Nos painéis do primeiro dia do “Seminário Nacional Simone André Diniz: justiça, segurança pública e antirracismo”, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), os temas centrais foram as manifestações do racismo no universo corporativo e a atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos no combate à discriminação racial e no combate à prática. 

Mulheres negras no espaço corporativo

O “racismo recreativo” e o “sexismo amigável” que vitimizam mulheres negras nos espaços corporativos foi o tema do painel inaugural do seminário, conduzido pelo advogado Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Segundo ele, essas duas formas de preconceito se expressam por meio de piadas e da sexualização exacerbada da mulher negra. 

Conforme Adilson Moreira, em culturas corporativas opressoras, as pessoas inferiorizadas “entendem que não podem reclamar do racismo ou do sexismo e que precisam se adequar ao que os membros dos grupos dominantes determinam ser adequado”. Disso resultam custos emocionais elevados para elas, que se veem, além de tudo, impedidas de desempenhar suas funções e expressar sua criatividade. 

Para ele, é emergencial que as empresas adotem medidas para transformar a cultura corporativa com foco na diversidade e na inclusão, se quiserem apostar na longevidade dos negócios. “Todas as vezes em que não se preocupam com a criação de um ambiente de trabalho acolhedor para a diversidade, as empresas estão dando um tiro no próprio pé e impedindo que elas mesmas possam contribuir para a sociedade como um todo, inclusive na integração social”. 

“Reparação histórica”

No primeiro painel, a palestrante Margarette May Macaulay, comissária Interamericana de Direitos Humanos e mediadora no Tribunal Supremo da Jamaica, falou por videoconferência sobre “O sistema interamericano e a proibição da discriminação racial”, com mediação de Acir Pimenta Madeira Filho, assessor-chefe de Relações Internacionais do TST. Ela abordou aspectos do caso Simone Diniz, tratando-o como referencial sobre a discriminação racial e uma “forma de invocar memórias importantes”, e destacou a necessidade de “reparação histórica dessas práticas de discriminação”.

Macaulay relatou precedentes na OEA e mostrou um panorama do racismo no contexto da discriminação estrutural, envolvendo preconceitos e sistemas de crenças, além da discriminação indireta. Entre outros aspectos, apontou a dificuldade de acesso à justiça, a falta de investigação dos casos de racismo e a impunidade, além de intolerância e violência policial no Brasil. Para mudar a situação, enfatizou, entre outras recomendações, a importância de políticas públicas e a participação ativa dos agentes do Estado.

Novos comportamentos

No segundo painel, dedicado ao tema “Sistema interamericano e o enfrentamento ao racismo”, foi a vez de dar voz também a quem acompanhou de perto o caso de Simone até ele chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A mediação ficou a cargo de Amanda Ribeiro dos Santos, promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná e membro do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo do Conselho Nacional do Ministério Público, para quem “Simone é um motivo de inspiração, para que possamos pensar em políticas públicas, novos comportamentos e novos olhares”.  

Racismo sistêmico 

Participante do segundo painel, Sinvaldo Firmo, coordenador jurídico do Instituto do Negro Padre Batista, que acompanhou Simone desde o início, fez duras críticas a delegados, membros do Ministério Público e juízes e disse que o racismo, mais que estrutural, é sistêmico, “inclusive no Judiciário”. Segundo ele, diversas entidades se mobilizaram para o caso de Simone seguir para a CIDH e que, apesar de tudo, a situação continua igual, pois as mulheres negras têm dificuldade para denunciar e desanimam. Contra isso, fez um apelo: “Temos que mudar essa cultura”.

Helena de Souza Rocha, co-diretora do Programa para o Brasil e Cone Sul do Centro Internacional pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), alertou que não há apenas uma, mas “muitas Simones”. Segundo elas, casos em que não houve responsabilização “escancaram o racismo estrutural, histórico, institucionalizado”. 

Para a painelista, é preciso reverter a situação que provocou a violação do direito da Simone. Helena ressaltou a necessidade de mudanças legislativas, de formação da polícia, de criação de delegacias e promotorias públicas especializadas e de seminários estaduais para fortalecer a luta contra discriminação. “Que este seja o primeiro”,  concluiu.

Violações grotescas

André de Carvalho Ramos, procurador regional da República, doutor em Direito Internacional e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), tratou da importância do controle de convencionalidade e direito antidiscriminatório. Ele explicou que convencionalidade seria a forma de interpretar os tratados internacionais – o Sistema Internacional de Direitos Humanos – como mecanismo que afere a compatibilidade de normas nacionais com tratados internacionais. 

A seu ver, não é necessário apenas ratificar tratados, mas implementar deliberações internacionais. Ao se fazer esse estudo, se percebem situações às quais nos acostumamos como “violações grotescas de direitos humanos”.

Círculo vicioso

A procuradora do Estado de São Paulo Flávia Cristina Piovesan, coordenadora científica da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH UMF) no CNJ, lembrou que a história de Simone Diniz mostra o racismo “nas suas mais diversas dimensões, num círculo vicioso”, e desejou que o encontro promovido pelo seminário possa “fazer a diferença, transformando-o num círculo virtuoso”. Ela falou da necessidade da inclusão do povo afrodescendente, com adoção de medidas na construção do processo de igualdade, e lembrou que há novos desafios a serem tratados, tais como racismo na internet.
 
A mediadora encerrou o evento de quinta-feira (17) salientando a importância de trabalhar em padrões antidiscriminatórios e reformar o sistema de justiça. “O seminário será um marco para discutir e refletir sobre os espaços que os homens e mulheres negras ocupam na nossa sociedade”, concluiu.

O evento segue nesta sexta-feira (18), com transmissão pelo canal do TST no YouTube

Acesse a programação.

Confira a galeria de fotos do evento.

(Natália Pianegonda e Lourdes Tavares/CF)

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17/11/2022 – Caso histórico de discriminação gera debate inédito contra o racismo 

Com informações do Tribunal Superior do Trabalho

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