Um dos grandes debates do direito
penal nos últimos anos foi o seguinte:

É possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas
restritivas de direito no delito de tráfico de drogas quando incidir a causa de diminuição do 
§ 4o do art. 33 da Lei 11.343/2006? Em outras palavras, cabe pena restritiva de direitos no chamado “tráfico privilegiado”?
O que dizia a Lei de Drogas (Lei n.° 11.343/2006):

Art. 33. (…)

§ 4o  Nos delitos
definidos no caput e no § 1
o deste artigo, as penas poderão
ser reduzidas de um sexto a dois terços,
vedada a conversão em penas
restritivas de direitos
, desde que o agente seja primário, de bons
antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização
criminosa.



Desse modo, a Lei de Drogas
expressamente vedava a conversão de pena privativa de liberdade aplicada ao “tráfico privilegiado” por restritivas de direitos.

O que os Tribunais Superiores pensavam sobre o tema?

O Pleno do STF, no julgamento do Habeas Corpus 97.256, decidiu que a expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos” contida tanto no § 4º do art. 33 como no art. 44 da Lei n.° 11.343/2006 era inconstitucional:
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE
DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA
PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O processo de individualização
da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado,
desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo,
o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz
sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele,
juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma
empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas
do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva
pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço
do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.


2. No momento sentencial da
dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável
discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da
liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico
maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da
instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa
discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.


3. As penas restritivas de
direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos,
estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente
chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se
num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena
privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função
retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As
demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização,
e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto,
qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo
tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.


4. No plano dos tratados e
convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é
conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se
caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse,
para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra
o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada
ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal
de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a
adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a
restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.


5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da
parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga
“vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do
art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade,
com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade
pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal
que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em
causa, na concreta situação do paciente
.   
(HC 97256, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
01/09/2010)

Com base nesta decisão da Corte
Suprema, o STJ também passou a permitir a substituição de penas privativas de
liberdade em restritivas de direito para os crimes da Lei de Drogas.

Foi então que o Senado Federal,
no dia de ontem, publicou a Resolução n.°
5, de 2012 suspendendo, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição
Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de
agosto de 2006.




Desse modo, desde o dia
16/02/2012, a parte final do 
§ 4º do art. 33  da Lei n.°
11.343/2006 não mais existe no mundo jurídico, ou seja, o referido artigo deverá
ser agora lido assim:

Art. 33. (…)

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.


Em suma, não mais existe, na
legislação brasileira,  vedação para que o juiz, ao condenar o réu pelo  “tráfico privilegiado” 
 (art. 33, com a redução do § 4º da Lei de Drogas), substitua a pena privativa de liberdade por restritivas
de direitos.

Entenda um pouco mais sobre esta Resolução do Senado nos casos do art.
52, X da CF.

No Brasil, o sistema jurisdicional brasileiro de controle de constitucionalidade é o misto ou combinado. Desse modo, adota-se tanto o controle
de constitucionalidade difuso como o concentrado.

Controle concentrado

Controle difuso

Realizado pelo STF, de forma
abstrata, nas hipóteses em que lei ou ato normativo violar a CF/88. Também pode ser realizado pelos Tribunais de Justiça no caso de violação à CE.

Realizado por qualquer juiz ou
Tribunal, em um caso concreto.

Efeitos (regra geral):

  • Ex tunc
  • Erga omnes
  • Vinculante

Efeitos (regra geral):

  • Ex tunc
  • Inter partes
  • Não vinculante

Declarada inconstitucional a lei
pelo STF, no controle difuso, desde que tal decisão seja definitiva e tenha
sido tomada pela maioria absoluta do pleno do Tribunal, deverá o Presidente do STF
enviar um ofício ao Presidente do Senado comunicando a decisão proferida para
que aquela Casa decida se irá aplicar o art. 52, X, da CF/88:

Art. 52. Compete privativamente
ao Senado Federal: 

X – suspender a execução, no todo
ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal;

O Senado é obrigado a suspender a
execução da lei?
A maioria da doutrina entende que
o Senado Federal, ao receber a comunicação, NÃO está obrigado a suspender a execução
da lei declarada inconstitucional, sendo uma hipótese de discricionariedade
política.


Por que o inciso X do art. 52 da CF/88 fala em suspender “no todo ou em parte”?

Porque o Senado Federal pode decidir suspender apenas parte das normas declaradas inconstitucionais pelo STF. 
Exemplo concreto: no julgamento do HC 97256, o STF declarou inconstitucionais tanto o § 4º do art. 33 como o art. 44 da Lei 11.343/2006. O Senado, contudo, decidiu suspender a eficácia apenas do § 4º do art. 33, não suspendendo o art. 44 da Lei de Drogas.
Desse modo, neste caso aqui examinado, o Senado suspendeu, em parte, as normas declaradas inconstitucionais pelo STF.

Quais os efeitos da Resolução do
Senado?

A Resolução do Senado produz
efeitos:

  • Erga omnes (para todos).
  • Ex nunc (não retroativo).

Desse modo, no caso da Resolução n.° 05/2012 acima comentada, a
partir de ontem, a decisão do STF no HC n.°
97.256 declarando inconstitucional a expressão

“vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33  da Lei n.° 11.343/2006 vale para
todos.

Artigo Original em Dizer o Direito

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