A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) negou provimento a um recurso interposto pela CDR Clínica de Doenças Renais S.A., que requeria a reforma da sentença que reconheceu a estabilidade provisória e determinou pagamento de pensão a uma ex-copeira e cozinheira. A profissional teria contraído o vírus da hepatite C ao se cortar em uma geladeira que conservava tubos de sangue dos pacientes. Os desembargadores seguiram, por unanimidade, o voto da relatora do acórdão, desembargadora Maria das Graças Cabral Viegas Paranhos.
Admitida em 2 de janeiro de 1990, como cozinheira e copeira, a autora foi dispensada sem justa causa em 1º de junho de 2006. Suas tarefas consistiam em preparar as refeições dos demais trabalhadores, além de lanches para os pacientes em processo de diálise (filtragem do sangue), seguindo orientações das nutricionistas.
Saúde
Ela denunciou que o ambiente de trabalho não mantinha as condições ideais de higiene. Durante diligência pericial, afirmou que, entre suas atribuições, estava a faxina do frigobar contendo amostras de sangue dos pacientes.
Ao realizar a limpeza, acabava quebrando sem querer os frascos de vidro congelados e se cortando, o que teria ocasionado sua contaminação com hepatite C. Submetida a exame médico após seu desligamento da empresa, foi considerada inapta para o trabalho, dando entrada no benefício previdenciário em 21 de julho de 2006. Relatou que, por várias vezes, sentiu-se mal em casa, já que a medicação causa efeitos colaterais, com redução parcial e temporária da capacidade de trabalho.
Garantia
Na 4ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu, onde o caso foi julgado em primeira instância, foi considerado procedente o direito à garantia provisória no emprego, nos termos do artigo 118 da Lei 8.213/91. A lei garante a quem sofreu acidente de trabalho a manutenção do emprego por um prazo mínimo de 12 meses.
A decisão condenou a empresa também ao pagamento de pensão mensal e indenização por dano moral, além do ressarcimento de verbas trabalhistas devidas. O juízo constatou que, quando dispensada, a profissional estava inapta ao trabalho e necessitava de tratamento, estando o contrato de trabalho, portanto, suspenso, o que impediria a sua dispensa. Quanto à contaminação, considerou a prova testemunhal suficiente quanto ao descuido da clínica, expondo a empregada a risco.
A clínica interpôs recurso ordinário solicitando o afastamento da estabilidade provisória concedida à empregada, bem como a exclusão da indenização por dano moral. Alegou que a prova pericial produzida nos autos demonstrou a ausência de causalidade entre a doença da trabalhadora e a atividade prestada no laboratório. Além disso, segundo a empresa, a decisão de primeira instância teria se valido de reportagens da internet, sem confirmação de veracidade, nem observado provas técnicas determinantes.
Cuidados
A empresa alegou também que toma todas as cautelas necessárias para preservar a saúde de seus empregados e que a copeira não mantinha contato com pacientes ou com a coleta de sangue, desenvolvendo seu trabalho unicamente no ambiente administrativo. Ressaltou que a empregada não ficou inválida, inexistindo sequelas de qualquer espécie, pois desde a sua dispensa teria trabalhado em outros lugares sem restrição.
Ao analisar o recurso da clínica, a relatora do acórdão observou que o juízo de primeira instância apreciou a controvérsia de forma detalhada. A magistrada lembrou que o perito reconheceu a incapacidade da autora, contrariando resultado do exame médico demissional.
“As evidências apontam para a contaminação (…) nas dependências da reclamada, uma vez que a empresa não tinha a menor preocupação com as normas relativas à segurança e medicina no trabalho, de modo a evitar o contágio do vírus da hepatite C”, concluiu a desembargadora, ressaltando, com base em informações da Fiocruz, que a transmissão ocorre principalmente pelo contato com o sangue, incluindo a possiblidade de acidentes com material contaminado.
A relatora do acórdão ressaltou também que o alto risco da atividade na clínica inverteria o ônus da prova, de forma que a empresa é que deveria comprovar que suas atividades são seguras, e não a copeira.
“Não é difícil imaginar o estado de aflição da trabalhadora (…) sem poder prever que havia frascos de sangue dos pacientes, indevidamente armazenados na geladeira, alguns deles quebrados, por culpa do descaso e da fiscalização falha da reclamada. Nesse contexto tem a empregadora o dever de indenizar o dano moral”, concluiu a relatora do acórdão, mantendo o valor de R$ 20 mil e mantendo assim a sentença proferida em primeira instância pela 4ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu.
Fonte: TRT da 1ª Região (RJ)