Para Gilson Dipp, o Poder Judiciário virou protagonista não só no sistema de justiça como também no meio social, econômico e político brasileiro. “A atuação mais incisiva de determinados segmentos tem empoderado o Judiciário”, afirmou o ministro aposentado, em entrevista para falar sobre o livro Novas perspectivas jurídicas – Uma homenagem a Gilson Dipp, que será lançado em 25 de junho, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A obra é uma homenagem à vasta experiência jurídica e às inúmeras realizações de Dipp. Organizado pelo advogado Rafael Araripe Carneiro, o livro contou com a participação de renomados juristas que trataram sobre temas atuais e comple­xos envolvendo o Poder Judiciário e a administração pública em geral.

Dipp é conhecido como magistrado extremamente técnico e inde­pendente. Foi presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª  Região, ministro do STJ e do Tribunal Supe­rior Eleitoral, corregedor nacional de Justiça, presidente da Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal para a elabo­ração do anteprojeto de reforma do Código Penal, além de coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

Inspirados na trajetória pública do ministro Gilson Dipp, os articulistas tratam de temas atuais, como a judicialização da política, a intensificação das investigações criminais e os conflitos entre os Poderes da República. Também são abordados assuntos como sistema de justiça criminal, a relação entre direito penal e eleitoral, o aperfeiçoamento da democracia pelos partidos políticos, migração e anistia, além de assuntos inovadores como acordos de leniência e compliance.

Confira a seguir a entrevista com o ministro Gilson Dipp:

O livro se chama Novas Perspectivas Jurídicas, uma homenagem a Gilson Dipp. O que o senhor achou do livro?

Gilson Dipp: Esse livro foi uma imposição de amigos, sem a minha interferência e até com um pouco de resistência. Mas boa parte dos trabalhos jurídicos ali comentados diz respeito às atividades das quais eu participei diretamente, como o artigo que trata da Comissão Nacional da Verdade e do tratamento da anistia.

Também merece destaque o artigo que trata das provas ilícitas obtidas durante o período eleitoral, assunto no qual eu tive participação como relator no próprio Tribunal Superior Eleitoral.

Da mesma forma, tem um artigo sobre o auxílio direto e a necessidade de cooperação internacional, tema que me é afeto por ter participado da comissão que elaborou o projeto. Também colaborei, mesmo que anonimamente, da elaboração da Resolução n. 9 do STJ, que diz respeito às Cartas Rogatórias, que ainda são um instrumento normativo mais moderno sobre o tema.

A qualidade dos artigos e a estatura daqueles que o subscrevem é algo de importância palpável. Quando se escreve um livro para prestar uma singela homenagem a um amigo, isso me toca muito. Esse livro superou a expectativa de uma mera homenagem, pelo seu contexto e pela atualidade dos temas jurídicos abordados.

Podemos falar sobre alguns dos temas abordados no livro? Qual é a sua opinião sobre a judicialização da política?

GD: É uma realidade que o Brasil vive num momento em que, de alguns anos para cá, houve um enfraquecimento do Poder Executivo, muito especialmente após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a assunção do governo de Michel Temer. Enfraquecimento das decisões políticas cabíveis ao Executivo, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional sofreu um tremendo desgaste em relação à sua atuação. Isso deu empoderamento ao Judiciário. Essa é a judicialização da política, quando temas políticos foram levados, em especial para o STF – que muitas vezes decidiu dentro da sua estrita competência, e muitas vezes extrapolou da sua competência para adentrar em temas que dizem respeito ao Executivo ou ao Legislativo. Então, a judicialização da política não é um bom tema em termos de equidade e transparência entre os poderes, pois mostra sempre o desgaste de um deles.

O senhor acredita que a intensificação das investigações criminais, principalmente contra políticos, tem gerado mais conflitos entre os Poderes?

GD: É evidente que quando se atinge por meio de processos – sejam eles de natureza penal, sejam de natureza de probidade administrativa – e isso é levado ao Judiciário, causa uma tensão, sim. Porque o histórico cultural jurídico brasileiro não é de punição ou de processamento de políticos ou de pessoas importantes ligadas ao poder político ou ao poder econômico. Esse avanço das investigações, que foram produtivas, pelo Ministério Público e pelo Judiciário, causou uma grande surpresa e uma reação esperada por parte daqueles que foram atingidos.

Como idealizador das varas especializadas em julgar lavagem de dinheiro, essa especialização ajuda a reduzir o número de processos que chegam aos tribunais superiores?

GD: As varas de lavagem de dinheiro são uma experiência inédita no mundo. É uma obra do Conselho da Justiça Federal e, consequentemente, do STJ, já que o presidente e o vice do CJF são os titulares do STJ. A criação das varas fez com que se tivesse uma ampla gama de especialização dos operadores da Justiça em termos complexos. O juiz se especializou, o Ministério Público se especializou, a polícia se especializou, a própria defesa foi obrigada a ter uma consistência muito maior e os processos foram melhores instruídos, processados e julgados. Isso deu sim celeridade e efetividade à investigação e ao julgamento dos crimes contra o sistema financeiro, em especial na lavagem de dinheiro. Evidentemente que essa aceleração e essa pontualidade na perfectibilidade da investigação e julgamento tiveram efeitos benéficos nos tribunais de segundo grau e nos tribunais superiores.

Como o senhor vê o momento atual do Judiciário no Brasil?

GD: Temos que ter noção de que o Judiciário virou um protagonista, não só no sistema de justiça como também no meio social, econômico e político da sociedade brasileira. Isso se dá pelo protagonismo do Supremo Tribunal Federal, mas também pela atuação muito clara de determinados segmentos do Judiciário. Por exemplo, a Lava Jato é um dos braços mais visíveis de uma atuação muito preponderante do Judiciário que moveu e promoveu acessibilidade social para crimes graves e para crimes complexos.

Como avalia o atual momento do país?

GD: É altamente preocupante. Preocupante porque temos hoje um Executivo que nós não sabemos a que veio nem o que pretende. Isso não é crítica política; é uma crítica minha, uma constatação. Um Congresso Nacional que também está definindo seus rumos, um Congresso altamente renovado, muitas vezes inexperiente. E quanto ao Judiciário, acho que estamos avançando, mas sempre tendo algumas preocupações pontuais, em especial no âmbito penal, com o aspecto da naturalidade com que se tem hoje a determinação de prisões preventivas e a facilidade com que se obtém a colaboração premiada de réus em processos de alta indagação. O Judiciário está muito ativo, mas tem que ser contido para que não saia dos rumos absolutos da legalidade e da constitucionalidade de seus atos.

O STJ completa em 2019 seus 30 anos de instalação. Qual é a importância do trabalho desenvolvido pelo Tribunal da Cidadania?

GD: Nós todos reconhecemos que a Constituição de 1988 e a criação do STJ e dos TRFs trouxeram uma nova luz sobre o mundo jurídico brasileiro. No momento em que se deu ao STJ a oportunidade de manifestar-se quanto à efetiva aplicação da lei federal e da uniformização da sua interpretação, ele vem se destacando como um tribunal efetivo, com decisões importantíssimas que se refletem imediatamente no dia a dia da sociedade. Uma experiência que deu certo: a criação do STJ como o último a definir a aplicação e a interpretação da lei federal. E eu tenho muito orgulho de ter participado desse processo, de 1998 até 2014.

Serviço

O livro será lançado em 25 de junho, às 18h30, no Espaço Cultural STJ, mezanino do Edifício dos Plenários, 2º andar. O endereço do Superior Tribunal de Justiça é SAFS, Quadra 6, Lote 1, Trecho III, Brasília/DF. Para informações adicionais, os telefones de contato são: (61) 3319-8521 ou 8460.

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