STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omisso legislativa

O Plenrio do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve omisso inconstitucional do Congresso Nacional por no editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injuno (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin, foi concludo na tarde desta quinta-feira (13).

Por maioria, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatrios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Lus Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Crmen Lcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) at que o Congresso Nacional edite lei sobre a matria. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem que a conduta s pode ser punida mediante lei aprovada pelo Legislativo. O ministro Marco Aurlio no reconhecia a mora.

Ministra Crmen Lcia

Primeira a votar na sesso de hoje, a ministra Crmen Lcia acompanhou os relatores pela procedncia dos pedidos. Ela avaliou que, aps tantas mortes, dio e incitao contra homossexuais, no h como desconhecer a inrcia do legislador brasileiro e afirmou que tal omisso inconstitucional. “A reiterao de atentados decorrentes da homotransfobia revela situao de verdadeira barbrie. Quer-se eliminar o que se parece diferente fsica, psquica e sexualmente”, disse.

Para a ministra, a singularidade de cada ser humano no pretexto para a desigualdade de dignidades e direitos, e a discriminao contra uma pessoa atinge igualmente toda a sociedade. “A tutela dos direitos fundamentais h de ser plena, para que a Constituio no se torne mera folha de papel”, finalizou.

Ricardo Lewandowski

Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu a mora legislativa e a necessidade de dar cincia dela ao Congresso Nacional a fim de que seja produzida lei sobre o tema. No entanto, no enquadra a homofobia e a transfobia na Lei do Racismo. Para Lewandowski, indispensvel a existncia de lei para que seja vivel a punio penal de determinada conduta.

“A extenso do tipo penal para abarcar situaes no especificamente tipificadas pela norma incriminadora parece-me atentar contra o princpio da reserva legal, que constitui uma garantia fundamental dos cidados que promove a segurana jurdica de todos”, afirmou o ministro, citando jurisprudncia da Corte nesse sentido. Segundo ele, a Constituio Federal somente admite a lei como fonte formal e direta de regras de direito penal. (Leia a ntegra do voto.)

Ministro Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedncia das aes. Alm de identificar a inrcia do Congresso Nacional, ele entendeu que a interpretao apresentada pelos relatores de que a Lei do Racismo tambm pode alcanar os integrantes da comunidade LGBT compatvel com a Constituio Federal.

Em seu voto, Mendes lembrou que a criminalizao da homofobia necessria em razo dos diversos atos discriminatrios – homicdios, agresses, ameaas – praticados contra homossexuais e que a matria envolve a proteo constitucional dos direitos fundamentais, das minorias e de liberdades.

Ministro Aurlio Aurlio

Ao votar, o ministro Marco Aurlio no admitiu o mandado de injuno, por considerar inadequada o uso deste instrumento processual na hiptese. Por outro lado, admitiu em parte a ADO, mas no reconheceu a omisso legislativa quanto criminalizao especfica da homofobia e da transfobia.

Para o ministro, a Lei do Racismo no pode ser ampliada em razo da taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalizao do STF para a necessria proteo das minorias e dos grupos socialmente vulnerveis, por si s, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminao, preservados os limites da separao dos Poderes e da reserva legal em termos penais.

Presidente

ltimo a votar, o ministro Dias Toffoli acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski pela procedncia parcial dos pedidos. O presidente da Corte ressaltou que, apesar da divergncia na concluso, todos os votos proferidos repudiam a discriminao, o dio, o preconceito e a violncia por razes de orientao sexual e identidade de gnero. De acordo com Toffoli, com o julgamento, a Corte d efetividade ao artigo 3º, inciso IV, da Constituio Federal, segundo o qual objetivo da Repblica promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

Concluso

Por maioria, o Plenrio aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em trs pontos. O primeiro prev que, at que o Congresso Nacional edite lei especfica, as condutas homofbicas e transfbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018 e, no caso de homicdio doloso, constitui circunstncia que o qualifica, por configurar motivo torpe. No segundo ponto, a tese prev que a represso penal prtica da homotransfobia no alcana nem restringe o exerccio da liberdade religiosa, desde que tais manifestaes no configurem discurso de dio. Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biolgicos ou fenotpicos e alcana a negao da dignidade e da humanidade de grupos vulnerveis. Ficou vencido o ministro Marco Aurlio.

Leia a ntegra da tese.

EC/CR

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