Olá, amigos do Dizer o Direito,

Como vocês sabem, recentemente
foi aprovada a Lei nº 13.869/2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de
autoridade.

Vou iniciar aqui uma série de
posts com breves comentários sobre a novidade legislativa.

Espero que sejam úteis à
compreensão do tema.

1. NOÇÕES GERAIS

1.1 NOVA LEI
DE ABUSO DE AUTORIDADE

Lei nº 4.898/65

O abuso de autoridade já era
punido criminalmente pela Lei nº 4.898/65.

A Lei nº 4.898/65 é revogada pela
Lei nº 13.869/2019, que passa a regular inteiramente o tema.

Lei nº 13.869/2019

A Lei nº 13.869/2019 define os
crimes de abuso de autoridade, cometidos por…

– agente público,

– seja ele servidor ou não,

– que, no exercício de suas
funções ou a pretexto de exercê-las,

– abuse do poder que lhe tenha
sido atribuído.

1.2 SUJEITOS
DO CRIME

Crimes próprios

Os crimes previstos na Lei nº
13.869/2019 são próprios, ou seja, só podem ser praticados por “agentes
públicos”, nos termos do art. 2º.

Sujeito ativo

É sujeito ativo do crime de abuso
de autoridade…

– qualquer agente público,

– seja servidor público ou não,

– da administração direta,
indireta ou fundacional

– de qualquer dos Poderes

– da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e de Território.

Conceito de agente público

Reputa-se agente público, para os
efeitos da Lei de abuso de autoridade:

– todo aquele que exerce,

– ainda que transitoriamente ou
sem remuneração,

– por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,

– mandato, cargo, emprego ou
função em órgão ou entidade da Administração Pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes, em todas as esferas.

Rol exemplificativo de sujeitos
ativos

A Lei traz um rol exemplificativo
de sujeitos ativos.

Assim, podem ser sujeitos ativos
dos crimes de abuso de autoridade, dentre outros:

I – servidores públicos e
militares ou pessoas a eles equiparadas;

II – membros do Poder
Legislativo;

III – membros do Poder Executivo;

IV – membros do Poder Judiciário;

V – membros do Ministério
Público;

VI – membros dos tribunais ou
conselhos de contas.

Concurso de pessoas

Embora sejam
crimes próprios, os delitos previstos na Lei nº 13.869/2019 admitem a coautoria
e a participação. Isso porque a qualidade de “agente público”, por ser
elementar do tipo, comunica-se aos demais agentes, nos termos do art. 30 do
Código Penal, desde que eles tenham conhecimento dessa condição pessoal do
autor:

Art. 30. Não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.

Sujeito passivo

Os crimes de abuso de autoridade
previstos na Lei nº 13.869/2019 são delitos de “dupla subjetividade passiva”.
Isso porque são condutas que atingem dois sujeitos passivos.

O sujeito passivo principal ou
imediato é a pessoa física ou jurídica diretamente atingida ou prejudicada pela
conduta abusiva. Ex: o preso, no caso do art. 13.

O sujeito passivo secundário ou
mediato é o Estado (Poder Público) que tem a sua imagem, credibilidade e até
patrimônio ofendidos quando um agente seu pratica ato abusivo.

1.3 ELEMENTO
SUBJETIVO

Elemento subjetivo especial

Todos os delitos previstos na Lei
de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) são dolosos.

Além disso, exige-se um elemento
subjetivo especial (especial fim de agir, “dolo específico”).

Elemento subjetivo especial dos crimes de abuso de autoridade

O agente só comete crime de
abuso de autoridade se:

1) ao praticar a conduta tinha
a finalidade específica de:

• prejudicar alguém; ou

• beneficiar a si mesmo ou a
terceiro; OU

2) tiver praticado a conduta
por mero capricho ou satisfação pessoal.

É o que prevê o § 1º do art. 1º
da Lei:

§ 1º As condutas descritas nesta
Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a
finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Divergência de interpretação ou
de avaliação dos fatos

A atuação dos operadores do
Direito envolve constantemente a interpretação de leis e atos normativos e a
apreciação de fatos e provas.

Ocorre que, por mais que sejam
utilizados critérios e métodos teóricos para o exercício de tais atividades, o
certo é que elas possuem boa dose de subjetividade. Essa subjetividade faz com
que surjam divergências na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e
provas.

Tais divergências, por si só, não
poderiam ser punidas como abuso de autoridade. Pensando nisso, o § 2º do art.
1º da Lei prevê tais situações como causa de exclusão da tipicidade nos
seguintes termos:

§ 2º A divergência na
interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de
autoridade.

Ex: o membro do Ministério
Público denuncia o acusado afirmando que sua conduta configura o crime “X”.
Ocorre que existe uma segunda corrente – diversa daquela sustentada pelo MP –
que defende que essa conduta é atípica. O juiz adota essa segunda posição e rejeita
a denúncia por entender que não a situação não se amolda àquele tipo penal. O
simples fato de haver essa divergência de interpretação não gera a conclusão de
que o integrante do Parquet tenha agido com abuso de autoridade.

Ex2: o Promotor de Justiça
denuncia o acusado por furto por entender que ele é o único que estava no local
quando o bem foi subtraído, tendo ele sido visto pelas testemunhas com um
objeto escondido debaixo da camisa. Durante a instrução ficou demonstrado que o
acusado não estava com a res furtiva
e que, portanto, ele era inocente. A simples divergência na avaliação dos fatos
e das provas não gera a conclusão de que o membro do MP tenha agido com abuso
de autoridade.

O objetivo deste dispositivo foi
o de evitar aquilo que Rui Barbosa chamou de “crime de hermenêutica”, que
ocorre quando o operador do Direito (em especial o magistrado) é
responsabilizado criminalmente pelo simples fato de sua intepretação ter sido
considerada errada pelo Tribunal revisor.

O tema não é novo e, como dito,
Rui Barbosa, há muitos anos, já condenava as tentativas de se criar o “crime de
hermenêutica”:

“Para fazer do
magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que
inventou para o Juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente
pelas rebeldias da sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos
textos.

Esta hipérbole
do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea.
E, se passar, fará da toga a mais humilde das profissões servis, estabelecendo,
para o aplicador judicial das leis, uma subalternidade constantemente ameaçada
pelos oráculos da ortodoxia cortesã. Se o julgador, cuja opinião não condiga
com a dos seus julgadores na análise do Direito escrito, incorrer, por essa
dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a
garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema dos
recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em
mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base
de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que
dissolve o homem em escravo. (…)” (Obras Completas de Rui Barbosa, Vol.
XXIII, Tomo III, p. 228).

Na vigência da antiga Lei de
Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65), a jurisprudência já rechaçava a
possibilidade de se responsabilizar criminalmente o magistrado pela mera
divergência de interpretação:

(…) 1. Faz parte da atividade
jurisdicional proferir decisões com o vício in judicando e in procedendo, razão
por que, para a configuração do delito de abuso de autoridade há necessidade da
demonstração de um mínimo de “má-fé” e de “maldade” por
parte do julgador, que proferiu a decisão com a evidente intenção de causar
dano à pessoa.

2. Por essa razão, não se pode acolher
denúncia oferecida contra a atuação do magistrado sem a configuração mínima do
dolo exigido pelo tipo do injusto, que, no caso presente, não restou
demonstrado na própria descrição da peça inicial de acusação para se
caracterizar o abuso de autoridade. (…)

STJ. Corte Especial. APn 858/DF, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/10/2018.

1.4 AÇÃO
PENAL

Ação pública incondicionada

Todos os crimes previstos na Lei
nº 13.869/2019 são de ação penal pública incondicionada:

Art. 3º Os crimes previstos nesta
Lei são de ação penal pública incondicionada.

Mesmo que o caput do art. 3º da
Lei não previsse isso, a ação penal seria pública incondicionada por força do
art. 100 do Código Penal.

Ação penal privada subsidiária da
pública

O § 1º do art. 3º da Lei nº
13.869/2019 prevê o seguinte:

§
1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no
prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e
oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo,
fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de
negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Trata-se da chamada ação penal
privada subsidiária da pública.

O Ministério Público tem um prazo
previsto na lei para o ajuizamento da ação penal pública. Se o membro do
Parquet não oferece a denúncia neste prazo, o ordenamento jurídico permite que
o ofendido (a vítima) tome a providência que o MP deveria ter feito e ofereça a
ação penal em nome próprio. Neste caso, o ofendido apresenta uma queixa-crime
substitutiva (supletiva) da denúncia.

Ex:  imagine que João foi vítima de abuso de
autoridade praticado pelo Delegado; o MP não oferece a denúncia no prazo legal;
João (ofendido) poderá suprir essa inércia do MP propondo uma queixa que
substituindo a denúncia que deveria ter sido oferecida pelo Parquet. Isso é
chamado de ação privada subsidiária da pública.

O prazo para o oferecimento da
denúncia está previsto no art. 46 do CPP:

• estando o réu preso, será de 5
dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do
inquérito policial;

• se o réu estiver solto ou
afiançado, o prazo é de 15 dias.

Ação privada subsidiária é
instrumento para suprir eventual inércia do MP, não para se contrapor à
providência adotada pelo órgão ministerial

Ao final do prazo legal previsto
no art. 46 do CPP, o membro do Ministério Público tem, basicamente, quatro
possibilidades:

a) oferecer denúncia;

b) requisitar a realização de
novas diligências;

c) pedir o arquivamento;

d) requerer a declinação de
competência.

Para que o ofendido possa ajuizar
a ação privada subsidiária, é necessário que o membro do MP fique completamente
inerte no prazo legal do art. 46 do CPP, ou seja, que não adote nenhuma dessas
quatro providências.

Assim, se o Promotor de
Justiça/Procurador da República pedir o arquivamento do inquérito policial, o
ofendido, mesmo que discorde disso, não poderá ajuizar a ação privada
subsidiária considerando que não houve inércia do MP. Se o ofendido oferecer
ação privada subsidiária neste caso, o juiz deverá rejeitar a queixa
substitutiva por ilegitimidade de parte.

Reiterando: a ação privada
subsidiária só pode ser ajuizada em caso de inércia do MP, não servindo como
instrumento para que o ofendido discorde da providência tomada pelo Parquet.

Alguns julgados sobre o tema:

Somente é possível a ação penal
subsidiária da pública quando restar configurada inércia do Ministério Público,
não sendo cabível nas hipóteses de arquivamento de inquérito policial promovido
pelo membro do Parquet e acolhido pelo juiz.

No caso concreto, não houve desídia do
órgão acusador que, conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, propôs o arquivamento do inquérito policial, entendendo não haver
condições de procedibilidade para o oferecimento da denúncia em razão da
inexistência de relevância jurídica na conduta investigada.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp
1508560/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/11/2018.

A ação privada subsidiária da pública
só é possível quando o Órgão Ministerial se mostrar desidioso e não se
manifestar no prazo previsto em lei. Se o Ministério Público promove o
arquivamento do inquérito ou requer o seu retorno ao delegado de polícia para
novas diligências, não cabe queixa subsidiária; se oferecida, a rejeição se
impõe por ilegitimidade de parte, falta de pressuposto processual da ação.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp
1049105/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/10/2018.

É incabível a impetração de mandado de
segurança por parte da vítima contra decisão que determina o arquivamento de
inquérito policial, seja por considerá-la desprovida de conteúdo jurisdicional,
seja devido ao fato de que o titular da ação penal pública incondicionada é o
Ministério Público, não sendo cabível o eventual oferecimento de ação penal
privada subsidiária sem a prova de sua inércia.

STJ. 5ª Turma. AgRg no RMS 51.404/SP,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/05/2019.

O tema foi objeto de recurso
extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, tendo sido fixadas
as seguintes teses:

(…) Questão constitucional resolvida
no sentido de que: (i) o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer após o
decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o
arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público.
Diligências internas à instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do
Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica
sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento
ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao
decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o direito
de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais
diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta
de iniciativa da ação penal pública. (…)

STF. Plenário virtual. ARE 859251 RG,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/04/2015.

Legitimidade

A legitimidade para a ação
privada subsidiária é do ofendido (vítima) ou de seu representante legal (art.
31 do CPP).

Prazo para oferecimento da ação
privada subsidiária

Segundo o § 2º do art. 3º, o
ofendido tem o prazo de 6 meses para oferecer a queixa substitutiva:

§
2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado
da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

Importante esclarecer que se
trata de um prazo decadencial impróprio considerando que, mesmo após ele se
esgotar, o Ministério Público pode ajuizar a denúncia ou tomar outras
providências. O simples decurso do prazo de 6 meses não gera a extinção da
punibilidade. A única consequência que acarreta é o fato de o ofendido não poder
mais ajuizar a ação privada subsidiária não influenciando nos poderes do MP.

Conforme
explicam Klaus Negri Costa e Fábio Roque Araújo:

“O prazo para
oferecimento da queixa-substitutiva é de 6 meses, de natureza decadencial. É
interessante notar que, mesmo tendo natureza decadencial, o escoamento desse
prazo in albis não acarretará a
extinção da punibilidade. O único efeito da perda do prazo decadencial será,
tão somente, a impossibilidade de ajuizamento da queixa-substitutiva pelo
ofendido – mas o Ministério Público continuará, respeitado o prazo
prescricional, legitimado a oferecer denúncia.” (COSTA, Klaus Negri; ARAÚJO,
Fábio Roque. Processo Penal didático. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 199)

Esse art. 3º da Lei nº
13.869/2019 era juridicamente necessário?

Não. Isso
porque a ação penal privada subsidiária da pública já é prevista expressamente
no art. 5º, LIX, da CF/88, sendo considerada, inclusive, uma cláusula pétrea:

Art. 5º (…)

LIX – será admitida ação privada nos
crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

Além disso,
em nível infraconstitucional, o tema já era disciplinado da mesma forma pelo
CPP:

Art. 29. Será admitida ação privada nos
crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao
Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia
substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de
prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal.

1.5
COMPETÊNCIA

Foro por prerrogativa de função

O primeiro passo para se definir
a competência no caso de crimes da Lei do Abuso de Autoridade é verificar se a
Constituição Federal prevê foro por prerrogativa de função para o agente
público que praticou o delito.

Se a
autoridade que praticou o delito no exercício das suas funções goza de foro por
prerrogativa de função, deverá ser julgada pelo respectivo Tribunal. Ex: Juiz
Federal que pratique abuso de autoridade será julgado pelo Tribunal Regional
Federal, nos termos do art. 108, I, a, da CF/88:

Art. 108. Compete aos Tribunais
Regionais Federais:

I – processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua
jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos
crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da
União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

Vale lembrar que, segundo a
interpretação restritiva do STF:

O foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas.

STF. Plenário AP 937 QO/RJ, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Justiça Federal ou Estadual

Sendo a competência do juízo de
1ª instância, será necessário analisar se a competência é da Justiça Estadual
ou Federal.

A competência para julgar o
delito será, em regra, determinada pela esfera ao qual estiver vinculado o
agente público que praticou o crime.

Assim, em
regra:

Se o
delito foi praticado por autoridade (agente público) federal no exercício dessa
função
: o crime será de competência da Justiça Federal, considerando que,
neste caso, o delito terá sido praticado em detrimento de um serviço público
federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88:

Art. 109 (…)

IV – os crimes políticos e as infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de
suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Obviamente, para a competência
ser da Justiça Federal, o crime deve estar relacionado com as funções federais
exercidas pelo agente público, conforme se aprende pela súmula 147 do STJ:

Súmula 147-STJ: Compete à justiça
federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público
federal, quando relacionados com o exercício da função.

Se o delito foi praticado
por autoridade (agente público) estadual ou municipal no exercício dessa função
:
o crime será, em regra, de competência da Justiça Estadual, que é residual.

Justiça Militar pode julgar crime
de abuso de autoridade?

SIM.

Em 1996, o STJ editou um enunciado
dizendo o seguinte:

Súmula 172-STJ: Compete à justiça
comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço.

Ocorre que o entendimento contido
nesta súmula está superado pela Lei nº 13.491/2017, que alterou o art. 9º, II,
do CPM.

Antes da alteração, se o militar,
em serviço, cometesse abuso de autoridade ele seria julgado pela Justiça Comum
porque o art. 9º, II, do CPM afirmava que somente poderia ser considerado como
crime militar as condutas que estivessem tipificadas no CPM.

Assim, como o abuso de autoridade
não está previsto no CPM, mas sim na Lei nº 4.898/65, este delito não podia
ser considerado crime militar nem podia ser julgado pela Justiça
Militar. Isso, contudo, mudou com a nova redação dada pela Lei nº 13.491/2017
ao art. 9º, II, do CPM.

Com a mudança, a conduta
praticada pelo agente, para ser crime militar com base no inciso II do art. 9º,
pode estar prevista no Código Penal Militar ou na legislação penal “comum”.
Dessa forma, o abuso de autoridade, mesmo não estando previsto no CPM pode
agora ser considerado crime militar (julgado pela Justiça Militar) com base no
art. 9º, II, do CPM.

Logo, a Justiça Militar pode sim
julgar crime de abuso de autoridade.

1.6 EFEITOS
DA CONDENAÇÃO E PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

Efeitos da condenação

São efeitos da condenação:

I – tornar certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do
ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;

II – a inabilitação para o
exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5
(cinco) anos;

III – a perda do cargo, do
mandato ou da função pública.

Os efeitos previstos nos incisos
II e III:

• são condicionados à ocorrência
de reincidência em crime de abuso de autoridade e

• devem ser declarados
motivadamente na sentença (não são automáticos).

Penas restritivas de direitos

As penas restritivas de direitos
substitutivas das privativas de liberdade previstas na Lei são:

I – prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas;

II – suspensão do exercício do
cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a
perda dos vencimentos e das vantagens;

Obs: as penas restritivas de
direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

1.7 SANÇÕES
DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA

Princípio da independência de
instâncias

Em regra, as penas (sanções
criminais) previstas na Lei nº 13.869/2019 devem aplicadas independentemente
das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.

Assim, em regra, as responsabilidades
civil e administrativa são independentes da criminal.

Exceções

1) Se o juízo criminal decidir
sobre a existência ou a autoria do fato, essas questões não poderão mais ser
questionadas nas esferas civil e administrativa.

2) Faz coisa julgada em âmbito
cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que
reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima
defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito.

             

Veja a redação dos dispositivos
legais:

Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são
independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou
a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo
criminal.

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no
administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato
praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento
de dever legal ou no exercício regular de direito.

Em caso de falta funcional, o
órgão correicional deverá ser informado

As notícias de crimes previstos
na Lei nº 13.869/2019 que descreverem falta funcional deverão ser informadas à
autoridade competente com vistas à apuração.

Artigo Original em Dizer o Direito

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