Na decisão, foi determinada a reintegração do profissional e o pagamento de indenização de R$ 5 mil por danos morais.
25/03/2022 – A Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) reconheceu como discriminatória a dispensa sem justa causa de um trabalhador diagnosticado com alcoolismo. Atuando como relator, o desembargador Manoel Barbosa da Silva, seguido pelos demais integrantes do colegiado de segundo grau, deu provimento ao recurso do trabalhador e modificou a sentença do juízo da 15ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, reconhecendo o direito do empregado a ser reintegrado ao emprego.
“Tendo em vista que a Síndrome de Dependência Alcoólica é catalogada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença grave, a dispensa do empregado, em decorrência de sua condição, viola o entendimento consubstanciado na Súmula 443 do TST. Sua reintegração é, pois, medida que se impõe”, manifestou-se o colegiado em sua decisão.
Ao constatar que o homem estava incapacitado para o trabalho, o relator acolheu o recurso para converter o direito à reintegração em pagamento de indenização correspondente ao dobro das remunerações entre a rescisão contratual e o início da percepção do benefício previdenciário pelo trabalhador. Deu também provimento ao recurso para condenar a empresa a pagar indenização por danos morais ao ex-empregado, fixada em R$ 5 mil, pedido que também havia sido negado na sentença.
Doença ocupacional e estabilidade acidentária – Inexistência
O trabalhador não se conformava com a decisão de primeiro grau que acolheu o laudo pericial para rejeitar a alegação de doença profissional e indeferiu o pedido de reintegração, bem como de indenização pela estabilidade provisória. Sustentou haver presunção de que a dispensa se deu por motivo “desqualificado e injusto” e que a empresa tinha ciência do seu quadro clínico, já que foram inúmeros os atestados médicos e afastamentos durante todo período contratual, o que, no seu entendimento, justifica os pedidos de nulidade da dispensa, reintegração, indenização substitutiva e reparação por danos morais.
Sobre a inexistência de doença profissional, o relator comungou com o entendimento adotado em primeiro grau. Com base na prova pericial, o julgador concluiu que a doença do autor não teve qualquer relação com o trabalho e que, dessa forma, não estiveram presentes os requisitos à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/1991, tais como incapacidade temporária ou definitiva para o trabalho e percepção do auxílio-doença acidentário.
“Diversamente do sustentado, o perito analisou detidamente as funções exercidas pelo autor e, embora o obreiro seja acometido por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, além de epilepsia, concluiu pela inexistência de doenças ou lesões causadas ou agravadas pelo trabalho”, destacou o relator. Conforme pontuou, o laudo pericial é elaborado por especialista, a quem incumbe apurar as condições de trabalho, cujas conclusões somente podem ser afastadas por prova robusta em sentido contrário, o que não ocorreu no caso.
Nesse quadro, foi mantida a sentença, quanto à improcedência das pretensões formuladas com fulcro na estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/1991.
Dispensa discriminatória
Com relação à dispensa discriminatória, o entendimento do relator foi outro. Diversamente do que entendeu o juízo de primeiro grau, para o relator, as provas produzidas demonstraram que a dispensa foi discriminatória no caso.
Conforme histórico médico-previdenciário relatado pelo perito, o reclamante esteve afastado, recebendo auxílio-doença previdenciário de 24/7/2018 a 5/10/2018, sob o CID: F10.2 (transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome de dependência). Ele foi dispensado sem justa causa em 9/10/2018, um dia após ter sido avaliado em exame médico de retorno e ser considerado apto para o trabalho.
A prova documental ainda revelou que, a partir do dia 24/7/2018, o trabalhador esteve internado no Hospital Espírita André Luiz, sem previsão de alta na ocasião. O resumo clínico do sumário de alta, datado de 25/10/2018, registrou, entre os problemas listados, “síndrome de abstinência alcoólica”. Diante das circunstâncias apuradas, na análise do relator, a empresa tinha conhecimento da condição de dependente químico do empregado, quando o dispensou sem justa causa.
O relator chamou atenção para o fato de que a aptidão para o trabalho, atestada pelo exame de retorno ao serviço, não tem a força de afastar a condição do empregado de dependente de substância alcoólica.
Ao reconhecer a existência de dispensa discriminatória, o relator se baseou no artigo 1º da Lei 9.029/1995, que proíbe qualquer prática discriminatória e limitativa para acesso ou manutenção da relação de emprego, por motivo de sexo, origem, cor, estado civil, situação familiar ou idade, com violação do princípio da isonomia.
Segundo pontuado na decisão, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é o valor social do trabalho, que, aliado aos pilares da dignidade do ser humano, da não discriminação e da função social da empresa (artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, I e XLI, 6º, 7º, I, XXX e XXXI, 170, III, VIII e 193, da Constituição), proíbem a dispensa discriminatória.
O julgador registrou que o empregador tem o poder de dispensar os empregados quando lhe convém, sendo uma das prerrogativas que o risco do negócio lhe traz. Entretanto, não pode agir de maneira a discriminar trabalhadores, devendo respeitar o princípio da dignidade humana. Como ponderou o relator, o exercício do direito indiscutível do empregador de rescindir o contrato de trabalho não é absoluto, encontrando seu limite no abuso, que pode se caracterizar de diversas formas, destacando-se, entre elas, a dispensa com intuito discriminatório.
Na decisão, o relator asseverou que a dispensa do trabalhador que sofre de dependência a substâncias alcoólicas é presumidamente discriminatória, nos termos da Súmula 443 do TST, e encontra vedação na Lei 9.029/1995. “Nesse contexto de fragilidade da saúde do obreiro, decorrente da dependência química reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde, não se consideram comportamentos desidiosos eventuais faltas ou ausências injustificadas do posto de trabalho em parte da jornada, que, em situações ordinárias, embasariam até mesmo a dispensa por justa causa, com fundamento no artigo 482, “e”, da CLT”, acrescentou o magistrado.
De acordo com o entendimento adotado na decisão, considerando que a Síndrome de Dependência Alcoólica é catalogada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença grave, a dispensa do empregado em decorrência de sua condição, como se deu no caso, viola a Súmula 443 do TST, gerando o direito à reintegração. Mas o relator fez questão de frisar que a reintegração ao emprego do autor justifica-se em razão da presunção de dispensa discriminatória, e não em decorrência de estabilidade de que trata o artigo 118 da Lei 8.213/1991, oriunda de acidente de trabalhou ou doença profissional.
Reintegração – Conversão em indenização
Entretanto, tendo em vista que o reclamante se encontrava incapacitado para o trabalho, recebendo aposentadoria por invalidez previdenciária, desde 6/10/2019, o pedido de reintegração foi convertido em indenização por danos materiais, tendo sido apontados como fundamento o artigo 4º da Lei nº 9.029/1995, artigo 496 da CLT e as Súmulas 396, II, e 28 do TST.
O recurso do trabalhador foi parcialmente provido, nesse aspecto, para condenar a ex-empregadora a lhe pagar indenização correspondente ao dobro das remunerações, devidas desde a rescisão contratual, até o seu afastamento, mediante percepção do benefício previdenciário.
Indenização por danos morais
Em razão da dispensa discriminatória, o reclamante pediu que a empresa fosse condenada a lhe pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 41.050,00. O recurso também foi provido em relação a esse pedido. Na decisão, o relator reconheceu o direito do trabalhador à indenização por danos morais, fixando-a, contudo, em R$ 5 mil, no que foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.
Para fixar o valor da indenização, levou-se em conta a extensão do dano e a natureza pedagógica da reparação, assim como as circunstâncias de que a indenização seja proporcional ao grau da dor suportada pela vítima, à gravidade da conduta do ofensor, ao seu grau de culpa e situação econômica, considerando, ainda, que a indenização não pode ser meio de enriquecimento do ofendido. Há recurso ao TST ainda aguardando análise.
Fonte: TRT da 3ª Região (MG)