Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre quatro problemas
envolvendo competência da Justiça Federal e crimes conexos. Trata-se de um tema
dificílimo, mas imprescindível aos que desejam ser Juiz
Federal ou Procurador da República.

Imagine
a seguinte situação envolvendo três crimes:

Crime “A”: de competência da Justiça
Estadual.

Crime “B”: também de competência da Justiça
Estadual.

Crime “C”: de competência da Justiça
Federal.

A Polícia Federal instaurou inquérito
policial para apurar a prática do crime “C”, que teria sido cometido por João.

Durante as investigações, foram
colhidos indícios de que João teria também praticado o crime “A”.

Após a conclusão do IP, o MPF formou
convencimento de que João, de fato, praticou os crimes “A” e “C”.

Para o MPF, a prova do crime “A”
auxilia a comprovar o delito “C”.

Desse modo, o Procurador da República entendeu
que havia conexão entre os dois crimes.

O
que é conexão no processo penal?

No processo penal, a conexão
ocorre quando dois ou mais crimes possuem uma relação entre si, o que torna
recomendável que tais delitos sejam julgados pelo mesmo juiz ou Tribunal.

Conexão
instrumental, probatória ou processual

Existem várias espécies de conexão. Na
situação em tela, o MPF entendeu que havia “conexão instrumental, probatória ou
processual”, prevista no art. 76, III, do CPP:

Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:

III – quando a prova de uma infração ou
de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração.

Qual
é a consequência processual pelo fato de os crimes serem conexos?

Em regra, os crimes conexos devem ser
processados e julgados conjuntamente, consoante prevê o art. 79 do CPP. A isso
se dá o nome de simultaneus processus.

Mas,
nesse caso, um crime é de competência da Justiça Federal e o outro da Justiça
Estadual…
Não tem problema. Mesmo assim eles deverão ser julgados
conjuntamente, ou seja, no mesmo juízo.

E
esse julgamento conjunto dos crimes ocorrerá na Justiça Estadual ou Federal?

Justiça Federal. Havendo
conexão entre crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, o
julgamento conjunto será na Justiça Federal (Súmula 122-STJ).

Por
quê?

Porque a competência da Justiça Federal
é prevista na Constituição Federal, sendo taxativa, enquanto que a competência
da Justiça estadual é residual. Assim, só será competência da Justiça Estadual
quando o crime não for previsto como de competência da Justiça Federal.

Desse modo, havendo um crime da Justiça
Federal e outro da Justiça Estadual e devendo ambos serem julgados
conjuntamente, a reunião deverá ser feita na Justiça Federal, a fim de que o
art. 109 da CF/88 não seja descumprido.

Com exceção de eventuais hipóteses de
competência delegada (§ 3º do art. 109 da CF/88), a Justiça Estadual não poderá
julgar crimes que se enquadrem nos incisos do art. 109. Em compensação, a
Justiça Federal poderá, eventualmente, julgar um delito que, originalmente, era
de competência da Justiça Estadual. É o caso, por exemplo, do crime “estadual”
conexo ao crime “federal”.

Explicado
isso, vamos em frente.

João foi denunciado pelo MPF, acusado
de ter praticado o crime “C” em concurso com o delito “A”.

A ação penal foi proposta na Justiça
Federal.

O juiz federal recebeu a denúncia,
houve toda a tramitação e, no momento em que estava elaborando a sentença,
percebeu o seguinte:

1ª) HIPÓTESE:

A conduta praticada pelo réu não se
amolda ao crime “C”, mas sim ao delito “B”.

Em outras palavras, o juiz, no momento
da sentença, discordou da classificação jurídica proposta pelo MPF e fez uma emendatio libelli (art. 383 do CPP), ou
seja, desclassificou a conduta praticada pelo réu do crime “C” (“federal”) para
o delito “B” (“estadual”).

Diante disso, a pergunta que surge é a seguinte:

O juiz federal permanecerá sendo competente para a causa e poderá
continuar a sentença e julgar o réu pelos crimes “A” e “B”?

NÃO.

Se você for querer responder essa
pergunta apenas consultando a legislação irá errar. Isso porque o CPP estabelece
o seguinte:

Art. 81. Verificada a reunião dos
processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência
própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que
desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência,
continuará competente em relação aos demais processos.

A situação narrada enquadra-se exatamente
na redação literal do art. 81, que é chamada de perpetuatio jurisdictionis (ou seja, perpetuação da jurisdição).

Ocorre que a doutrina majoritária e a
jurisprudência do STF entendem que, nessa hipótese, não poderá ser aplicada a
solução dada pelo CPP.

Assim, o juiz federal, ao
desclassificar a conduta do delito “C” para o crime “B”, deverá julgar-se
incompetente para continuar no exame da causa e declinar a competência para a
Justiça Estadual, nos termos do § 2º do art. 383 do CPP.

Por quê?

Entende-se que, se no processo não há
mais nenhum crime federal sendo julgado, a causa não poderá mais ser apreciada pela
Justiça Federal, sob pena de haver uma violação ao art. 109 da CF/88 que define
taxativamente (exaustivamente) os crimes julgados pela Justiça Federal.

Se o juiz federal invocasse o art. 81
do CPP e continuasse a julgar a causa mesmo não havendo mais nenhum crime
federal ele estaria acrescentando nova hipótese ao art. 109 da CF/88 com base
em uma lei infraconstitucional.

O art. 109 da CF/88 afirma que o juiz
federal somente poderá julgar crimes nas hipóteses ali previstas e o art. 81 do
CPP não tem força para criar outra situação não descrita no dispositivo
constitucional.

Mas o processo já estava no final…

Paciência. A conveniência do processo
não pode se sobrepor ao texto constitucional. Como destacou o Min. Teori
Zavascki, a norma do art. 81, caput,
do CPP, embora busque privilegiar a celeridade, a economia e a efetividade
processuais, não possui aptidão para modificar competência absoluta
constitucionalmente estabelecida, como é o caso da Justiça Federal (HC 113845/SP).

A prorrogação da competência ofenderia
o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII, da CF/88).

Vale ressaltar que, quando o processo for
para a Justiça Estadual, o juiz lá poderá ratificar todos os atos já praticados.

Precedente nesse sentido: STF. 2ª
Turma. HC 113845/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/8/2013.

Vale ressaltar que o STF reformou decisão
do STJ (de 2011) que entendeu de forma diferente e aplicou o art. 81 do CPP.
Deve-se considerar, portanto, que o explicado acima é o novo entendimento a ser
adotado nas provas de concurso.

2ª) HIPÓTESE:

Imaginemos agora que o juiz, no momento da sentença,
percebeu que o crime “C” estava prescrito (causa de extinção da punibilidade).

O juiz federal permanecerá sendo competente para a causa e
poderá continuar a sentença e julgar o réu pelo crime “A” (remanescente)?

NÃO. Segundo decidiu o STJ, na hipótese de conexão entre os crimes
de descaminho (crime federal) e de receptação (crime, em regra, estadual), em
que existiu atração do processamento/julgamento para a Justiça Federal,
sobrevindo a extinção da punibilidade do agente pela prática do delito de
descaminho, desaparece o interesse da União, devendo haver o deslocamento da
competência para a Justiça Estadual (CC 110998/MS, Rel. Min. Maria Thereza De
Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/05/2010).

3ª) HIPÓTESE:

Vamos
dificultar o tema: imagine agora que, no momento da sentença, o juiz percebeu
que não havia provas de que o réu praticou o crime “C” e que ele deveria ser
absolvido.

Após
absolver o réu pelo crime federal, o juiz federal permanecerá sendo competente
para a causa e poderá continuar a sentença e condenar o acusado pelo crime “A”
(estadual)?

SIM. Isso
porque, nesse caso, o juiz federal, na sentença, reafirmou sua competência para
julgar o crime “C”, tanto que proferiu uma sentença de mérito. Ora, se ele era
competente e julgou o crime federal (“C”), deverá também julgar o crime “A”,
que é conexo.

Precedente
nesse sentido: STJ 5ª Turma. HC 217.363/SC, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador
Convocado do TJ/PR), julgado em 04/06/2013.

4ª)
HIPÓTESE:

Vamos agora imaginar uma última hipótese:

João, servidor público estadual, foi denunciado por:

• peculato (art. 312 do CP): crime que, em princípio, seria
de competência da Justiça Estadual (prque o servidor e os valores apropriados
eram do Estado); e

• sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90): de
competência da Justiça Federal (porque o tributo sonegado – imposto de renda –
é de competência da União).

Para a prova do crime de sonegação fiscal será necessário
demonstrar, antes de tudo, que João recebeu os valores e, mesmo assim, não os
declarou. Assim, será indispensável que se prove a apropriação do dinheiro, que
é a elementar do peculato. Portanto, a prova da elementar do peculato
(apropriação de dinheiro) irá influir na prova da sonegação fiscal (omitir
rendimentos).

Desse modo, como havia conexão probatória, os dois crimes
estavam tramitando, no mesmo processo, na Justiça Federal.

João, depois de ajuizada a ação penal, efetuou um
parcelamento do débito tributário. Nos crimes tributários materiais (como é o
caso do art. 1º, I, da Lei 8.137/90),
se praticados antes de 2011, o parcelamento suspende a ação penal mesmo que a
denúncia já tenha sido recebida e se, ao final, ocorrer o pagamento integral,
extingue-se a punibilidade (maiores detalhes, consulte o Informativo 715 do
STF).

Em suma, como João parcelou a dívida tributária, a pretensão
punitiva (o direito de punir) quanto ao crime tributário ficou suspenso.

A pergunta, então, é a seguinte: mesmo estando suspensa a
ação penal quanto à sonegação fiscal, o juízo federal continuará competente
para julgar o peculato?

SIM. Segundo decidiu o STJ, deve ser aplicado, por analogia,
o disposto no art. 81 do CPP.

O art. 81 afirma que, mesmo que haja a absolvição do crime
federal, a competência para julgar o outro crime estadual conexo continua sendo
da Justiça Federal. Logo, por analogia, não há razão para o juiz federal perder
a competência para julgar o crime conexo se houve apenas a suspensão da ação
penal quanto ao crime federal.

Em outras palavras, segundo o art. 81, ainda que o juiz
federal absolvesse o réu quanto ao crime tributário, a Justiça Federal
permaneceria sendo competente para apreciar o peculato. Com maior razão, o juiz
federal continua sendo competente se a ação penal da sonegação fiscal estiver
apenas suspensa.

Precedente nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC 121.022-AC, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/10/2012.

E,
então, entenderam o tema?

Não
temos dúvida de que esse assunto será bastante explorado nas provas.

Um
grande abraço a todos e até a próxima.

Artigo Original em Dizer o Direito

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