O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65)
prevê alguns crimes. A Lei nº 13.834/2019 acrescentou um novo artigo a esse
diploma, criando o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.

 

CRIMES ELEITORAIS

Para que uma infração penal possa ser
considerada como “crime eleitoral”, é necessário o preenchimento de dois
requisitos:

1) previsão na
lei eleitoral
: a conduta delituosa deve estar prevista em lei que trate
sobre direito eleitoral; e

2) finalidade eleitoral: a
conduta do agente deve ter sido praticada com o objetivo de violar bem jurídico
eleitoral, ou seja, é preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de
atingir valores como a liberdade do exercício do voto, a regularidade do
processo eleitoral e a preservação do modelo democrático.

Nesse sentido:

(…) 1. A simples existência, no
Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz,
incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o
conteúdo material de tal crime.

2. Sob o aspecto material, deve a
conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos,
vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade
popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico,
faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem
jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores
referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo
eleitoral e à preservação do modelo democrático.

3. A destruição de
título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos
eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal,
não atrai a competência da Justiça Eleitoral. (…)

STJ. 3ª Seção. CC 127.101/RS, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/02/2015.

 

Se o crime foi praticado no contexto
eleitoral, mas não está tipificado na legislação eleitoral, o agente responderá
por crime “comum”, sendo julgado pela Justiça “comum” federal. É o caso, por
exemplo, do desacato contra juiz eleitoral:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME
COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.

1. A competência criminal da Justiça
Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente
eleitorais.

2. O crime praticado contra Juiz
Eleitoral, ou seja, contra órgão jurisdicional de cunho federal, evidencia o
interesse da União em preservar a própria administração.

3. Conflito conhecido para declarar a
competência do Juízo Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção
Judiciária do Estado de Rondônia, ora suscitado.

STJ. 3ª Seção. CC 45552/RO, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, julgado em 08/11/2006.

 

Os crimes eleitorais estão todos
previstos no Código Eleitoral?

NÃO. Existem crimes eleitorais
tipificados em outras leis que tratam sobre matéria eleitoral: Lei nº 6.091/74,
Lei nº 6.996/82, Lei nº 7.021/82, LC nº 64/90, Lei nº 9.504/97.

 

De quem é a competência para julgar
crimes eleitorais?

Da Justiça Eleitoral.

Essa competência poderá ser dos Juízes
Eleitorais, dos Tribunais Regionais Eleitorais ou do Tribunal Superior
Eleitoral.

 

Feitos esses esclarecimentos que
reputava necessários, vejamos o crime eleitoral inserido pela Lei nº
13.834/2019:

 

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA COM FINALIDADE ELEITORAL

Art. 326-A. Dar
causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de
investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de
que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:

Pena –
reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é
aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.

§ 2º A pena é
diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

§ 3º Incorrerá
nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do
denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou
forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

 

Em que consiste o crime

O agente, …

– movido por uma finalidade eleitoral
(ex: para denegrir a imagem do adversário político),

– pratica alguma conduta por meio da
qual atribui a determinada pessoa a prática de um crime ou ato infracional,

– mesmo sabendo que ela é inocente,

– fazendo com que as autoridades
iniciem…

• uma investigação policial

• um processo judicial

• uma investigação administrativa

• um inquérito civil

• ou uma ação de improbidade
administrativa.

 

Necessidade de criar o crime e
diferença em relação à denunciação caluniosa do CP

O Código Penal também prevê, no art.
339, o crime de denunciação caluniosa, com redação muito semelhante ao art.
326-A do CE. A pena, inclusive, é mesma.

A única diferença é que, na denunciação
caluniosa do art. 326-A do CE, exige-se que o sujeito ativo tenha agido “com
finalidade eleitoral”.

Antes da Lei nº
13.834/2019, caso o agente tivesse praticado essa conduta “com finalidade
eleitoral”, ele respondia pelo do art. 339 do CP, sendo o crime julgado pela
Justiça Comum Federal (obs: o crime era julgado pela Justiça Federal porque é
praticado em detrimento da Justiça Eleitoral, que é um órgão da União,
atraindo, portanto, a hipótese do art. 109, IV, da CF/88). Nesse sentido,
confira este precedente do TSE:

Ação penal. Justiça Eleitoral.
Incompetência. Denunciação caluniosa.

1. 
Considerando que o art. 339 do Código Penal não tem equivalente na
legislação eleitoral, a Corte de origem assentou a incompetência da Justiça
Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia – levando-se em conta que a
hipótese dos autos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça
Especializada -, anulou a sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça
Federal.

2. 
É de se manter o entendimento do Tribunal a quo, visto que a denunciação
caluniosa decorrente de imputação de crime eleitoral atrai a competência da
Justiça Federal, visto que tal delito é praticado contra a administração da
Justiça Eleitoral, órgão jurisdicional que integra a esfera federal, o que
evidencia o interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da
Constituição Federal.

(Agravo de Instrumento nº 26717,
Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Data
07/04/2011, Página 42)

 

Assim, com a inclusão do art. 326-A do
CE praticamente a única mudança foi quanto à competência:

• Se o agente praticasse denunciação
caluniosa com finalidade eleitoral antes da Lei nº 13.834/2019: ele responderia
pelo crime do art. 339 do CP, sendo julgado pela Justiça Comum Federal.

• Se o agente praticar denunciação
caluniosa com finalidade eleitoral depois da Lei nº 13.834/2019: ele responde
pelo crime do art. 326-A do CE, sendo julgado pela Justiça Eleitoral.

 

Bem jurídico protegido

Esse crime tem por
objetivo proteger, em primeiro lugar, a Administração da Justiça. Em outras
palavras, pune-se o agente pelo fato de ter movimentado a Justiça (aqui
entendida em sentido amplo) mesmo sabendo que a pessoa a quem se atribuiu o
crime (ou ato infracional) era inocente.

Além disso, o tipo busca proteger também,
secundariamente, a honra da pessoa a quem se atribuiu o crime ou ato
infracional.

 

Dar causa

Significa provocar, dar início.

Essa provocação pode ser:

a) direta: quando o agente, em nome
próprio, provoca as autoridades afirmando que a pessoa praticou o crime ou o
ato infracional;

b) indireta: quando o agente se vale de
meios dissimulados para provocar as autoridades. Exs: delação anônima,
“plantar” droga na bagagem da vítima.

 

Sujeito ativo

Pode ser praticado por qualquer pessoa.
Trata-se de crime comum.

 

Sujeito passivo

O Estado e a pessoa a quem se atribuiu
falsamente a prática do delito.

 

Elemento subjetivo

É o dolo direto, considerando que o
tipo penal utiliza a expressão “imputando-lhe crime de que o sabe
inocente”.

Desse modo, é imprescindível que esteja
provado que o agente tenha efetivo conhecimento da inocência da pessoa e, mesmo
assim, dê causa à instauração do procedimento.

Não se admite o dolo eventual nem a
modalidade culposa.

Além do dolo, o crime do art. 326-A do
CE exige um elemento subjetivo especial (“dolo específico”): a finalidade
eleitoral. Assim, o sujeito ativo deve ter dado causa à instauração motivado
por objetivos eleitorais (ex: impedir que o adversário político concorra, fazer
com que ele perca votos etc.).

 

Consumação

O crime se consuma quando a autoridade
dá início à investigação policial, ao processo judicial, à investigação
administrativa, ao inquérito civil ou à ação de improbidade administrativa.

 

Tentativa

É possível. Ex: o agente narra que
determinada pessoa praticou um crime, mas o Delegado constata que se trata de
uma falta delação antes mesmo de instaurar a investigação.

 

Anonimato

Se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto, haverá
contra ele uma causa de aumento de pena de 1/6.

§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do
anonimato ou de nome suposto.

 

Denunciação caluniosa privilegiada

Se o agente dá causa à instauração do procedimento imputando
falsamente a prática de uma contravenção penal, haverá uma causa de diminuição
de pena de 1/2 (metade).

§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de
contravenção.

 

Divulgada ou propaga ato ou fato
falsamente atribuído

O agente também responde pelas mesmas penas se não foi ele
quem deu causa à instauração, mas ele sabendo que o denunciado é inocente,
divulga ou propala o ato ou fato que foi falsamente atribuído:

§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente
ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou
propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente
atribuído.

 

O agente do crime tipificado no § 3º
não deu causa à instauração do processo ou da investigação policial. Ele, no
entanto, sabe que aquela imputação é falsa e, mesmo assim, divulga esse fato,
com objetivos eleitorais, para enganar eleitores e influenciar no pleito. Ele
se vale de uma aparência de veracidade do fato calunioso. Os eleitores tendem a
acreditar que aquela imputação divulgada é verdadeira porque representa a
notícia de um processo ou investigação.

O Min. Gilmar Mendes afirma que esse §
3º do art. 326-A do CE representa “importante mecanismo para repressão penal de
fake news utilizadas para tentar corromper o processo eleitoral e, consequentemente,
atacar a democracia brasileira. Não se pode admitir a divulgação, com
finalidade eleitoral, de ato ou fato que se sabe falsamente atribuído a pessoa
inocente.” (ADI 6226/DF).

Vale ressaltar que este § 3º foi vetado pelo Presidente da
República com base na seguinte justificativa:

“A
propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral,
tipifica como crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade
eleitoral. Ocorre que o crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da
propositura, de propalação ou divulgação do crime ou ato infracional objeto de
denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito
anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já
tipificada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou
divulgar calúnia eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a
dois anos, e multa. Logo, o supracitado § 3º viola o princípio da
proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada.”

 

O Congresso Nacional, contudo, decidiu
rejeitar o veto, razão pela qual o § 3º foi promulgado, publicado e entrou em
vigor.

 

Calúnia
eleitoral x denunciação caluniosa eleitoral

Calúnia (art. 324 do CE)

Denunciação caluniosa
(art. 326-A do CE)

Art. 324. Caluniar alguém, na
propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente
fato definido como crime:

Pena. detenção de seis meses a dois
anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

Art. 326-A. Dar causa à instauração
de investigação policial, de processo judicial, de investigação
administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa,
atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe
inocente, com finalidade eleitoral:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8
(oito) anos, e multa.

O agente apenas imputa falsamente um
fato definido como crime.

O agente, além de imputar falsamente
um fato definido como crime, leva essa imputação para as autoridades para que
seja instaurado um procedimento contra a vítima.

O agente somente quer atingir a honra
da vítima na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda.

O agente quer que seja instaurado um
procedimento ou processo contra a vítima.

Seu objetivo é eleitoral, mas não
necessariamente relacionado com a propaganda eleitoral (ex: o agente dá causa
à instauração de uma ação penal com o objetivo de que a vítima seja condenada
e que, portanto, fique impedida de concorrer).

A imputação é unicamente de crime.
Não existe calúnia se o agente imputa falsamente a prática de uma
contravenção penal.

A imputação falsa pode ser de crime
ou contravenção penal.

 

Ação penal

Ação penal pública incondicionada.

Todos os crimes eleitorais são de ação
pública incondicionada, conforme prevê o art. 355 do Código Eleitoral:

Art. 355. As infrações penais definidas
neste Código são de ação pública.

 

Suspensão condicional do processo

A figura típica do caput não admite
suspensão condicional do processo porque a pena mínima é superior a 1 ano.

No caso da prática do § 2º, é possível
a concessão do referido benefício.

 

Vigência

A Lei nº 13.834/2019 entrou em vigor na
data de sua publicação (05/06/2019).

 

ADI QUESTIONANDO A PENA PREVISTA PARA O CRIME

O Partido Social Liberal – PSL
ajuizou ADI contra o § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral (aquele dispositivo
que foi vetado e, depois, o veto foi rejeitado).

O autor sustentou que esse
dispositivo violaria, entre outros, os seguintes princípios e regras
constitucionais:

a) o princípio da proporcionalidade
entre a infração penal cometida e a pena cominada;

b) o princípio da
individualização da pena;

c) o direito fundamental à
liberdade de expressão.

 

O Partido argumentou que:

– o caput do art. 326-A protege,
como bem jurídico, a Administração Pública e, especificamente, a Administração
da Justiça.

– o § 3º do art. 326-A, por sua
vez, descreve um crime contra a honra (bem jurídico menos relevante que a
Administração da Justiça) e, mesmo assim, foi prevista a mesma pena do caput;

– logo, o crime contra a honra
tipificado no § 3º do art. 326-A teria “uma pena absolutamente excessiva,
considerando-se o bem jurídico tutelado”.

 

Esse argumento foi acolhido pelo
STF? O § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral é inconstitucional?

NÃO.

A sanção
abstratamente prevista para o crime de “divulgação de ato objeto de denunciação
caluniosa eleitoral” está em consonância com os princípios da proporcionalidade
e da individualização da pena.

STF.
Plenário. ADI 6225/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/8/2021 (Info
1026).

 

O objeto jurídico tutelado pelo § 3º do art. 326-A não se
refere apenas à honra do acusado

A pena cominada ao delito
previsto no § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral não se mostra
desproporcional aos bens jurídicos tutelados em face das consequências da
conduta.

Não há como se dizer equiparar a
reprovabilidade do § 3º do art. 326-A à reprovabilidade dos crimes contra a
honra previstos no Código Penal ou no Código Eleitoral.

O objeto jurídico tutelado pelo § 3º do art. 326-A não se
refere apenas à honra subjetiva ou objetiva do acusado, mas abrange,
principalmente, a legitimidade do processo eleitoral e a higidez do sistema
representativo democrático.              

Aquele que dá causa a investigação ou a processo,
atribuindo, com finalidade eleitoral, a alguém a prática de crime ou ato
infracional de que o sabe inocente, como também aquele que divulga falsa
acusação, sabendo da inocência do acusado, prejudicam, a um só tempo, o eleitor,
o candidato, a Administração Pública e o regime democrático.

Deve-se reconhecer como acentuada a culpabilidade daquele
que, com intuito de influenciar as eleições e ciente da inocência do acusado,
dissemina a falsa imputação, valendo-se da aparência de credibilidade
decorrente da instauração de investigação ou processo.

 

Liberdade de expressão não é absoluta

O direito fundamental à liberdade de manifestação de
pensamento e às demais liberdades públicas não é absoluto e não constitui
permissão para a prática de ilícitos, como o que se considera na norma
questionada na presente ação.

Não se deve confundir o livre trânsito de ideias,
críticas e opiniões com atitude que falseia a verdade, compromete os princípios
democráticos, acolhe discurso de ódio e de impostura, vicia a liberdade de
informação e de escolha a ser feita pelo eleitor.

 

Conclusão

Com base nesse entendimento, o Plenário julgou
improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.
 

Artigo Original em Dizer o Direito

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