O papel do Judiciário na consolidação de caminhos para garantir a proteção dos direitos fundamentais e a luta histórica pelo reconhecimento dos direitos de segmentos sociais minoritários foram os temas centrais da abertura do seminário Igualdade e Justiça: a Construção da Cidadania Plural, que aconteceu na manhã desta quinta-feira (22), no auditório externo do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Realizado com apoio da Embaixada da Suécia e do Instituto Innovare, o evento reúne juristas e especialistas de diversas áreas para discutir, ao longo do dia, temas como pluralidade e diversidade, identidade de gênero, direitos humanos, liberdade de expressão, união homoafetiva e as realidades nos sistemas regionais de direitos humanos.

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Ao abrir o seminário, a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, relembrou episódios históricos que foram marcos da consolidação dos direitos essenciais, a exemplo do Domingo das Mulheres, manifestação ocorrida em Londres que assegurou a conquista do direito ao voto feminino, em 1918, e a Revolta de Stonewall, como ficou conhecida a reação da população homossexual de Nova York contra a repressão policial e a discriminação motivadas pela orientação sexual, em 1969.​​​​​​​​​

História de lutas: a ministra Maria Thereza de Assis Moura lembrou o Domingo das Mulheres e a Revolta de Stonewall ao falar sobre marcos da consolidação dos direitos fundamentais. | Foto: Gustavo Lima/STJ

"Diferentes matizes expressam os eventos históricos que aqui foram referidos. Todos, contudo, estão interligados por denominador comum: a luta permanente em prol da construção dos espaços intangíveis da dignidade humana. Esta é uma luta histórica. É uma luta por igualdade e justiça", declarou a presidente do STJ.

Justiça é protagonista na garantia da dignidade de grupos vulneráveis

Segundo a ministra Maria Thereza, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, a Justiça teve protagonismo na afirmação da igualdade e da cidadania para grupos sociais de diferentes condições, orientações sexuais e identidades de gênero.

Ela apontou eventos recentes, como a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar.

No âmbito do STJ, a presidente da corte destacou decisões igualmente relevantes que reconheceram o direito de retificação do registro civil de pessoa submetida à cirurgia de transgenitalização e, depois, estenderam esse direito a transgêneros não operados.

"Pelas letras e pelas palavras da Justiça, revelaram-se histórias, dramas e anseios. Foram as tintas da Justiça que resguardaram os espaços fundamentais da igualdade e da dignidade dessa população historicamente vulnerável na fruição dos direitos mais ##elementares## da cidadania", refletiu a magistrada.

Agentes públicos devem sinalizar que sociedade pode ser inclusiva e plural

A embaixadora da Suécia no Brasil, Karin Wallensteen, fez o seguinte questionamento ao falar no seminário: como será a vida de pessoas que precisam lidar com indivíduos convictos do direito de criticá-las? Ela destacou a responsabilidade dos agentes públicos na garantia de amplo acesso aos direitos fundamentais.

"Como formuladores de políticas, funcionários públicos e juízes, podemos construir direitos, interpretá-los e aplicá-los. Tudo isso é importante e é um sinal de que uma sociedade pode ser inclusiva e plural", observou.

Autor do livro Dignidade da Pessoa Humana e professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento alertou que a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero configura "seríssima violação à igualdade e à dignidade humana", sendo dever do Poder Judiciário assumir papel central na defesa desses direitos.

"Nesse cenário, em que vemos ondas conservadoras e a penetração profunda de um discurso moralista e conservador voltado contra essas populações – e também contra outras agendas ligadas, por exemplo, aos direitos sexuais e reprodutivos –, é muito importante a atuação da Justiça", disse o professor de direito constitucional.

Reconhecimento da união homoafetiva pelo STF foi decisão pioneira

No painel "Pluralidade e diversidade: existência e identidade na afirmação dos direitos humanos", mediado pela presidente do STJ, o ministro do STF Dias Toffoli ressaltou a importância da decisão que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.​​​​​​​​​

Papel da Justiça: o ministro Dias Toffoli destacou o julgamento que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar e outras decisões marcantes em prol da igualdade. | Foto: Gustavo Lima/STJ

"Quando era presidente do STF, essa decisão foi premiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônio documental da humanidade, e indiquei o ministro Ayres Britto, autor do voto que capitaneou essa decisão, para o recebimento desse prêmio. Ela é considerada a primeira decisão no sentido de reconhecer a família homoafetiva no mundo", destacou o ministro.

Toffoli apresentou ainda outros exemplos de importantes julgados do STF, como o que declarou inconstitucional a proibição de doação de sangue por homens homossexuais e bissexuais ou seus parceiros e parceiras, em 2020.

Na Suécia, militares podem desfilar uniformizados em paradas LGBT+

Diego García-Sayán, ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, também dedicou sua fala a julgamentos de ampla repercussão, como o caso Atala Riffo e crianças vs. Chile, em que foi revisada a decisão de um tribunal daquele país que concedeu a custódia das filhas ao pai por causa da orientação sexual da mãe. Ele elogiou ainda os posicionamentos recentes da Justiça brasileira.

"Há avanços jurisprudenciais espetaculares no Brasil, mas também há números preocupantes sobre homicídios. Então, há um dever pendente. Ainda assim, estamos avançando diante das contradições da sociedade. Essa evolução jurídica é uma obrigação, e espaços como esse seminário são fundamentais para reconhecer os avanços", afirmou Diego García-Sayán.

Petra Jäppinen, assessora LGBT+ e especialista em igualdade das Forças Armadas da Suécia, falou sobre sua história de combate à discriminação e o esforço para tornar a instituição militar mais inclusiva.

Ela explicou que a aceitação da diversidade sexual no ambiente militar é fruto de uma evolução gradual, mas, atualmente, há avanços consideráveis, como pode ser observado na participação de militares uniformizados nas paradas LGBT+ que ocorrem no país.

"Um grupo mais diversificado tem mais capacidade de trazer soluções para as Forças Armadas. Um soldado é melhor quando ele pode ser quem ele é de verdade, sem precisar ficar se escondendo", comentou.

Tribunal lança novos vídeos da campanha Transformando Direitos

Durante o seminário, o STJ vai lançar a segunda temporada da série de vídeos da campanha institucional Transformando Direitos, vinculada ao programa Humaniza STJ.

No fim do ano passado, a Secretaria de Comunicação Social do tribunal lançou o projeto multiplataforma com reportagens especiais, eventos institucionais e uma série de vídeos que mostram o protagonismo de decisões judiciais na afirmação de direitos da população LGBT+.

Na primeira temporada, a campanha exibiu quatrornvídeos sobre o tema visibilidade trans e os precedentes do STJ (assistarnaqui).

Agora, os novos vídeos avançam em outras decisões históricas, relembrando a repercussão de julgamentos envolvendo a temática LGBT+, como a união entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por casais homoafetivos e o reconhecimento de direitos previdenciários e de herança.

Assista ao primeiro vídeo desta segunda temporada.

O seminário continua ao longo do dia com outros painéis e uma roda de conversa com jornalistas. No fim dia, haverá o lançamento do livro Translúcida, organizado pelo ministro Sebastião Reis Junior (que também esteve presente na mesa de aberturarndo evento) e dedicado, em especial, ao tema das pessoas transgênero.

Em paralelo ao evento, será inaugurada uma exposição com imagens e vídeos sobre a história da afirmação dos direitos da população LGBT+.

Veja outras fotos do evento.

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