Súmula 648 do STJ comentada


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Súmula 648-STJ: A superveniência da sentença condenatória prejudica
o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas
corpus.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em
14/04/2021, DJe 19/04/2021.

 

Imagine
a seguinte situação hipotética:

O Ministério
Público ajuizou ação penal contra João acusando-o da prática de determinado
crime.

O juiz
recebeu a denúncia e determinou a citação do réu para responder a acusação.

João
apresentou resposta escrita alegando que não havia justa causa e que, portanto,
ele deveria ser absolvido sumariamente.

O
magistrado, contudo, rejeitou o pedido de absolvição sumária e determinou o
início da instrução penal.

 

João
ainda continuava inconformado. Existe algum recurso que ele possa interpor?
Cabe algum recurso contra a decisão do juiz que rejeita o pedido de absolvição
sumária?

NÃO. Não
existe recurso cabível na legislação para esse caso. Diante disso, a
jurisprudência admite a impetração de habeas corpus sob o argumento de que
existe risco à liberdade de locomoção.

Desse modo,
em nosso exemplo, a defesa de João impetrou habeas corpus no Tribunal de
Justiça pedindo o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

O
Desembargador negou o pedido de liminar e designou o dia 15/08 para o
julgamento do habeas corpus pela Câmara Criminal do TJ.

Ocorre que, antes
disso, no dia 08/08, o juiz proferiu sentença condenando o réu.

 

Diante
desse cenário, o que acontece com o julgamento do habeas corpus? O Tribunal de
Justiça irá apreciar o mérito do habeas corpus?

NÃO. A
superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no
habeas corpus no se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta
de justa causa.

A sentença
condenatória analisa a existência de justa causa de forma mais aprofundada,
após a instrução penal com contraditório e ampla defesa. Logo, não faz mais
sentido o Tribunal examinar a decisão de rejeição da absolvição sumária se já
há uma nova decisão mais aprofundada. Será essa nova manifestação (sentença)
que precisará ser analisada.

Logo, o réu
terá que interpor apelação contra a sentença condenatória, recurso de cognição
ampla por meio do qual toda a matéria será devolvida ao Tribunal, que terá a
possibilidade de examinar de se a condenação foi acertada, ou não.

 

Não é cabível examinar a
inépcia da inicial acusatória, bem como a justa causa para ação penal, após a
prolação de sentença condenatória, porquanto todos os elementos da exordial
acusatória, bem como da conduta criminosa, foram amplamente debatidos pelas
instâncias ordinárias, em cognição vertical e exauriente.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 463.788/SP, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 13/11/2018.

 

O pedido de trancamento do processo por inépcia da denúncia ou
por ausência de justa causa para a persecução penal não é cabível quando já há
sentença, pois seria incoerente analisar a mera higidez formal da acusação ou
os indícios da materialidade delitiva se a própria pretensão condenatória já
houver sido acolhida, depois de uma análise vertical do acervo fático e
probatório dos autos.

STJ. 6ª Turma. RHC 32.524/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 4/10/2016.

 

E se a sentença tivesse sido absolutória? Se o
juiz tivesse absolvido João, o HC também ficaria prejudicado?

SIM. Com
maior razão, o habeas corpus estaria prejudicado, mas agora por outro motivo:
falta de interesse processual já que a providência buscada pela defesa foi
alcançada em 1ª instância. Nesse sentido:

A superveniência de sentença absolutória, na linha da orientação
firmada nesta Corte, torna prejudicado o pedido que buscava o trancamento da
ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

STJ. 6ª Turma. AgInt
no RHC 31.478/SP, Rel.
Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
26/03/2019.

 

Essa foi a
explicação da súmula. Vejamos agora três situações correlatadas envolvendo
habeas corpus.

 

Situação
1:

O juiz, a
requerimento do MP, decretou a prisão preventiva de Pedro.

A defesa
impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça alegando que não estavam
presentes os pressupostos da prisão preventiva. Logo, o advogado pediu, no
habeas corpus, a revogação da prisão preventiva. Esse foi o pedido do writ.

Antes que o
habeas corpus fosse julgado, o juiz prolatou sentença condenando Pedro pelo
crime e, na oportunidade, manteve a prisão cautelar, negando o direito do réu
de recorrer em liberdade.

 

Indaga-se:
o habeas corpus fica prejudicado?

Depende:

· se, na sentença, o juiz,
para manter a prisão preventiva, se valeu dos mesmos fundamentos que havia utilizado
na decisão anterior: o habeas corpus NÃO fica prejudicado. O Tribunal terá que
apreciar.

· se, na sentença, o juiz,
para manter a prisão preventiva, se valeu de outros fundamentos diferentes do
que já havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus fica prejudicado.
Isso porque ainda que o Tribunal entendesse que os argumentos utilizados na
decisão não foram corretos, o magistrado já mencionou outros fundamentos para a
prisão, devendo esses novos argumentos serem também impugnados. Ex: na decisão
que decretou a prisão preventiva, o juiz afirmou que o réu estaria ameaçando as
testemunhas (prisão decretada por conveniência da instrução processual). Na
sentença, o magistrado manteve a prisão preventiva sob a alegação de que existiria
risco concreto de o réu fugir caso ele fosse solto (prisão para assegurar a
aplicação da lei penal).

 

A sentença penal condenatória superveniente que não permite ao
réu recorrer em liberdade, somente prejudica o exame do recurso em habeas
corpus quando contiver fundamentos diversos daqueles utilizados na decisão que
decretou a prisão preventiva, o que não ocorreu no caso dos autos.

STJ. 5ª Turma.
RHC 105.673/MG, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/08/2019.

 

Situação
2: habeas corpus e concessão de suspensão condicional do processo

Imagine a
seguinte situação hipotética:

João foi
denunciado pela prática do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP).

O juiz
recebeu a denúncia e designou audiência.

A defesa de
Pedro impetrou habeas corpus no TRF pedindo o trancamento da ação penal por
ausência de justa causa.

O habeas
corpus ficou no TRF aguardando ser julgado.

Antes que o
writ fosse apreciado, chegou o dia da audiência.

Como a pena
mínima deste delito é igual a 1 ano, o MP ofereceu proposta de suspensão
condicional do processo. João, acompanhado de seu advogado, aceitou a proposta
pelo período de prova de 2 anos.

 

Diante
disso, indaga-se: com a suspensão condicional do processo, o habeas corpus que
estava pendente fica prejudicado ou o TRF deverá julgá-lo mesmo assim?

O Tribunal
deverá julgar o habeas corpus. É a posição tranquila da jurisprudência:

O fato de o denunciado ter aceitado a proposta de suspensão
condicional do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei nº
9.099/95) não constitui empecilho para que seja proposto e julgado habeas
corpus em seu favor, no qual se pede o trancamento da ação penal. Isso porque o
réu que está cumprindo suspensão condicional do processo fica em liberdade, mas
ao mesmo tempo terá que cumprir determinadas condições impostas pela lei e pelo
juiz e, se desrespeitá-las, o curso do processo penal retomará. Logo, ele tem
legitimidade e interesse de ver o HC ser julgado para extinguir de vez o
processo.

STJ. 5ª Turma. RHC 41527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
3/3/2015 (Info 557).

 

Situação
3: habeas corpus e transação penal

Imagine
agora a seguinte situação hipotética:

Pedro foi
denunciado pela prática de lesões corporais dolosas.

O juiz
recebeu a denúncia.

A defesa de
Pedro impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da
ação penal por ausência de justa causa.

O habeas
corpus ficou lá no TJ aguardando ser julgado.

Enquanto
isso, foi designada audiência. No curso da audiência, o Ministério Público,
melhor analisando os fatos, entendeu que houve lesões corporais culposas,
infração de menor potencial ofensivo, prevista no art. 129, § 6º do Código
Penal.

Assim, na
própria audiência, o Promotor de Justiça pediu a desclassificação para lesões
corporais culposas, pleito que foi acolhido pelo juiz.

Em seguida,
o Promotor ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita por João.

O juiz
homologou o acordo de transação penal e tornou sem efeito a decisão de
recebimento da denúncia.

A decisão
que recebeu a denúncia foi anulada pelo juiz considerando que o benefício da
transação penal ocorre antes do início da ação penal.

 

Como você lembra, havia um
habeas corpus tramitando no TJ e que ainda não havia sido julgado. Diante
disso, indaga-se: com a celebração da transação penal, o habeas corpus que
estava pendente fica prejudicado ou o TJ deverá julgá-lo mesmo assim?

• STJ: SIM.
Fica prejudicado.

A concessão
do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se
busca o trancamento da ação penal.

STJ. 6ª Turma. HC 495148-DF, Rel. Min.
Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

 

• STF: NÃO.
Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus.

A realização
de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus
anteriormente impetrado.

A aceitação
do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para
questionar a legitimidade da persecução penal.

Embora o
sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de
menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis
aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental
para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar
possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação.

Não há
qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em
andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.

STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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