Imagine a seguinte situação hipotética:

João lanchou na McDonald´s que fica em uma rua próxima à sua
casa.

Após realizar a refeição, ao retornar ao estacionamento da
lanchonete, João foi abordado por dois ladrões armados, que levaram a sua
motocicleta.

Vale ressaltar que esta unidade da lanchonete não fica
dentro de shopping. Importante também esclarecer que o estacionamento oferecido
pela lanchonete é externo e gratuito.

João ajuizou ação de indenização por danos contra a
lanchonete, argumentando, em síntese, que:

• a relação entre ele e a empresa é de consumo, de forma que
a responsabilidade é objetiva;

• houve defeito na prestação do serviço (art. 12 do CDC);

• a simples disponibilização de estacionamento (ainda que
por cortesia e sem efetivo controle de acesso), por agregar valor e comodidade
ao serviço oferecido, enseja a assunção pela lanchonete dos deveres de guarda e
vigilância;

• há dever de indenizar, nos termos do que preconiza a Súmula
130 do STJ.

Súmula 130-STJ: A empresa responde,
perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu
estacionamento.

O pedido de João deve ser acolhido segundo o entendimento do STJ?

NÃO.

O STJ entendeu que não havia como a lanchonete impedir o
roubo da motocicleta, especialmente porque o bem foi subtraído diretamente da
vítima e o delito foi praticado por meliantes que fizeram uso de arma de fogo,
situação que caracteriza causa excludente de responsabilidade.

Não se aplica, no caso, a Súmula 130 do STJ porque aqui não
se trata de simples subtração (furto) ou avaria (dano) da motocicleta
pertencente ao autor. Houve, na verdade, um roubo praticado por terceiros,
inclusive com emprego de arma de fogo, o que evidencia ainda mais a inevitabilidade
do resultado danoso.

O art. 393 do Código Civil prevê
a força maior e o caso fortuito como causas excludentes do nexo causal e, por
consequência, da própria responsabilidade civil. O parágrafo único do
mencionado dispositivo, por sua vez, dispõe que ambos se configuram na hipótese
de fato necessário, cujos efeitos se revelem impossíveis de evitar ou impedir:

Art. 393. O devedor não responde pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se
houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de
força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível
evitar ou impedir.

A ideia que esse dispositivo transmite é que o agente não
deve responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível
antever e, sobretudo, impedir o acontecimento, como foi o caso do roubo no
estacionamento externo e gratuito da lanchonete.

E se o roubo tivesse ocorrido no estacionamento de um grande shopping
center?

Neste caso, haveria sim o dever de indenizar, conforme já
decidiu o STJ: REsp 1.269.691-PB, Rel. originária Min. Isabel Gallotti, Rel.
para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/11/2013 (Info 534).

Para o STJ, o fornecedor
dos serviços deverá indenizar o consumidor em caso de roubo armado ocorrido em:

• Estacionamentos privados (pagos);

• Estacionamentos de grandes shopping centers;

• Estacionamentos de de grandes redes de hipermercados;

Estacionamentos privados (pagos)

Se a empresa explora serviço de estacionamento, ela não
poderá invocar o argumento da força maior. Isso porque o roubo é algo inerente
à atividade comercial que ela explora. Os riscos oriundos de seus deveres de
guarda e segurança constituem, na verdade, a própria essência do serviço
oferecido e pelo qual ela cobra a contraprestação.

Logo, trata-se daquilo que a doutrina e a jurisprudência
chamam de fortuito interno.

A culpa exclusiva de terceiros
somente elide (elimina) a responsabilidade objetiva do fornecedor se for uma
situação de “fortuito externo”. Se o caso for de “fortuito interno”, persiste a
obrigação de indenizar.

Fortuito interno

Fortuito externo

Está relacionado com a
organização da empresa.

É um fato ligado aos riscos da
atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a
organização da empresa.

É um fato que não guarda
nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor.

É uma situação absolutamente
estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus
da empresa de transporte coletivo;

Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro
da conta de um cliente.

Ex3: durante o transporte da
matriz para uma das agências, ocorre um roubo e são subtraídos diversos
talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e
aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no
interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus
garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

Ex2: um terremoto faz com que o
telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

O fortuito interno NÃO exclui a
obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

O fortuito externo é uma causa
excludente de responsabilidade.

Estacionamentos de grandes shoppings centers ou redes de hipermercados

O fornecedor deverá indenizar o consumidor com base na
aplicação da teoria do risco (risco-proveito).

Além disso, se a pessoa é roubada em locais como esse,
verifica-se a violação de uma legítima expectativa do consumidor, que imagina
que estará seguro frequentando um ambiente como esse.

Voltando ao caso da lanchonete

No caso de João, ele foi vítima de assalto em um estacionamento
aberto, gratuito, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer
aparato de segurança, circunstâncias que evidenciam que o consumidor não
poderia ter legítima expectativa de que estaria completamente seguro em um
ambiente como aquele.

Em suma:

Em
casos de roubo, o STJ tem admitido a interpretação extensiva da Súmula 130 do
STJ, para entender que há o dever do fornecedor de serviços de indenizar, mesmo
que o dano tenha sido causado por roubo, se este foi praticado no
estacionamento de empresas destinadas à exploração econômica direta da referida
atividade (hipótese em que configurado fortuito interno) ou quando esta for
explorada de forma indireta por grandes shopping centers ou redes de
hipermercados (hipótese em que o dever de reparar resulta da frustração de
legítima expectativa de segurança do consumidor).

Por
outro lado, não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de
lanchonete fast-food, se o fato
ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido. Nesta situação,
tem-se hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), que afasta do
estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever de indenizar
(art. 393 do Código Civil).

Logo,
a incidência do disposto na Súmula 130 do STJ não alcança as hipóteses de crime
de roubo a cliente de lanchonete, praticado mediante grave ameaça e com emprego
de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo
estabelecimento comercial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.606-SP, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 15/08/2017 (Info 613).

Artigo Original em Dizer o Direito

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