“Ao longo desses 30 anos, o STJ tem exercido com maestria sua missão constitucional, sendo um exemplo de prestação jurisdicional. O STJ tem um papel chave na missão de garantir a integridade dos direitos do cidadão, o Estado Democrático de Direito e a paz social. Quanto mais próximos STF e STJ estiverem, melhor para o jurisdicionado”, afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, na palestra de encerramento do seminário O Direito Processual Civil nos 30 anos do Superior Tribunal de Justiça.

Ao fechar o evento, realizado durante todo o dia no auditório do STJ, o presidente da corte, ministro João Otávio de Noronha, disse que a realização do encontro foi motivo de orgulho para a instituição.

“Encerramos o dia com a conclusão de que o STJ é mesmo o principal intérprete do Código de Processo Civil porque assim determina a Constituição, e nesses 30 anos o STJ evoluiu muito na interpretação da norma processual, procurando trazer mais efetividade para o código”, declarou.

O seminário fez parte das comemorações do aniversário de 30 anos de instalação do STJ e foi promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) em parceria com o tribunal. 

Desafio

Na palestra de encerramento, o ministro Dias Toffoli afirmou que o grande desafio do Poder Judiciário, diante da quantidade de processos, é repensar os meios de julgamento.

Segundo Toffoli, as cortes superiores têm enfatizado o seu papel de formadoras de teses. Mas ele questionou: como é possível formar teses com um enorme estoque de processos represados e ainda mais se, depois de formada a tese, somente metade da magistratura a segue?

O presidente do STF mencionou que uma recente pesquisa feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros em parceria com a Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) mostrou que os juízes de primeira instância pouco levam em consideração os precedentes firmados nas instâncias superiores.

“Aquilo que desoneraria as instâncias ordinárias, porque já é um tema maduro nas instâncias superiores, acaba por não ser considerado”, disse o ministro, acrescentando que falta comunicação entre as cortes superiores e as instâncias ordinárias.

Ele disse que é preciso modernizar o sistema e utilizar a inteligência artificial para facilitar o atendimento ao jurisdicionado, à magistratura e às funções essenciais à Justiça.

“Temos que ter um sistema mais integrado, mais nacional, e temos que ter mais diálogo. Para isso, temos trabalhado com cooperação e interlocução constante com as demais instâncias judiciais, investindo na modernização administrativa e no fomento da inovação tecnológica.”

Ao parabenizar o STJ pelos seus 30 anos, Toffoli destacou que “o objetivo das cortes superiores é fixar as teses do ponto de vista nacional para trazer maior estabilidade para todos os segmentos da sociedade. Nesse sentido, a criação do STJ trouxe essa importante segurança judicial, com um tribunal exclusivamente dedicado a uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional, fortalecendo o sistema de proteção e garantias do cidadão”.

Recurso especial

O primeiro painel da tarde foi dedicado à discussão da arguição de relevância da questão federal no recurso especial. O painel foi mediado pela procuradora da Fazenda Nacional Rita Vasconcelos e teve como palestrantes o ministro Ribeiro Dantas e o assessor especial do STF Alexandre Freire.

Na abertura de sua palestra, o ministro Ribeiro Dantas apresentou um panorama atual do acervo de processos no Judiciário e no STJ, que julgou mais de 412 mil processos apenas em 2018 – uma média de 10 mil casos por ministro. “A situação dos juízes brasileiros é muito parecida com a dos médicos nos hospitais públicos”, comparou.

Como forma de combater o crescente número de processos, Ribeiro Dantas citou as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 em relação à obrigação de os tribunais superiores organizarem sua jurisprudência e a manterem estável, íntegra e coerente, além das modificações realizadas pelo STJ em seu regimento interno, que tem sido aprimorado para a implementação de um sistema brasileiro de precedentes.

Mesmo assim, o ministro lembrou a necessidade de aprovação, no Congresso Nacional, da proposta de emenda à Constituição que estabelece a exigência de demonstração da relevância da questão de direito federal para a admissão do recurso especial. Segundo o ministro, o filtro não prejudicará o jurisdicionado; em vez disso, trará benefícios em relação ao incremento da colegialidade e a diminuição da subjetividade nos julgamentos.

Entretanto, Ribeiro Dantas lembrou que a PEC, sozinha, não resolverá a crise do recurso especial, já que também são necessárias outras medidas, como a adoção de alternativas para o enfretamento do excessivo número de habeas corpus analisados pelo STJ.

Na sequência, o assessor Alexandre Freire apresentou o que chamou de “pontos cegos” do sistema de repercussão geral no STF e como as experiências daquela corte podem contribuir com a implementação da exigência da relevância no STJ.

Freire destacou que o sistema de repercussão foi convertido de um filtro de litigância para uma técnica de gestão do acervo processual do STF, o que tem gerado impactos no gerenciamento processual nos demais tribunais. Contudo, o assessor também apresentou experiências positivas, como a adoção do Plenário Virtual para a análise da admissão da repercussão geral.

Inteligência artificial  

Ao falar sobre “A inteligência artificial e seus impactos no STJ”, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que, no tribunal, a dificuldade de implantar sistemas de inteligência artificial efetivos esbarram quase sempre na dificuldade de transformar os arquivos dos processos, que são digitalizados em formato de imagem, em um texto reconhecível e utilizável pelo computador.

Para ele, com o efetivo uso da inteligência artificial – através da exploração da multiplicidade de dados existentes e do uso de máquinas que tenham a capacidade de aprender –, será possível “fazer uma indexação efetiva, identificar as controvérsias de cada recurso, propor as doutrinas e os precedentes jurisprudenciais aplicáveis ao caso e, até mesmo, propor uma solução que pode ser ou não aceita pelo aplicador do direito”.

No entanto, o ministro explicou que o primeiro passo é regular o uso desse tipo de inteligência, identificando a abrangência dos dados utilizados, o regime jurídico – se público ou privado – e a sua auditabilidade. Segundo ele, também devem ser definidos “parâmetros para que haja uma inteligência artificial minimamente adequada à Justiça”. Citou como exemplos a transparência, a integridade dos dados, a rastreabilidade e a motivação algorítmica da decisão judicial, sempre que ela existir.

Em seguida, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Paulo Henrique Lucon, falou sobre as vantagens do uso da inteligência artificial no sistema de Justiça, mas ressaltou os desafios na formulação dos algoritmos. “Se os códigos-fonte dos programas de computador responsáveis pela confecção de decisões judiciais não forem corretamente desenhados, poderão produzir resultados equivocados, enviesados ou que tenham desconsiderado alguns aspectos relevantes à controvérsia”, alertou.

Por fim, o presidente do painel, Ronaldo Cramer (IBDP), observou que esse tipo de inteligência pode ser utilizado para desempenhar tarefas repetitivas, nas quais o homem tenha mais dificuldade. Para ele, as bases de dados dos programas têm que ser auditáveis, públicas e representativas de toda a sociedade, com o cuidado de não promover preconceitos na aplicação da lei ou na execução de tarefas específicas do Poder Judiciário.

Reclamação

No último painel do dia, que tratou da reclamação no STJ, a ministra Nancy Andrighi falou sobre os aspectos legais e a razão de existir do instituto. Para ela, por não existir correspondência em outros ordenamentos jurídicos modernos, existe uma dificuldade para explicar a medida para magistrados e operadores do direito em outros países.

Segundo Nancy Andrighi, a necessidade do instrumento se justifica pelo fato de que grande parte da magistratura brasileira não segue os precedentes firmados nas cortes superiores. “Por mais paradoxal que seja, a reclamação acaba sendo um mecanismo indispensável em nosso sistema, que admite o desrespeito ao julgado da corte como algo possível e até mesmo algo natural”, afirmou.

O professor da Universidade de São Paulo Flávio Yarshell reforçou a crítica feita pela ministra, afirmando que a reclamação deveria ser vista como hipótese excepcional.

“A reclamação é quase uma excrescência do sistema, pois ela tem como pressuposto a usurpação da competência de determinado órgão, mas principalmente a ideia de que há uma incoerência interna nesse sistema quando um órgão descumpre aquilo que outro órgão hierarquicamente superior estabelece”, disse.

A presidente da mesa, Rogéria Dotti, encerrou o painel afirmando que dentro de um contexto em que se preza o sistema de precedentes e a estabilidade da jurisprudência, a reclamação se faz “absolutamente necessária”.

Seminário discute evolução do direito processual civil e os 30 anos do STJ

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