18/11/22 – A manhã do segundo dia do Seminário Nacional Simone André Diniz – Justiça, Segurança Pública e Antirracismo foi marcada por dois painéis que trataram do racismo no mercado de trabalho e da teoria e da prática em políticas públicas para igualdade racial.
Mercado de trabalho
O painel “Racismo e o mercado de trabalho” foi mediado pelo coordenador geral de políticas étnico-raciais da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Vanderlei Lourenço, advogado e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares. A primeira exposição foi da procuradora do trabalho Valdirene de Assis, que apresentou o histórico do Brasil pré e pós abolição, falou sobre violência contra corpos negros e exclusão social e sobre como esses fatores se consolidam no mercado. “A discussão do racismo estrutural deve ser entendida em um processo histórico”, explicou.
Para a procuradora, a forma de enfrentar o racismo é através de políticas, públicas ou privadas, e, ainda, de um pensar amplo que envolva revisitar normas e leis que acentuam a questão e geram efeitos deletérios. Para ela, instituições ou indivíduos, quando permanecem na inércia, estão permitindo que esse mecanismo ocorra naturalmente.
Pobreza de tempo
A juíza do trabalho Bárbara Ferrito, diretora de cidadania e direitos humanos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região-RJ, abordou a questão sob o aspecto da “pobreza de tempo” – a constatação da falta de tempo para a execução das tarefas, ainda que básicas. Segundo ela, as mulheres formam o grupo mais pobre de tempo, e raça e gênero impõem papéis sociais que se refletem no uso do tempo, gerando pobreza.
Para a magistrada, o direito também pode agir como promotor e instituidor de desigualdades e funcionar como tecnologia de gênero e raça, quando normatiza a partir de estereótipos, ignorando que as normas podem produzir efeitos diversos para cada situação.
Redução de desigualdades
Ao finalizar o painel, o advogado Daniel Bento, diretor do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades, citou diversas situações de violência e racismo que já sofreu no cotidiano. Ele destacou que, de acordo com a Constituição Federal, as instituições da ordem econômica devem se submeter ao princípio da redução das desigualdades sociais e regionais. “As empresas e o mundo do trabalho em geral têm essa obrigação”, afirmou. “E, no caso brasileiro, as desigualdades sociais, sobretudo a partir da invasão portuguesa, derivam do racismo”.
Teoria e prática
O segundo painel teve como tema “A construção de políticas públicas para igualdade racial na teoria e na prática”. A delegada da Polícia Civil do Estado do Ceará Janaína Siebra Bezerra relatou um caso de racismo, ocorrido em 2021 em seu estado, com repercussão nacional e internacional.
Uma jovem com um sorvete na mão foi abordada, ao entrar numa loja de shopping, pelo gerente, que pediu que saísse do local. Sem entender a abordagem, ela procurou vários seguranças para saber se havia alguma restrição a entrar em loja com alimento, e todos disseram que não. Inconformada, quis conversar com o chefe da segurança, que a reconheceu: ela era a delegada Ana Paula Barroso, que, em outro momento, o havia atendido e, agora, era a vítima de racismo.
A investigação revelou que essa era uma prática comum da loja, e que os funcionários usavam entre si um código sempre que alguém ‘suspeito’ entrava. “É importante relembrarmos que, infelizmente, essa ainda é uma realidade que muitos negros e negras de nosso país passam diariamente, em situações corriqueiras”, diz Janaína.
Ordenamento jurídico
O subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo Wallace Paiva Martins Júnior falou de uma aliada no combate ao preconceito e a discriminação racial e que tem o compromisso com a dignidade da pessoa humana: a Constituição de 1988. Apesar disso, ele acentua que a discriminação racial é um tema que provoca intensas preocupações, porque o racismo ainda é comum na sociedade brasileira.
Para Wallace Paiva, é preciso se valer cada vez mais do ordenamento jurídico disponível, que estabelece direitos e deveres a serem seguidos, e discriminações desarrazoadas não podem mais ser toleradas. Ele defendeu ainda que as ações do Poder Público devem ser direcionadas ao reconhecimento das diferenças e que as políticas públicas para as vítimas do preconceito racial devem ser prioridade do Estado. “A igualdade significa superação da desigualdade real”, frisou.
Experiência do TRT-4
A juíza auxiliar da Presidência do TST Gabriela Lenz de Lacerda levantou o questionamento de como a sociedade e o Judiciário poderiam se comportar a partir de um caso tão paradigmático como o de Simone André Diniz. Ela citou uma política de equidade de gênero e raça proposta por uma servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), hoje aposentada, que vem tendo bons resultados.
A partir da proposta, foi criado um comitê institucional, formado por pessoas do quadro de pessoal e da magistratura, para provocar os diferentes setores do Tribunal a pensar em suas atividades a partir da perspectiva de gênero, raça e equidade. “A experiência tem sido muito rica, porque cria oportunidade para todas as categorias dialogarem”, assinala. Um dos frutos foi a publicação de um livro com relatos de pessoas marcadas pelo racismo estrutural.
Mudanças estruturantes
A antropóloga Marina de Barros Fonseca, assessora política da Ong Criola, do Rio de Janeiro, afirma que, embora esse tema esteja muito presente em mesas de debates, ainda há muito a ser feito. “O negro ainda é visto pela sociedade como o resto. O que sobrou fica para o negro”, disse. “O racismo precisa ser falado, sim, mas também precisamos de mudanças estruturantes em nossa sociedade e instituições”.
Marina também contou situações de racismo vividas por ela quase que diariamente. A caminho de uma participação recente em evento no Egito, ela foi parada seis vezes nos aeroportos para revistas aleatórias. “isso é apenas uma desculpa para o chamado protocolo de perfilamento racial”, afirmou.
(Nathália Valente e Carmen Amaral/CF_Imagens: Barbara Cabral)