ESTRUTURA DO FURTO

O crime de furto encontra-se tipificado no
art. 155 do CP, que tem oito parágrafos.

Vejamos o que dispõe cada um deles:

Caput: furto simples.

§ 1º: causa de aumento de pena para os casos
em que o furto é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º: causa de diminuição de pena, chamada
pela doutrina de “furto privilegiado”.

§ 3º: a energia elétrica ou qualquer outra que
tenha valor econômico é equiparada à coisa móvel.

§ 4º: hipóteses de “furto qualificado”.

§ 4º-A: qualificadora pelo emprego de
explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 4º-B e C: furto mediante fraude cometido por
meio de dispositivo eletrônico ou informático.

§ 5º: qualificadora para as hipóteses em que a
subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro
Estado ou para o exterior.

§ 6º: qualificadora para o caso de subtração
de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes
no local da subtração.

§ 7º: qualificadora pelo fato de a subtração
ter sido de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

 

AUMENTO DE PENA PELO FURTO NOTURNO

Existe uma causa de aumento caso o furto seja praticado no
período noturno. Veja:

Art. 155 (…)

§ 1º A pena aumenta-se de um terço, se
o crime é praticado durante o repouso noturno.

 

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João e Pedro, durante a madrugada, invadem a residência da
vítima enquanto ela dormia, e de lá subtraem a televisão. João e Pedro
praticaram furto qualificado:

Art. 155 (…)

§ 4º – A pena é de reclusão de dois a
oito anos, e multa, se o crime é cometido:

(…)

IV – mediante concurso de duas ou mais
pessoas.

 

Na 3ª fase da dosimetria da pena,
ao analisar as causas de aumento, o juiz poderá aumentar a pena em 1/3 pelo
fato de o crime ter sido cometido durante o repouso noturno (§ 1º)?

 

A causa de aumento de pena do § 1º,
além de se aplicar para os casos de furto simples (caput),

pode também incidir nas hipóteses de
furto qualificado (§ 4º)?

STJ: NÃO

STF: SIM

A causa de aumento prevista no § 1º do art.
155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide
no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4º).

STJ. 3ª Seção. REsp 1.890.981-SP, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, julgado em 25/05/2022 (Recurso Repetitivo – Tema
1087) (Info 738).

A causa de aumento do repouso noturno se coaduna
com o furto qualificado quando compatível com a situação fática.

STF. 1ª Turma. HC 180966 AgR, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 04/05/2020.

Posição topográfica: para que a majorante do
furto noturno fosse aplicável ao furto qualificado, o legislador deveria ter
colocado a regra do § 1º depois das hipóteses de furto qualificado. No
entanto, não foi isso que aconteceu.

Sob o viés do princípio da
proporcionalidade, objetiva-se evitar excesso de punição. A agravação da pena
derivada da incidência da majorante do furto noturno nas hipóteses do furto
qualificado resultaria em um desproporcional quantitativo.

Vale ressaltar, contudo, que, se o fato de o
crime ser cometido à noite trouxer maior gravidade concreta ao delito, caberá
ao julgador considerar isso como circunstância judicial negativa apta a
aumentar a pena-base na 1ª fase da dosimetria. Logo, se o furto foi
qualificado e também praticado durante o repouso noturno, não se aplica a
causa de aumento de pena do § 1º do art. 155, mas isso pode ser considerado
como circunstância judicial negativa (art. 59 do CP).

 

Não convence a tese de que a majorante do
repouso noturno seria incompatível com a forma qualificada do furto, a
considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das qualificadoras
(critério topográfico) teria sido feita com intenção de não submetê-la às
modalidades qualificadas do tipo penal incriminador.

Se assim fosse, também estaria obstado, pela
concepção topográfica do Código Penal, o reconhecimento do instituto do
privilégio (CP, art. 155, § 2º) no furto qualificado (CP, art. 155, § 4º) -,
como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade
desses dois institutos.

Inexistindo vedação legal e contradição
lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena
do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP,
art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática.

STF. 2ª Turma. HC 130952, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016.

 

 

Mudança de entendimento

Antes de 25/05/2022, o STJ possuía
entendimento em sentido contrário. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014 (Info 554).

 

Observação pessoal

Na prática forense, o entendimento do STJ deve
prevalecer. Isso porque como o STJ possui decisão favorável ao réu, o
Ministério Público não conseguirá levar a discussão para o STF já que não cabe
recurso extraordinário tendo em vista que não existe ofensa direta à Constituição
Federal. As oportunidades que o STF enfrentou o tema foram por meio de habeas
corpus.

 

Uma última pergunta para você não
confundir na hora da prova: é possível a aplicação do furto privilegiado (§ 2º
do art. 155) no caso de furto qualificado (§ 4º do art. 155)?

SIM. Veja o que diz o § 2º do art. 155:

Art. 155 (…)

§ 2º Se o criminoso é primário, e é de
pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela
de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa.

 

Por que existe essa diferença de tratamento?
Por que o § 1º não pode ser aplicado junto com o § 4º, mas o § 2º pode ser
aplicado com o § 4º?

O privilégio previsto no § 2º do art. 155 e a
causa de aumento relativa ao furto noturno (§ 1º) são hipóteses
fático-jurídicas diversas. O privilégio do § 2º é uma norma penal não
incriminadora enquanto o § 1º é uma causa de aumento, ou seja, uma norma penal
incriminadora.

Sendo o furto privilegiado uma norma não
incriminadora, pode comportar extensividade quando utilizado para integração do
sistema jurídico penal. Já o furto cometido durante o repouso noturno, por ser
uma norma incriminadora, tem sua extensividade vedada, visto que tem por
consectário o agravamento da situação do réu. Com efeito, o uso de raciocínio
analógico integrativo no âmbito do Direito Penal é inadmissível em hipótese em
que haja prejuízo para o acusado.

Desse modo, também sob a ótica de uma
interpretação finalística, em que se deve conferir aplicabilidade aos
princípios da proporcionalidade e da taxatividade, a incidência da causa de
aumento referente ao cometimento do furto noturno limita-se ao furto simples,
não se aplicando ao furto qualificado.

 

Em suma:

A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do
Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime
de furto na sua forma qualificada (§ 4°).

STJ. 3ª
Seção. REsp 1.890.981-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
25/05/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1087) (Info 738).

Artigo Original em Dizer o Direito

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.