Responsabilidade civil do Estado

Responsabilidade civil do Estado é
a obrigação que a Administração Pública tem de indenizar os danos patrimoniais
ou morais que seus agentes, atuando nesta qualidade, causarem a terceiros.
Qual é o tipo de responsabilidade
civil do Estado?

Responsabilidade objetiva. Isso
está previsto no art. 37, § 6º da CF/88 e no art. 43 do Código Civil:
Art. 37 (…)
§ 6º – As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa.
Se você reparar bem o § 6º acima,
verá que não está escrito expressamente que a responsabilidade é objetiva. A
doutrina e a jurisprudência, no entanto, de forma pacífica assim entendem por
um motivo: o dispositivo exige dolo ou culpa para que o agente público responda
regressivamente, mas não faz esta mesma exigência para que o Estado tenha que
indenizar. Logo, interpreta-se que a exigência de dolo ou culpa é unicamente
para a ação regressiva.
Requisitos para que haja a
responsabilidade civil do Estado

Quando se fala que a
responsabilidade do Estado é objetiva, isso significa que a pessoa que sofreu
um dano causado por um agente público terá que provar apenas três elementos:
a) conduta praticada por um
agente público, nesta qualidade;
b) dano;
c) nexo de causalidade
(demonstração de que o dano foi causado pela conduta).
Teorias do risco administrativo e
do risco integral

Vimos acima que a
responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, o lesado não precisa
comprovar a culpa da Administração Pública. No entanto, ainda persiste uma dúvida:
o Estado deverá sempre indenizar? Ele poderá alegar excludentes de
responsabilidade para se isentar da indenização?
Sobre este tema, destaco a
existência de duas teorias principais:
Teoria do RISCO ADMINISTRATIVO

Teoria do RISCO INTEGRAL

A
responsabilidade do Estado é objetiva

(a
vítima lesada não precisa provar culpa).

A
responsabilidade do Estado é objetiva

(a
vítima lesada não precisa provar culpa).

O
Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove alguma causa
excludente de responsabilidade:

a)
caso fortuito ou força maior;

b)
culpa exclusiva da vítima;

c)
culpa exclusiva de terceiro.

Não
admite excludentes de responsabilidade.

Mesmo
que o Estado prove que houve caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da
vítima ou culpa exclusiva de terceiro, ainda assim será condenado a
indenizar.

É
adotada como regra no Direito brasileiro.

É
adotada no Direito brasileiro, de forma excepcional, em alguns casos. A
doutrina diverge sobre quais seriam estas hipóteses.

Para
fins de concurso, existe um caso no qual o STJ já afirmou expressamente que
se acolhe o risco integral: dano ambiental (REsp 1.374.284).

Diógenes Gasparini explicava com
peculiar didática em que consistia a teoria do risco integral:
“Por teoria do risco
integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano,
desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito
da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova
visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de
indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento. Assim, ter-se-ia de
indenizar a família da vítima de alguém que, desejando suicidar-se, viesse a se
atirar sob as rodas de um veículo, coletor de lixo, de propriedade da Administração
Pública, ou se atirasse de um prédio sobre a via pública. Nos dois exemplos,
por essa teoria, o Estado, que foi simplesmente envolvido no evento por ser o
proprietário do caminhão coletor de lixo e da via pública, teria de indenizar.
Em ambos os casos os danos não foram causados por agentes do Estado. A vítima
os procurou, e o Estado, mesmo assim, teria de indenizar.” (Direito Administrativo. São Paulo:
Saraiva, 16ª Ed., 2011, p. 1.114).
Teoria que rege a teoria da responsabilidade
civil do Estado
Regra: teoria do risco
administrativo (o Estado pode invocar causas excludentes de responsabilidade).
Exceção: em alguns poucos casos,
acolhe-se a teoria do risco integral.
Qual é o tipo de responsabilidade
civil aplicável nos casos de omissão do Estado? Se a Administração Pública
causa um dano ao particular em virtude de uma conduta omissa, a
responsabilidade nesta hipótese também será objetiva?

Existe intensa divergência sobre
o tema:
Doutrina tradicional e STJ

Jurisprudência do STF

Na
doutrina, ainda hoje, a posição majoritária é a de que a responsabilidade
civil do Estado em caso de atos omissivos é SUBJETIVA, baseada na teoria da
culpa administrativa (culpa anônima).

Assim,
em caso de danos causados por omissão, o particular, para ser indenizado,
deveria provar:

a)
a omissão estatal;

b)
o dano;

c)
o nexo causal;

d) a culpa administrativa (o serviço público não
funcionou, funcionou de forma tardia ou ineficiente).

Esta
é a posição que você encontra na maioria dos Manuais de Direito
Administrativo.

O
STJ ainda possui entendimento majoritário no sentido de que a
responsabilidade seria subjetiva. Vide: STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp
1345620/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 24/11/2015.

Na
jurisprudência do STF, contudo, tem ganhado força nos últimos anos o
entendimento de que a responsabilidade civil nestes casos também é OBJETIVA.
Isso porque o art. 37, § 6º da CF/88 determina a responsabilidade objetiva do
Estado sem fazer distinção se a conduta é comissiva (ação) ou omissiva.

Não
cabe ao intérprete estabelecer distinções onde o texto constitucional não o
fez.

Se
a CF/88 previu a responsabilidade objetiva do Estado, não pode o intérprete
dizer que essa regra não vale para os casos de omissão.

Dessa forma, a responsabilidade objetiva do Estado
engloba tanto os atos comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o
nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público.

(…) A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de
que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos
danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos,
desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder
Público. (…)

STF. 2ª Turma. ARE 897890 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgado em 22/09/2015.

No mesmo sentido: STF. 2ª Turma. RE 677283 AgR, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/04/2012.

Deve-se fazer, no entanto, uma advertência:
para o STF, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões. No
entanto, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos
particulares só restará caracterizado quando o Poder Público tinha o dever
legal específico de agir para impedir o evento danoso e mesmo assim não cumpriu
essa obrigação legal.
Assim, o Estado responde de forma
objetiva pelas suas omissões, desde que ele tivesse obrigação legal específica
de agir para impedir que o resultado danoso ocorresse. A isso se chama de
“omissão específica” do Estado.
Dessa forma, para que haja
responsabilidade civil no caso de omissão, deverá haver uma omissão específica
do Poder Público (STF. Plenário. RE 677139 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgado em 22/10/2015).
Se um detento é morto dentro da
unidade prisional, haverá responsabilidade civil do Estado?

SIM. A CF/88 determina que o
Estado se responsabiliza pela integridade física do preso sob sua custódia:
Art. 5º (…) XLIX – é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Logo, o Poder Público poderá ser
condenado a indenizar pelos danos que o preso venha a sofrer. Esta
responsabilidade é objetiva.
Assim, a morte de detento gera
responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão
específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art.
5º, XLIX, da CF/88.
Vale ressaltar, no entanto, que a
responsabilidade civil neste caso, apesar de ser objetiva, é regrada pela
teoria do risco administrativo. Desse modo, o Estado poderá ser dispensado de
indenizar se ficar demonstrado que ele não tinha a efetiva possibilidade de
evitar a ocorrência do dano. Nas exatas palavras do Min. Luiz Fux: “(…)
sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso
reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano.
Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco
integral, não acolhida pelo texto constitucional (…)”.
Em suma:

• Em regra: o Estado é
objetivamente responsável pela morte de detento. Isso porque houve inobservância
de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88.

• Exceção: o Estado poderá ser
dispensado de indenizar se ele conseguir provar que a morte do detento não
podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado
morte e a omissão estatal.
O STF fixou este entendimento por
meio da seguinte tese:
Em caso de inobservância de seu dever
específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é
responsável pela morte de detento.

STF. Plenário.
RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral)
(Info 819).
Exemplo:

Imagine que um detento está
doente e precisa de tratamento médico. Ocorre que este não lhe é oferecido de
forma adequada pela administração penitenciária. Há claramente uma violação ao
art. 14 da LEP. Neste caso, se o preso falecer, o Estado deverá ser
responsabilizado, considerando que houve uma omissão específica e o óbito era
plenamente previsível.
Suponha, no entanto, que o preso
estivesse bem e saudável e, sem qualquer sinal anterior, sofre um mal súbito no
coração e cai morto instantaneamente no pátio do presídio. Nesta segunda
hipótese, o Poder Público não deverá ser responsabilizado por essa morte, já
que não houve omissão estatal e este óbito teria acontecido mesmo que o preso
estivesse em liberdade.
O Estado pode ser responsabilizado
pela morte do detento mesmo que ele se suicide?

SIM. Existem precedentes do STF e
do STJ nesse sentido: STF. 2ª Turma. ARE 700927 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 28/08/2012.
No entanto, aqui também, como se
adota a teoria do risco administrativo, o Estado poderá provar alguma causa
excludente de responsabilidade. Assim, nem sempre que houver um suicídio,
haverá responsabilidade civil do Poder Público.
O Min. Luiz Fux exemplifica seu
raciocínio com duas situações:
• Se o detento que praticou o
suicídio já vinha apresentando indícios de que poderia agir assim, então, neste
caso, o Estado deverá ser condenado a indenizar seus familiares. Isso porque o
evento era previsível e o Poder Público deveria ter adotado medidas para evitar
que acontecesse.

• Por outro lado, se o preso
nunca havia demonstrado anteriormente que poderia praticar esta conduta, de
forma que o suicídio foi um ato completamente repentino e imprevisível, neste
caso o Estado não será responsabilizado porque não houve qualquer omissão
atribuível ao Poder Público.
Vale ressaltar que é a
Administração Pública que tem o ônus de provar a causa excludente de
responsabilidade.
Obs: durante os debates, o Min.
Marco Aurélio defendeu que a responsabilidade do Estado em caso de violações a
direitos dos detentos seria baseada no risco integral. Trata-se, contudo, de
posicionamento minoritário.

Artigo Original em Dizer o Direito

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