Tráfico cometido nas
dependências ou imediações de estabelecimentos de ensino

O art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 prevê uma causa de
aumento de pena para o caso de o tráfico de drogas ser cometido nas
dependências ou imediações de estabelecimentos de ensino:

Art. 40. As penas previstas nos arts.
33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

(…)

III – a infração tiver sido cometida
nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou
hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,
recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de
recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de
serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

 

Qual é a razão da
existência dessa causa de aumento de pena?

A aplicação da causa de aumento
de pena prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, tem como objetivo
punir com mais rigor a comercialização de drogas em determinados locais onde se
verifique uma maior aglomeração de pessoas, de modo a facilitar a disseminação
da mercancia, tais como escolas, hospitais, teatros, unidades de tratamento de
dependentes, entre outros (STF. 1ª Turma. HC 118676, Rel. Min. Luiz Fux,
julgado em 11/03/2014).

Essa é a lição da doutrina:

“a
justificativa para a existência desta majorante diz respeito à enorme
facilidade de disseminação do consumo de drogas nesses locais em virtude da
maior concentração de pessoas, o que acaba por representar maior risco à saúde
pública.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada.
4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 793)

 

Vamos agora verificar três
situações enfrentadas pela jurisprudência:

 

Situação 1 (discutir se
precisa examinar quem é o público-alvo):

Ricardo é preso vendendo droga em
um beco que fica a 240m da escola pública do bairro.

O Ministério Público denuncia
Ricardo pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a
causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração
foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência
da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que não houve
comprovação de que o réu se utilizou daquele local com maior concentração de
pessoas para potencializar a disseminação da droga. Além disso, a venda não foi
feita para nenhum aluno, funcionário ou frequentador da escola.

 

A tese da defesa foi acolhida na
situação 1?

NÃO.

A prática do delito de tráfico de drogas nas proximidades de
estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06) enseja a aplicação
da majorante, sendo desnecessária a prova de que o ilícito visava atingir os
frequentadores desse local.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1558551/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
julgado em 12/09/2017.

 

Para a incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III,
da Lei nº 11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de que a mercancia
tinha por objetivo atingir os estudantes, sendo suficiente que a prática
ilícita tenha ocorrido em locais próximos, ou seja, nas imediações de tais
estabelecimentos, diante da exposição de pessoas ao risco inerente à atividade
criminosa da narcotraficância.

STJ. 6ª Turma. HC 359.088/SP. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 04/10/2016.

 

Justamente por essa razão, o STJ
entende que esta causa de aumento de pena tem natureza objetiva, de forma que
não importa a intenção do agente:

Em relação à causa de aumento do art. 40, inciso III, da Lei de
Drogas, cumpre destacar que a respectiva majorante tem caráter objetivo,
prescindindo da análise da intenção do acusado em comercializar drogas com
alunos das instituições de ensino.

STJ. 5ª Turma.
HC 359.467/SP, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
18/08/2016.

 

Situação 2 (discutir se
existe a majorante em caso de a escola estar fechada naquele horário):

João, viciado em droga, liga para
Pedro, traficante, pedindo para comprar cocaína.

Eles combinam de se encontrar no
domingo, às 2h da madrugada, em frente à escola pública existente no bairro.

No momento em que o traficante
está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão
em flagrante do agente.

O Ministério Público denuncia
Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a
causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração
foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência
da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera
proximidade da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo
porque, pelo dia e horário do crime, o estabelecimento de ensino encontrava-se
fechado.

 

A questão chegou até o STJ.
Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento
de pena do art. 40, III?

NÃO.

Não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40,
inciso III, da Lei nº 11.343/2006, se a prática de narcotraficância ocorrer em
dia e horário em que não facilite a prática criminosa e a disseminação de
drogas em área de maior aglomeração de pessoas.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.719.792-MG, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 622).

 

No caso concreto, o crime foi
praticado durante a madrugada, em um domingo, ou seja, em horário em que
obviamente a escola não estava em funcionamento. Assim, a proximidade da escola
foi um elemento meramente circunstancial, sem qualquer relação real e efetiva
com a traficância realizada pelo acusado.

Ainda que se trate de majorante
de cunho precipuamente objetivo – ou seja, não é necessário demonstrar que o
acusado pretendesse atingir as pessoas (notadamente alunos) do estabelecimento
de ensino, mas apenas beneficiar-se de sua proximidade – também não se pode,
por outro lado, esquecer de uma interpretação teleológica da norma em tela.
Ora, o aumento de pena imposto àquele que trafica nas dependências ou
imediações de estabelecimento de ensino justifica-se nos benefícios advindos ao
agente com a mercancia nas proximidades de tal estabelecimento, diante da maior
circulação de pessoas e da possibilidade de se atingir os frequentadores do
local.

Essa conclusão não retira o
caráter objetivo da majorante, pois continua sendo desnecessária a demonstração
de que o acusado tivesse o dolo de atingir aquele público específico. Mas é
preciso que o cometimento do tráfico naquele local (ou seja, nas proximidades
da escola) represente um proveito ilícito maior ao agente, maximizando o risco
exposto àqueles que frequentam a escola (alunos, pais, professores,
funcionários etc).

 

Situação 3 (discutir se
existe a majorante em caso de a escola estar fechada por conta da Covid-19):

No dia 28/4/2020, auge da
pandemia da Convid-19, João, viciado em droga, liga para Pedro, traficante,
pedindo para comprar cocaína.

Eles combinam de se encontrar no
segunda, às 14h, em frente à escola pública existente no bairro.

No momento em que o traficante
está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão
em flagrante do agente.

O Ministério Público denuncia
Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a
causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração
foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência
da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera
proximidade da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo
porque, pelo dia e horário do crime, o estabelecimento de ensino encontrava-se
fechado em razão da Covid-19.

 

A questão chegou até o STJ.
Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento
de pena do art. 40, III?

NÃO.

Como vimos acima, para o
reconhecimento da majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas,
não é necessária a comprovação da efetiva mercancia nos locais elencados na
lei, tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os
trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc., sendo suficiente
que a prática ilícita ocorra nas dependências, em locais próximos ou nas
imediações de tais localidades.

Contudo, no caso concreto, verificou
a presença de uma particularidade que, à luz da mens legis da referida
majorante, justifica sua não incidência em desfavor do acusado.

No caso em exame, o tráfico foi
cometido 28/4/2020, momento em que as escolas de ensino do Distrito Federal
estavam fechadas por conta das medidas restritivas de combate à Covid-19,
situação que perdurou entre março de 2020 e agosto de 2021, quando as aulas
presenciais foram retomadas.

A proximidade do comércio ilícito
de drogas com os estabelecimentos de ensino e esporte foi, na verdade, um
elemento meramente acidental, sem nenhuma relação real e efetiva com a
traficância por ele realizada.

Não há nenhum dado concreto de
que haja o réu se aproveitado das facilidades de eventual aglomeração de
estudantes, de professores ou mesmo de casual hipossuficiência dos alunos da
escola para, a partir delas, implementar o seu negócio ilícito e propagar, com
maior facilidade, a venda, a aquisição, a exposição à venda etc. de drogas.
Também não se observa que tenha sido incrementado o risco a que se poderiam
expor os alunos da escola e frequentadores do conjunto poliesportivo em razão
da conduta em apreço.

Nesse contexto, por mais que
tanto a jurisprudência quanto a doutrina entendam ser a majorante descrita no
inciso III do art. 40 de caráter precipuamente objetivo (não é, pois, em regra,
necessário que se comprove a efetiva mercancia nos locais elencados na lei,
tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os trabalhadores,
os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc.), não há como perder de vista a
razão de ser da causa especial de aumento de pena em questão.

Se, no caso, não ficou
evidenciado nenhum benefício advindo ao recorrido com a prática do delito nas
proximidades ou nas imediações dos referidos estabelecimentos de ensino e
complexo poliesportivo e se também não houve uma maximização do risco exposto
àqueles que frequentam tais locais, não há, absolutamente, como reconhecer a incidência
da referida majorante em desfavor do réu.

 

Em suma:

 

Resumindo. Causa de aumento de
pena do inciso III do art. 40 da LD:

• INCIDE mesmo que o tráfico não
tivesse como objetivo atingir os frequentadores da escola. Isso porque esta
majorante tem caráter objetivo, dispensando a análise da intenção do acusado em
comercializar drogas com alunos ou frequentadores das instituições de ensino;

• NÃO INCIDE se a prática de
narcotraficância ocorrer em dia e horário em que a escola esteja fechada, de
forma que não facilite a prática criminosa e a disseminação de drogas em área
de maior aglomeração de pessoas.

• NÃO INCIDE se o crime foi
praticado nas proximidades de escola fechada em razão da Covid-19.

Artigo Original em Dizer o Direito

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