O advogado do réu delatado deverá, obrigatoriamente, estar presente no interrogatório do corréu delator


Imagine a seguinte situação
hipotética:

João, Pedro, Tiago, Hugo e Vitor
estavam respondendo a um processo penal acusados da prática de inexigência
indevida de licitação, falsificação de documento público e peculato.

João manifestou interesse em
colaborar com o processo criminal, delatando os demais acusados e ajudando a
recuperar o produto do crime.

Foi
designado o dia 11/09 para a realização do interrogatório de João. Os demais
corréus foram intimados para comparecerem ao ato, mas apenas Pedro e Tiago, com
seus respectivos advogados, fizeram-se presentes.

No
interrogatório, João delatou Pedro e Vitor, imputando-lhes a participação nos
crimes.

Ao final do processo, Pedro,
Tiago, Hugo e Vitor foram condenados e João recebeu perdão judicial.

Hugo e Vitor recorreram, alegando
nulidade por ausência de defesa técnica durante o interrogatório de João, o
delator.

Vamos entender o tema com calma.

Se o advogado de um réu foi
intimado para o interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer,
existe nulidade?

REGRA: em regra, não.

Se o advogado do réu é intimado previamente
a respeito da data e do horário do interrogatório do corréu e, mesmo assim, não
comparece, não há, em princípio, nulidade.

O interrogatório de corréu é ato
do juiz, que propicia à defesa dos demais denunciados mera faculdade de
participação.

A presença da defesa técnica é
imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto
aos demais. Em outras palavras, é obrigatória a presença do advogado no
interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença
é, em regra, facultativa.

O que o juiz deve fazer é
garantir que todas as defesas sejam intimadas das datas dos interrogatórios. Se
não houver essa intimação, ocorre nulidade. Isso porque se o processo possui
mais de um réu, o advogado de um deles tem o direito de estar presente no
interrogatório dos corréus e poderá, inclusive, fazer perguntas ao acusado. No
entanto, a presença ou não do advogado do réu “A” nos interrogatórios dos
corréus “X”, “Y”, “Z” etc. é uma faculdade, uma estratégia da defesa. O
causídico deve ser intimado, mas, a partir daí, é dele a decisão de comparecer
ou não ao ato designado.

EXCEÇÃO: se o interrogatório é de
um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável.

Excepciona-se a regra da
faculdade da participação quando há a imputação de crimes pelo interrogado aos
demais réus, como nos casos de colaboração premiada.

Nessas hipóteses, deve-se exigir
a presença dos advogados dos réus delatados, pois, na colaboração premiada, o
delator adere à acusação em troca de um benefício acordado entre as partes e
homologado pelo julgador natural. Normalmente, o delator presta contribuições à
persecução penal incriminando eventuais corréus.

Se o advogado do corréu não
comparece ao interrogatório do réu delator, haverá nulidade?

Depende:

Se o corréu foi delatado no
interrogatório e seu advogado não compareceu: sim, haverá nulidade.

Se o corréu não foi delatado no
interrogatório: não. Isso porque não houve prejuízo.

Assim, em nosso exemplo, a
condenação de Hugo não será anulada porque ele não foi delatado por João no
interrogatório. Por outro lado, a condenação de Vitor poderia ser anulada.
Em suma:

Se o advogado de um réu foi intimado para o
interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer, existe nulidade?

REGRA: não. A presença da defesa técnica é
imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto
aos demais. Assim, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu
cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra,
facultativa.

EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator,
a presença do advogado dos réus delatados é indispensável.

STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
3/9/2019 (Info 955).

Obs: o exemplo acima foi
hipotético, para facilitar a compreensão da matéria. Na situação analisada, não
foi reconhecida a nulidade por circunstâncias do caso concreto. Veja a íntegra
da notícia divulgada no Informativo sobre este ponto:

“O ministro não vislumbrou
nulidade pela falta de participação de advogado no interrogatório dos corréus
que se limitaram a negar a autoria da acusação e a materialidade dos fatos
durantes seus interrogatórios. No entanto, entendeu ser indispensável a
presença de defesa técnica no interrogatório do colaborador, que confessou a
prática dos crimes e indicou quem seriam os participantes. Este corréu atuou
como colaborador premiado. Apesar disso, as peculiaridades do caso levaram o
ministro à solução distinta.

A primeira particularidade é que
o interrogatório do colaborador ocorreu antes da consolidação da jurisprudência
no sentido da imprescindibilidade da participação da defesa técnica na
inquirição e confronto das declarações do colaborador ou do corréu acusador. A
própria colaboração prestada é anterior ao advento da norma que instituiu o
procedimento e as cláusulas do acordo de colaboração premiada (Lei
12.850/2013). Portanto, o ato foi praticado consoante o entendimento legal e
jurisprudencial da época.

Além disso, as imputações do
colaborador ocorreram no início do processo. O interrogatório do delator foi
realizado antes do advento da Lei 11.719/2008, que transferiu o ato para a
parte final da instrução. Isso possibilitou à defesa realizar a devida
contraposição das imputações durante toda a fase probatória. Poderia inclusive
ter solicitado o reinterrogatório, mas não o fez e somente arguiu a nulidade nove
anos após as audiências.

O ministro Gilmar Mendes ponderou
que, mesmo que se considere a ineficácia absoluta do depoimento prestado em
juízo para produzir efeitos sobre a esfera jurídica do apelante, há provas
autônomas e independentes que, além de qualquer dúvida razoável, sustentam a
acusação. Subsistem elementos suficientes a permitir a condenação, que está
amparada em diversos outros elementos de prova material e testemunhal
desvinculados das alegações do colaborador.

No ponto, destacou que o CPP
prevê a admissibilidade de provas decorrentes de fontes independentes, sem nexo
de causalidade com eventuais provas ilícitas, a fim de embasar decretos
condenatórios (CPP, art. 157, §1º). Ademais, a tese da fonte independente
também tem sido acolhida pela jurisprudência do STF como exceção à teoria dos
frutos da árvore envenenada.

Em conclusão, o ministro
reconheceu a nulidade em menor grau, com base nos arts. 563 e 566 do CPP.
Aduziu inexistir sentido em se renovar o interrogatório em relação ao recorrente
quando inúmeras outras provas justificam a condenação e foram devidamente
fundamentadas pelo magistrado de piso.”

Artigo Original em Dizer o Direito

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