STF ouve argumentos sobre consulta prévia a povos indígenas em empreendimentos que possam afetá-los

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (3) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5905) contra regras da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que exigem consultas às comunidades indígenas quando medidas legislativas ou administrativas puderem afetá-los diretamente.

Na sessão desta tarde, o ministro Luiz Fux (relator) fez um resumo da ação, e as partes e terceiros interessados apresentaram seus argumentos. O julgamento retornará para a análise de mérito em data a ser definida posteriormente.

Na ADI, o governo de Roraima questiona a ratificação pelo Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais. A alegação é de que condicionar a execução de obras públicas à consulta prévia dos povos indígenas interessados estaria causando prejuízos estruturais ao desenvolvimento socioeconômico do estado. 

Quando a ação foi proposta, o estado havia pedido a concessão de liminar para possibilitar a construção de uma linha de transmissão de energia elétrica de Manaus a Boa Vista, conectando Roraima ao Sistema Interligado Nacional. Contudo, o ministro Luiz Fux (relator) decidiu não examinar a liminar e julgar a ação diretamente no mérito.

Caráter vinculante

Edival Braga, procurador-geral de Roraima, considera importante que a consulta seja realizada de forma livre, de boa fé e informada, mas defende que seu resultado tenha caráter vinculante para o Estado brasileiro apenas quando os efeitos negativos do empreendimento forem superiores aos positivos.

Segundo ele, os estados amazônicos devem poder buscar um desenvolvimento em comum acordo e o diálogo com as comunidades indígenas. Isso contribuirá para superar o pensamento de que os povos indígenas seriam empecilho ao desenvolvimento regional. Citou como exemplo o Linhão de Tucuruí, que passou pelo processo de consulta e deve ser concluído ainda em 2025.

Necessidade de escuta

Em nome da Advocacia-Geral da União (AGU), Marcelo Vinícius Miranda Santos afirmou que a exigência de consulta fortalece os povos originários. Ele lembrou que o Brasil, ao ratificar a Convenção 169 da OIT, buscou abandonar uma lógica integracionista do passado e adotar uma nova abordagem baseada no respeito à autonomia, à identidade cultural e à autodeterminação. Em seu entendimento, a medida é plenamente compatível com os princípios constitucionais que condicionam a exploração de recursos em terras indígenas à autorização do Congresso Nacional e à escuta das comunidades afetadas.

Terceiros interessados

Em nome da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ricardo Sobrinho afirmou que a Convenção 169 assegura que as comunidades indígenas sejam ouvidas nos processos administrativos e legislativos com impacto em seus territórios, modos de vida e cultura, garantindo aspectos mínimos de autonomia e autodeterminação sobre esses saberes tradicionais e seus territórios. Ele também citou a construção do Linhão de Tucuruí  para defender que a regra não prejudica o desenvolvimento regional. 

Para Carlos Frederico Marés, que representa a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará e a Terra Direitos, a consulta é equivalente ao licenciamento ambiental, pois apenas determina que se pergunte aos afetados qual é o impacto de determinado empreendimento. Para ele, em tempos de emergência climática, trata-se de uma forma de aprender com culturas que têm outra relação com a natureza.

Pela Defensoria Pública da União (DPU), o defensor Gustavo Zorteda Silva defendeu a constitucionalidade da consulta prevista na Convenção 169 da OIT. Propôs, ainda, que a norma seja interpretada de forma que, quando as comunidades indígenas não tiverem entidades representativas, a Funai atue como representante. Isso evitaria que o direito à consulta seja condicionado a um modelo de organização social.

Para Gabriel de Carvalho Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, a consulta é um instrumento de diálogo e democracia participativa que assegura aos povos indígenas um lugar de fala e de decisão sobre projetos que impactam seus modos de vida. Segundo ele, não há incompatibilidade entre a garantia dos direitos indígenas e o desenvolvimento nacional, que deve ser socialmente justo, ambientalmente sustentável e culturalmente respeitoso.

Pela Associação Juízes pela Democracia, Deborah Duprat lembrou que, a partir do final da década de 1980, diversos países começaram a empreender mudanças significativas nas suas constituições de forma a descolonizar o direito e a valorizar a diferença e o pluralismo da vida social. Em seu ponto de vista, a consulta é um imperativo ético de levar em conta o sofrimento e a dor de grupos já tão profundamente afetados e que devem ter o direito de saber como irão sobreviver a mais um impacto na sua vida coletiva.

O representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Felipe Costa Camargo, sustentou que a consulta é um instrumento importante, mas que depende de segurança jurídica para a sua aplicação. A entidade defende que as consultas tenham parâmetros claros e prazos definidos e que sejam obrigatórias apenas para empreendimentos com impacto direto em terras indígenas homologadas.

(Pedro Rocha//CF)

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Com informações do STF

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