Imagine a seguinte situação
hipotética:

Determinado Município do interior
de Minas Gerais editou lei criando 114 cargos públicos, de provimento em
comissão.

O Ministério Público ajuizou, no
Tribunal de Justiça, ação direta de inconstitucionalidade contra essa lei sustentando
que tais cargos não são destinados a funções de chefia, direção e
assessoramento.

Assim, essa lei teria violado o art. 23 da Constituição do
Estado, que é uma reprodução do art. 37, V, da CF/88. Vou transcrever apenas a
parte que interessa:

Art. 37 (…)

V – (…) os cargos em comissão (…)
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 

O MP alegou, portanto, que as
atribuições dos cargos criados pela lei municipal não correspondem à direção, chefia
e assessoramento.

O TJ, contudo, recusou-se a fazer
tal análise, argumentando que isso é matéria de fato e que tal exame não pode
ser feito em ação de controle objetivo de constitucionalidade.

 

Agiu corretamente o TJ?

NÃO.

A partir da descrição das
atividades dos cargos públicos na lei, o TJ deveria ter dito se isso era
compatível, ou não, com o texto da Constituição, que estabelece os casos e as
hipóteses de cargos em comissão.

É preciso ressaltar que a
inconstitucionalidade em exame geralmente vem disfarçada, escamoteada.

A lei confere a esses cargos uma
denominação que remete a funções de direção, chefia e assessoramento. A
despeito disso, quando se vai analisar as atribuições, percebe-se que elas nada
têm a ver com direção, chefia e assessoramento. São, na verdade, cargos
técnicos, para os quais se exigiria concurso público.

Assim, não basta analisar o nome
do cargo criado. É indispensável examinar as atribuições.

Veja um interessante exemplo, em
que a inconstitucionalidade só pode ser reconhecida mediante o exame das
atribuições do cargo em comissão:

Determinada Lei do Estado do Paraná criou cargos comissionados
denominando-os de “Assistentes de Segurança Pública”.

Quando o STF examinou as atribuições do cargo, percebeu que a
lei havia atribuído funções de Delegado de Polícia.

Em razão disso, a Corte reconheceu a inconstitucionalidade da
lei.

STF. Plenário. ADI 2427, Rel. Min. Eros Grau, julgado em
3/8/2006.

 

Desse modo, análise das
atribuições dos cargos em comissão pode (e deve) ser feita no âmbito da ação
abstrata de controle de constitucionalidade.

 

No julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta para questionar a validade de leis que criam cargos em comissão, ao
fundamento de que não se destinam a funções de direção, chefia e
assessoramento, o Tribunal deve analisar as atribuições previstas para os
cargos.

STF.
Plenário. RE 719870/MG, rel. orig. Min. Marco, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 9/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 670) (Info 994).

 

No caso concreto, a lei
criou mais de cem cargos comissionados. O Tribunal está obrigado a se
pronunciar sobre a constitucionalidade de cada cargo criado, individualmente?

NÃO. O art. 93, IX, da
Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda
que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma
das alegações ou provas (Tema 339).

O que isso significa?

• o Tribunal precisa analisar as
atribuições dos cargos em comissão, para dizer se elas são compatíveis com o
regramento constitucional;

• no entanto, o Tribunal não está
obrigado, na fundamentação do acórdão que julga a ação de inconstitucionalidade,
a manifestar-se sobre cada cargo, individualmente.

 

Na fundamentação do julgamento, o Tribunal não está
obrigado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de cada cargo criado,
individualmente.

STF.
Plenário. RE 719870/MG, rel. orig. Min. Marco, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 9/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 670) (Info 994).

 

O STF possui critérios para
definir se as atribuições dos cargos podem ser enquadradas como direção, chefia
e assessoramento?

SIM. O STF, ao analisar o Tema
1010, afirmou que a criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso
no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e
somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua
instituição. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes teses:

a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o
exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao
desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;

b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança
entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;

c) o número de cargos
comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles
visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente
federativo que os criar; e

d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas,
de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.

STF. Plenário. RE 1041210 RG, Rel. Dias Toffoli, julgado em
27/09/2018 (Repercussão Geral – Tema 1010).

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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