Usucapião especial urbana

Existem várias modalidades de
usucapião.
A CF/88 prevê duas espécies:
a) a usucapião especial urbana (pro misero) (ou pro moradia) (art. 183);
b) a usucapião especial rural (pro labore) (art. 191).
O julgado ora analisado diz
respeito à usucapião especial urbana.
Requisitos da usucapião especial
urbana

A usucapião especial urbana é
prevista no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do CC e
no art. 9º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).
Para
se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes
requisitos:

a) 250m2: a
pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve
ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos,
sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve
estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a
pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).
Algumas observações:

• Não se exige que a pessoa prove
que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;

• Esse direito não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;

• É possível usucapião especial
urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel
é menor que 250m2 não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas
tão somente a parte privativa);

• O título de domínio e a
concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
Feitos os esclarecimentos acima,
imagine a seguinte situação hipotética:

João é possuidor, há mais de 5
anos, de uma área urbana de 250m2, que utiliza para a sua própria
moradia.
Ele ingressou, então, com uma
ação de usucapião especial urbana.
Na petição inicial o autor pediu
a concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça.
O proprietário do imóvel, ao
apresentar contestação, impugnou a concessão da gratuidade da justiça demonstrando
que João goza de boa condição financeira.
João afirmou que, no caso de ação
de usucapião especial urbana, o art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto
da Cidade) assegura, de forma absoluta, a gratuidade da Justiça,
independentemente da condição financeira do autor. Veja o dispositivo invocado:
Art. 12. São partes legítimas para a
propositura da ação de usucapião especial urbana:
(…)
§ 2º O autor terá os benefícios da
justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de
registro de imóveis.
A tese de João (autor) foi
acolhida pelo STJ? O autor da ação de usucapião especial urbana goza de
presunção absoluta de hipossuficiência para fins de gratuidade da justiça?

NÃO.
O
art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece uma
presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é
hipossuficiente. Isso significa que essa presunção pode ser ilidida (refutada)
a partir da comprovação inequívoca de que o autor não é considerado
“necessitado”.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.517.822-SP, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2017 (Info 599).
Por que se diz que o art. 12, §
2º do Estatuto da Cidade prevê apenas uma presunção relativa?

Porque, segundo o STJ, o art. 12,
§2º, da Lei nº 10.257/2001 não pode ser lido isoladamente, devendo ser
interpretado em conjunto e harmonia com as regras sobre gratuidade da justiça,
que estão previstas nos arts. 98 a 102 do CPC/2015.
A intenção do § 2º do art. 12 do
Estatuto da Cidade foi a de amparar a população de baixa renda, que normalmente
é aquela a quem a ação de usucapião especial urbana visa proteger, além de
criar uma espécie de presunção inicial da hipossuficiência do autor.
Apesar de a redação da norma não
ser muito clara, é possível concluir que a presunção de hipossuficiência prevista
no § 2º do art. 12 é relativa.
Assim, o juiz, ao receber a
inicial da usucapião urbana, deverá deferir a gratuidade da justiça pelo simples
fato de ter sido requerida. No entanto, por outro lado, deverá negar o
benefício se houver comprovação inequívoca de que o autor não poderia ser
considerado “necessitado”, ou seja, se não preencher os requisitos do
art. 98 do CPC/2015:
Art. 98.  A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou
estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas
processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça,
na forma da lei.
Dessa forma, o art. 12, § 2º, da
Lei nº 10.257/2001 não criou uma hipótese de concessão de benefícios da justiça
gratuita completamente dissociada das normas processuais que regem o tema. O
referido dispositivo legal, portanto, deve ser interpretado em conjunto e em
harmonia com as disposições dos arts. art. 98 a 102 do CPC/2015.

Artigo Original em Dizer o Direito

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