Mesmo no processo penal não se admite a chamada nulidade de algibeira



Imagine a seguinte situação
hipotética:

João foi condenado, em primeira instância, a 4
anos de reclusão.

O réu interpôs apelação pedindo unicamente a
redução da pena.

O Tribunal de Justiça reduziu a condenação
para 3 anos de reclusão.

Houve o trânsito em julgado.

A defesa ingressou, então, com revisão
criminal pedindo o reconhecimento de nulidade porque, no processo originário, a
testemunha foi ouvida sem a presença do réu.

Vale ressaltar que essa foi a primeira vez que
a defesa invocou esse argumento.

 

A questão chegou ao STJ. O
Tribunal reconheceu a referida nulidade?

NÃO.

Para o reconhecimento de nulidade, a jurisprudência do STJ exige
a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullite sans grief, consagrado nos termos do art. 563 do
CPP, que dispõe:

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

 

Ao interpretar essa regra, o STJ afirma que a
declaração de nulidade fica subordinada não apenas à alegação de existência de
prejuízo, mas à efetiva demonstração de sua ocorrência, o que não ocorre na
presente hipótese.

Além disso, a defesa técnica compareceu ao ato
de oitiva da testemunha e não alegou nulidade. A suposta nulidade somente foi
suscitada no ajuizamento da revisão criminal.

A ausência do réu na audiência de inquirição
de testemunhas é causa de nulidade relativa, de forma que, para ser reconhecida
é necessário:

• que se demonstre o efetivo prejuízo;

• que seja arguida na primeira oportunidade,
sob pena de preclusão.

 

Até aí, tudo bem, nenhuma novidade. O ponto
mais interessante do julgado foi que o STJ afirmou que houve, no presente caso,
a chamada “nulidade de algibeira”.

 

O que é isso?

A “nulidade de algibeira” ocorre quando a
parte se vale da “estratégia” de não alegar a nulidade logo depois de ela ter
ocorrido, mas apenas em um momento posterior, se as suas outras teses não
conseguirem ter êxito. Dessa forma, a parte fica com um trunfo, com uma “carta
na manga”, escondida, para ser utilizada mais a frente, como um último
artifício.

Esse nome foi cunhado pelo falecido Ministro
do STJ Humberto Gomes de Barros.

Algibeira = bolso. Assim, a “nulidade de
algibeira” é aquela que a parte guarda no bolso (na algibeira) para ser
utilizada quando ela quiser.

Tal postura viola claramente a boa-fé
processual e a lealdade, que são deveres das partes e de todos aqueles que
participam do processo. Por essa razão, a “nulidade de algibeira” é rechaçada
pela jurisprudência do STJ.

Existem vários julgados do STJ afirmando que a
chamada nulidade de algibeira não é tolerada. No entanto, a grande maioria
desses julgados está relacionada com o processo civil.

Aqui foi reconhecida no processo penal.

 

Em suma:

É inadmissível a
chamada “nulidade de algibeira” – aquela que, podendo ser sanada pela
insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como
estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura.

Tal atitude não encontra
ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé
processual, que exige lealdade de todos os agentes processuais.

STJ.
5ª Turma. AgRg no HC 732.642-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador
convocado do TJDFT), julgado em 24/05/2022 (Info 741).

 

 

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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