Imagine a seguinte situação hipotética:

Em Belo Horizonte (MG), havia várias reclamações
de que o contrato que a empresa de internet “ZET” assinava com seus
clientes possuía cláusulas abusivas, que violam os direitos do consumidor.

Diante disso, o Procon de Minas Gerais instaurou
procedimento administrativo contra a empresa e, após o contraditório e ampla
defesa, impôs multa de 600 mil reais, a ser revertida em favor do Fundo
Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, com base no art. 57 do CDC.

Ação proposta pela empresa

Inconformada, a empresa ajuizou, contra
o Estado de Minas Gerais, ação anulatória de ato administrativo praticado pelo Procon/MG.

A ação foi intentada contra o Estado de
MG porque o Procon/MG é um órgão público, de forma que não tem personalidade
jurídica própria.

A tese da empresa foi a de que o Procon,
por ser um órgão administrativo, não possui competência para interpretar
negócios jurídicos (contratos). Para a autora, somente o Poder Judiciário
poderia declarar que as cláusulas eram abusivas, não sendo isso permitido ao
Procon.

A tese
alegada pela empresa foi aceita pelo STJ?

NÃO. O
Procon pode sim interpretar as cláusulas de um contrato de consumo e, se
considerá-las abusivas, aplicar sanções administrativas.

STJ. 2ª
Turma. REsp 1.279.622-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/8/2015 (Info
566).

O art. 4º, II, “c” do CDC
legitima (autoriza) a presença plural do Estado (Poder Público) atuando no mercado
de consumo, tanto por meios de órgãos da administração pública voltados à
defesa do consumidor (ex: Procon), quanto por meio de órgãos clássicos
(Defensoria Pública, Ministério Público, delegacias de polícia especializada, entre
outros).

Além disso, o Decreto nº 2.181/97, que
organiza o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, prevê essa
possibilidade:

Art. 4º No âmbito de sua jurisdição e
competência, caberá ao órgão estadual, do Distrito Federal e municipal de
proteção e defesa do consumidor, criado, na forma da lei, especificamente para
este fim, exercitar as atividades contidas nos incisos II a XII do art. 3º
deste Decreto e, ainda:

(…)

IV – funcionar, no processo
administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua
competência, dentro das regras fixadas pela Lei nº 8.078, de 1990, pela
legislação complementar e por este Decreto;

Art. 22. Será aplicada multa ao
fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indiretamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva,
qualquer que seja a modalidade do contrato de consumo, inclusive nas operações
securitárias, bancárias, de crédito direto ao consumidor, depósito, poupança,
mútuo ou financiamento, e especialmente quando:

(…)

Se o Procon não pudesse perquirir (examinar)
cláusulas contratuais para identificar as abusivas ou desrespeitosas ao
consumidor, como esse órgão poderia aplicar a sanções administrativas?

O Procon, embora seja órgão
administrativo e não detenha jurisdição, está apto a interpretar cláusulas
contratuais, porque a Administração Pública, por meio de órgãos de julgamento
administrativo, pratica controle de legalidade, o que não se confunde com a
função jurisdicional propriamente dita pertencente ao Judiciário.

Ademais, a sanção administrativa aplicada
pelo Procon é passível de ser contestada por ação judicial.

Salienta-se, por fim, que a sanção
administrativa prevista no art. 57 do CDC é legitimada pelo poder de polícia
(atividade administrativa de ordenação) que o Procon detém para cominar multas
relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei 8.078/1990.

Em suma: “além de possível a
aplicação de multa, incumbe aos órgãos administrativos de proteção do
consumidor proceder à análise de cláusulas dos contratos mantidos entre
fornecedores e consumidores para aferir situações de abusividade” (STJ. 1ª
Turma. REsp 1.256.998/GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22/4/2014).

Artigo Original em Dizer o Direito

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