o tratamento
preferencial no caso de pessoas portadoras de transtornos mentais?

NÃO. A internação, em qualquer de suas
modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes (art. 4º). Assim, a internação psiquiátrica somente
será realizada quando houver um laudo médico circunstanciado que caracterize os
seus motivos (art. 6º).

Processos a que se referem essa
explicação:

STJ.
3ª Turma. HC 135.271-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17/12/2013.


STJ. 4ª Turma. HC 169.172-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2013.

Artigo Original em Dizer o Direito

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