Olá
amigos do Dizer o Direito,

Ainda
hoje iremos publicar o INFORMATIVO Esquematizado 524 do STJ. No entanto,
queremos destacar o assunto abaixo porque ele é MUITO importante para quem está
se preparando para Juiz Federal, bem como para os concursos de cartório. Muita
atenção ao tema!

Imagine
a seguinte situação:

João ajuizou ação de usucapião, na vara
cível da capital (Justiça estadual), narrando que ocupava determinado imóvel há
mais de 30 anos, de forma mansa e pacífica.

O CPC determina que a União, o Estado e
o Município devem ser intimados no processo de usucapião para que manifestem se
possuem interesse na causa (art. 943 do CPC).

O Estado e o Município informaram que
não possuíam qualquer relação com o imóvel em litígio. A União, por seu turno,
manifestou interesse no feito requerendo que a ação fosse julgada improcedente
sob o argumento de que a área que João pretendia usucapir seria,
presumidamente, terreno de marinha.

Os terrenos de marinha são bens
da União, conforme prevê o art. 20, VII, da CF/88. Logo, como são bens públicos, não podem
ser objeto de usucapião (art. 183, § 3º e art. 191, parágrafo único, da CF/88).

Diante
dessa intervenção da União, qual providência o magistrado deverá adotar?

O processo de
usucapião tramita, em regra, na Justiça estadual. Se a União alega interesse no
feito, o juiz deverá declinar a competência para a Justiça Federal a fim de que
lá se decida a respeito da existência ou não de seu interesse na causa (Súmulas
150 e 224 do STJ).

O
que são terrenos de marinha?

Terrenos de marinha são “todos aqueles
que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes
últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão
terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra
contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo.
Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417).

Isso é um pouco difícil de entender,
então, encontrei esta imagem para ilustrar melhor:

Fonte: http://www.vendariviera.com.br/blog/imoveis/saiba-mais-sobre-o-terreno-de-marinha/

Os terrenos de marinha são bens
da União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região
estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada”
de navios mercantes ou de guerra).

Enfiteuse

José dos Santos Carvalho Filho
(Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010,
p. 1311) explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares
utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha.  Como essas áreas pertencem à União, o uso por
particulares é admitido pelo regime da enfiteuse que funciona, em síntese, da
seguinte forma:

• A União (senhorio direto)
transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil do imóvel.

• O particular (enfiteuta) passa
a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou
pensão.

Obs: O CC-2002 proibiu a
constituição de novas enfiteuses, continuando a existir aquelas que já haviam
sido constituídas. O Código determinou, ainda, que, a enfiteuse dos terrenos de
marinha poderia continuar a existir, sendo matéria a ser regulada por lei
especial (art. 2.038, § 2º).

Demarcação dos terrenos de marinha

O Decreto-lei n.° 9.760/46 dispõe sobre os
bens imóveis da União, tratando, dentre eles, sobre os terrenos de marinha.

O Decreto-lei prevê, em seus
arts. 9º a 14, um complexo procedimento para a identificação da linha do preamar
médio naquela localidade específica, de forma a permitir a realização da
demarcação dos terrenos de marinha.

Essa demarcação é feita pela
Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a notificação pessoal de todos os
interessados identificados e com domicílio certo, devendo ser assegurados o
contraditório e a ampla defesa.

Voltando ao nosso caso concreto.

A União alegou que o imóvel que
João buscava usucapir estava, presumidamente, localizado em terreno de marinha. Presumidamente porque a SPU ainda não
havia feito a demarcação do local. Em outras palavras, não havia sido
formalmente declarado que o imóvel em questão encontrava-se localizado em
terreno de marinha.

A discussão, portanto, é a seguinte:

Pode ser realizada usucapião de área que a
União alega que é terreno de marinha, mas que ainda não passou pelo processo de
demarcação?

SIM.
A alegação da União de que determinada área constitui terreno de marinha, sem
que tenha sido realizado processo demarcatório específico e conclusivo pela
Delegacia de Patrimônio da União, não obsta o reconhecimento de usucapião.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.090.847-SP, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/4/2013.

A demarcação da faixa de marinha
depende de complexo procedimento administrativo prévio de atribuição do Poder
Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados
pela União e de domicílio certo, com observância à garantia do contraditório e
da ampla defesa.

Enquanto não houver esse
procedimento não se pode ter certeza de que a área encontra-se efetivamente
situada em terreno de marinha.

Tendo-se em conta a complexidade
e onerosidade do procedimento demarcatório, sua realização submete-se a um
juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública.

Ocorre que não é razoável que o
jurisdicionado, para que possa usucapir um terreno que ocupa há mais de 30
anos, fique esperando que o Poder Executivo realize a demarcação da área, sem
qualquer previsão de que isso vá ocorrer.

Assim, é possível o
reconhecimento da usucapião nesse caso, devendo, contudo, o juiz, fazer uma
ressalva na sentença de que a União poderá fazer uma eventual e futura
demarcação no terreno. Se ficar constatando, efetivamente, que o imóvel está
localizado em terreno de marinha, a União será declarada proprietária da área,
não havendo preclusão sobre o tema. Aplica-se o mesmo raciocínio constante na
Súmula 496 do STJ: Os registros de
propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são
oponíveis à União
.

Interessante o tema.

Voltem mais tarde para baixar o Informativo
524 do STJ.

Bons estudos.

Um abraço a todos.

Artigo Original em Dizer o Direito

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